Vistos gold estão em queda e há uma mudança na nação dos investidores

A pandemia, alterações legislativas, atrasos dos serviços e a concorrência com outros países são as razões apontadas por quem trabalha nesta área para a diminuição dos vistos gold. Mas acreditam que ainda serão concretizados muitos negócios até ao final do ano.
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A atribuição da residência para investimento em Portugal, os chamados vistos gold, tem vindo a diminuir desde 2018. E, este ano, os números oscilam de mês para mês, mas sempre inferiores aos registados há três anos. As restrições impostas pela pandemia, as alterações legislativas, os atrasos dos serviços e a concorrência com outros países são as razões apontadas por quem trabalha nesta área para a diminuição. Mas acreditam que ainda serão concretizados muitos negócios até ao final do ano, a julgar pelos pedidos de informação. A lei muda a 1 de janeiro de 2022.

"Houve uma diminuição significativa nos processos de vistos gold, o que não quer dizer que haja menos interesse. Temos tido muitos pedidos de informação, nomeadamente sobre o que é que vai mudar a partir de janeiro", explica Rita Neto, do escritório Global Lawyers, que tem uma área importante de apoio a estrangeiros.

A possibilidade de um estrangeiro residir legalmente em Portugal pela via financeira existe desde finais de 2012, com a alteração à lei da imigração (23/2007, de 4 de julho). É atribuída uma autorização de residência para investimento (ARI), seja para a transferência de capital para um banco com sede em Portugal; para a criação de postos de trabalhou ou para a compra de um imóvel. Este último é o expediente usado maioritariamente, o que significa adquirir imóveis no valor de 500 mil euros ou de 350 mil se for uma construção com 30 ou mais anos. Para requerer uma ARI por esta via, basta um contrato de promessa de compra e venda e o valor do imóvel depositado.

O requerimento é feito junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que concedeu duas residências no primeiro ano da aplicação da medida. O boom foi atingido em 2014, com 1526 vistos gold. No ano passado foram atribuídos 1182 destas autorizações de residência, menos 63 que em 2019, que já tinha tido um número mais reduzido comparativamente a 2018 (ver infografia). E, nos primeiros cinco meses deste ano de 2021, ficaram-se pelos 378.

Rita Neto aponta quatro razões para essa situação: dificuldades em viajar devido à pandemia - "o investidor gosta de ter um contacto próximo com o imóvel" -; problemas nas transferências monetárias; complicações para a autenticação dos documentos nos consulados e os atrasos do SEF.

Patrícia Barão, dirigente da imobiliária da JLL Residencial, defende que a principal causa para esta quebra são as "constantes dúvidas e ameaças de término do programa", que introduzem uma instabilidade que afasta investidores. "Adicionalmente, o programa português concorre com outros semelhantes a nível europeu, pelo que os investidores têm alternativas de investimento com benefícios e níveis similares. Não nos podemos esquecer que quem submete a aprovação de um visto faz um investimento grande, muitas vezes a poupança de uma vida, e esta é uma decisão que não se toma se houver incertezas", diz.

Isto não significa que não haja vontade dos investidores estrangeiros em vir para Portugal, sublinha. "Sentimos que o interesse do mercado internacional mantém-se e até aumentou, com outros mercados a olhar para Portugal que não tínhamos há dois e três anos. Portugal está hoje no radar dos investidores em todo o mundo e isso é algo de que nos podemos orgulhar. Só a JLL vendeu imóveis a clientes provenientes de 47 nacionalidades. Naturalmente, a pandemia trouxe-nos maiores desafios na concretização do processo de compra e de candidatura ao visto (impossibilidade de viajar, visitar, tratar dos aspetos burocráticos da candidatura). O interesse mantém-se elevado, a concretização é que é mais morosa".

As expectativas confirmam as de Rita Neto. "Este ano, tem havido um maior número de contactos para comprar imóveis em Lisboa. Diria que é uma subida nos pedidos de informação na ordem dos 200%, o que me leva a acreditar que poderão concluir o processo até ao final do ano".

Muitos desses contactos pretendem finalizar o pedido de residência até ao final do ano, quando ainda podem comprar um imóvel em qualquer parte do país, nomeadamente em Lisboa a cidade portuguesa preferida de longe. A partir do próximo ano, apenas são aceites as aquisições de imóveis nas ilhas e nas cidades do interior.

Os cerca de seis mil milhões de euros investidos para obter uma autorização de residência foram quase exclusivamente para a compra de imóveis (90,4%). Lisboa lidera claramente as preferências. Entre janeiro de 2020 e maio de 2021, a capital portuguesa atraiu 1012 desses investidores, nove vezes mais que o Porto (112). Cascais é a terceira cidade, totalizando 104 estrangeiros.

"Com a notícia que se prolongavam as condições atuais até janeiro de 2022, sentimos um avançar mais rápido daqueles processos que estavam a demorar e a possibilidade de captar investidores que, pela questão do tempo, julgavam que já não valeria a pena tentar. Nesta fase, são mais fáceis de concretizar aqueles em que os clientes já conhecem ou já estiveram em Portugal no passado. Existe ainda um potencial enorme de atração de interesse e investimento no país, mas as pessoas não avançarão sem visitar e conhecer. Sentimos que a procura continua muito ativa e acredito que este programa pode contribuir para ajudar a diminuir a quebra que temos sentido nos cofres do Estado com esta situação pandémica", refere Patrícia Barão.

O advogado Miguel Reis não está tão otimista e confessa ser o próprio a desmobilizar tais investimentos para os clientes que querem imigrar. "O SEF deixou praticamente de funcionar com a pandemia, acabando por conceder os mesmos direitos de uma autorização de residência a quem tenha feito uma manifestação de interesse. E, por outro lado, os consulados portugueses têm estado muito limitados, é muito difícil obter a documentação necessária. Quem conseguir um contrato de trabalho e provar ter meios de subsistência, não precisa de gastar 500 mil euros, basta ter dois mil euros por mês", argumenta.

Acrescenta que a pandemia, direta ou indiretamente, também tem efeitos negativos no processo. Alguns dos escritórios que a empresa tem no estrangeiro estão fechados, nomeadamente no Brasil.

Os cidadãos da China continuam a ser os principais utilizadores da medida, mas tem vindo a notar-se uma quebra do seu domínio, sobretudo no último ano. Ainda constituem a nacionalidade maioritária a quem foi concedido um visto gold (50,4 %), mantendo-se o Brasil em segundo lugar, embora com uma dimensão muito menor. Mas começam a surgir outras nacionalidades além do top cinco e não apenas a Jordânia e os EUA.

Patrícia Barão tem sentido essa alteração na imobiliária: "Inicialmente tínhamos em grande força os cidadãos asiáticos, hoje temos muitos brasileiros, sul-africanos, americanos e investidores provenientes do Médio Oriente". E o advogado Miguel Reis têm tido clientes do Irão, Bielorrússia e Iémen.

Clientes que continuam interessados em comprar casa nas principais cidades do país. O objetivo, agora, é que façam esse investimento em localidades menos populosas, mas, para já, não parece haver apetência.

"Estas coisas não se fazem por decreto e a maioria das pessoas que se candidatam ao visto gold, têm um racional de investimento e tendo em conta a liquidez dos imóveis. A maioria do investimento em imobiliário residencial é feito nas cidades e no litoral. É preciso ter também em conta que os vistos gold atraíram muitos investidores que não têm qualquer relação com o programa. Pessoas que olharam para Portugal como um mercado atrativo e dinâmico, e que naturalmente investem em localizações onde poderão ter um mercado de arrendamento ativo e com expressão, e de compra e venda com dimensão. Nós estamos naturalmente a tentar promover junto de investidores golden visa outros destinos de eleição e julgamos que, pelas suas características únicas, posicionam-se muito bem as regiões da Comporta, os Açores e a Madeira."

Este tipo de autorização de residência não é atribuído apenas ao investidor. Tal como acontece em outras formas de regularização de estrangeiros no país, outras pessoas podem imigrar ao abrigo do reagrupamento familiar. No caso dos vistos gold significa a vinda de quase três pessoas por cada investimento. E não permitem apenas a circulação em Portugal como nos países do espaço Schengen.

Estão incluídos os cônjuges, os filhos menores ou incapazes a cargo do casal; os filhos maiores que sejam solteiros e se encontrem a estudar num estabelecimento de ensino em Portugal; os ascendentes na linha reta e em 1.º grau do residente ou do seu cônjuge.

A autorização de residência atribuída é temporária, podendo tornar-se permanente ao fim de cinco anos de renovação consecutiva no país. Findo este período, o imigrante pode, também, pedir a nacionalidade portuguesa, por naturalização (lei n.º37/81, de 3 outubro).

Em que consiste o regime de Autorização de Residência para Investimento (ARI)?

É uma medida que está em vigor na lei da imigração desde 8 de outubro de 2012. Permite regularizar os investidores estrangeiros de países terceiros à União Europeia, daí o nome de vistos gold.

Que tipo de regularização?

Recebe uma autorização de residência temporária, renovável anualmente. Ao fim de cinco anos consecutivos de renovação, tem direito à residência permanente.

Que tipo de investimento?

Há várias formas de investimento: a transferência de pelo menos 1 milhão de euros (vai passar a ser 1,5 milhões); a criação de 10 postos de trabalho em Portugal; a aquisição de bens imóveis de valor igual ou superior a 500 mil euros ou 350 mil se tiverem mais de 30 anos.

É obrigatório residir permanentemente em Portugal?

Não, mas deve permanecer, no mínimo, sete dias no primeiro ano do investimento e não inferior a 14 dias nos anos subsequentes.

Quem pode beneficiar?

O investidor mas também os seus familiares, que podem vir para Portugal ao abrigo do reagrupamento familiar.

Quando foi a última alteração?

A lei nº 23/2007, de 4 de julho, que regula a entrada, permanência e saída de estrangeiros, teve nove alterações. No que diz respeito a vistos gold, a última data de 12 fevereiro deste ano (decreto-lei nº 14/2021), mas só entrará em vigor a 1 de janeiro de 2022.

O que é que vai mudar?

São alterados os montantes mínimos, no caso da transferência de capital, passa para 1,5 milhões de euros, mas a principal mudança diz respeito à localização dos imóveis elegíveis para pedir o visto. A condição será comprar casa em zonas menos povoadas e não apenas na capital.

Quais são as localidades?

As propriedades têm de se situar nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira ou nos territórios do interior. Os locais elegíveis estão identificados numa adenda à portaria n.º 208/2017, de 13 de julho).

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