E agora América? Esta eleição só vai acabar nas barras dos tribunais
Enquanto os votos continuam a ser contados, Trump declarou-se vencedor e pôs em causa os resultados desfavoráveis. Biden respondeu, sem declarar vitória, mas assumindo-se confiante nela: "Ninguém nos vai tirar a democracia."

Manifestantes na 5.ª Avenida, em Nova Iorque, a favor de que todos os votos expressos sejam contados.
© EPA/Justin Lane
Donald Trump tem um registo ambíguo sobre um conjunto de temas, mas se há um em que mostrou total clareza foi sobre o dia seguinte às eleições. "Penso que isto vai acabar no Supremo Tribunal. E penso que é muito importante que tenhamos nove juízes", disse em setembro, cinco dias após a morte da juíza Ruth Bader Ginsburg.
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"Penso que é melhor se [a nomeação] for antes das eleições porque penso que isto - este esquema que os democratas estão a usar - irá parar ao Supremo Tribunal dos Estados Unidos", afirmou. Há muito que o candidato republicano alimentou a teoria da conspiração de que os votos antecipados seriam um esquema dos democratas para vencer de forma ilegal. Não há qualquer prova nesse sentido, apesar de o fiel procurador-geral, William Barr, ter igualmente dado eco a estas teorias.
Menos de 24 horas depois de as urnas terem encerrado, a campanha de Donald Trump interpôs uma ação no Supremo Tribunal para pôr em causa a lei estadual da Pensilvânia. Os advogados voltam à carga devido ao prazo para receber os boletins de voto naquele estado.
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Por duas vezes, os juízes recusaram o pedido dos republicanos para anular a decisão do Supremo Tribunal da Pensilvânia, o qual prorrogou o prazo de chegada dos boletins de voto em três dias. No entanto, o Supremo federal não definiu se a decisão do tribunal estatal era constitucional e três dos juízes conservadores sinalizaram que estão contra e mostraram interesse em examinar o tema outra vez se os boletins chegados nos três dias depois fossem decisivos (e é apenas sobre estes boletins que o pedido pode ter efeito).
O mesmo poderá acontecer na Carolina do Norte, onde o mesmo aconteceu, mas aí o prazo estipulado para receber os boletins de voto é dia 12.
Mas os planos da equipa de Trump passam ainda por pedidos para se suspender a contagem de votos e a recontagem de votos, pelo menos no Wisconsin, onde a vitória de Biden tem uma margem de 20 mil votos. No Michigan e na Pensilvânia, pediu-se a suspensão da contabilidade.
No Michigan, os democratas disseram que se tratava de uma manobra destinada a promover uma falsa narrativa da Casa Branca sobre fraude na contagem dos votos por correspondência e para impedir que os meios de comunicação dessem o estado para o campo democrata.
"Eu acho espúria qualquer contestação deste tipo", reagiu um jurista especializado em leis eleitorais, Christopher Trebilcock, e que está ao serviço dos democratas.
"Os funcionários eleitorais do Michigan têm trabalhado durante toda a noite para assegurar que todos os votos legais no Michigan sejam contados. A eleição deve ser decidida pelo povo do Michigan e não por advogados em nome de um candidato", comentou.
O processo foi anunciado pelo diretor de campanha de Trump, Bill Stepien. No seu entender, os representantes da campanha de Trump não tiveram "acesso significativo" aos locais de contagem dos votos, como exigido pela lei do Michigan.
O anúncio coincidiu com uma tentativa de republicanos em forçar a entrada no salão de convenções no centro de Detroit onde os votos estão a ser contados desde segunda-feira. Enquanto isso, advogados do Partido Republicano criticaram a falta de segurança em torno da contagem, incluindo a colocação de boletins de voto em caixotes de plástico situados à volta do salão. Outros queixaram-se do grande número de boletins de voto que chegaram para a contagem nas primeiras horas da manhã de quarta-feira.
Trebilcock lembrou que os mesmos procedimentos foram observados em 2016, quando Trump venceu, e ninguém se queixou sobre as regras de segurança.
O mesmo se passou na Pensilvânia. "Eles não estão a deixar os nossos observadores assistirem à contagem nas mesas de voto, não os deixam entrar", queixou-se Eric Trump numa conferência de imprensa. "Estão a tentar fazer batota."
As ações legais não tiveram consequências em nenhum dos estados, onde os funcionários eleitorais continuam a contar os boletins.
Todos os votos contados, defende Biden
Ao conquistar o Michigan e Wisconsin, segundo as projeções da Associated Press, Biden alcançou 264 votos eleitorais contra 214 para Trump. Se conseguir de facto somar os seis de Nevada, onde se encontra ligeiramente à frente, Biden alcança os 270 votos no Colégio Eleitoral necessários para ganhar a Casa Branca.

Antes de se saber os resultados no Michigan, Joe Biden apresentou-se com Kamala Harris aos norte-americanos, numa mensagem de união e de esperança. "Acredito que vamos ser os vencedores", disse Joe Biden.
A mensagem foi também de firmeza perante qualquer hipótese de jogadas pouco claras. "Todos os votos devem ser contados. A América lutou demasiadas batalhas para que isso não aconteça. Nós, o povo, não vamos ser atemorizados. Ninguém nos vai tirar a democracia", declarou.
"Para progredir temos de deixar de tratar os nossos opositores como inimigos. Nós não somos inimigos. O que nos une como americanos é muito mais forte do que qualquer coisa que nos possa separar", concluiu.
Uma mensagem em contraste com a retórica de Trump e dos seus associados. O advogado pessoal do presidente, Rudy Giuliani, acusou os democratas de enviarem boletins de voto fraudulentos, sem quaisquer provas. "É assim que pretendem ganhar. Não vamos deixá-los escapar."
Trump, que se declarou vencedor a meio da contagem também se queixou de fraude.
"Ontem à noite estava a liderar, muitas vezes solidamente, em muitos estados chave, em quase todos os casos dirigidos e controlados por democratas", escreveu Trump no Twitter. "Depois, um a um, começaram a desaparecer por magia, à medida que os boletins de voto surpresa eram contados."
Apesar de Joe Biden poder estar à beira da vitória eleitoral, e de uma estrondosa vitória em termos populares (mais de 3,3 milhões de votos de diferença, e a margem deve aumentar), não se espere de Donald Trump - que não voltou a comparecer em público desde que se declarou vencedor - a concessão da derrota.