"Ninguém pode concorrer com António Costa. Ele só precisa é de emagrecer 20 quilos"
Vasco Pulido Valente nunca acreditou que António Costa levasse a legislatura até ao fim e dá a mão à palmatória: "É uma das coisas na minha vida que lamento não ter percebido a tempo. Ele compreendeu antes de mim."

Vasco Pulido Valente.
© Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
Vasco Pulido Valente só lamenta não ter sido capaz de prever que António Costa inventaria a geringonça e cumpriria o mandato, mas o ideólogo e historiador de direita considera que lhe falta o conhecimento profundo da esquerda em que o primeiro-ministro foi formado desde criança.
Uma entrevista em que Vasco Pulido Valente considera que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa se "diverte como um cão", que Rui Rio é "desequilibrado", que Pedro Santana Lopes não terá mais do que "0,75% dos votos" nas duas próximas eleições, que António Costa devia "emagrecer 20 quilos". Sobre a corte que rodeia o primeiro-ministro não valoriza nenhum dos membros a não ser Pedro Nuno Santos, o sucessor que poderá fraturar ou dividir o PS daqui a cinco/seis anos. Quanto à greve dos enfermeiros, considera que estes profissionais são "mais meritórios do que qualquer político que está sentado no Parlamento".
Perante tantos protestos de rua, a remodelação-surpresa de António Costa já perdeu o fôlego?
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
Nem me lembro dela.
Aquela em que entraram quatro novos ministros. Não teve importância?
Nenhuma, pelo menos nenhuma importância política.
No entanto, foi das poucas remodelações que surpreenderam toda a gente.
Toda a gente quer surpreender com as remodelações! O Dr. Cavaco fazia o possível por isso quando era primeiro-ministro, o Dr. Salazar fazia o mesmo, e agora faz o António Costa. Não é nada de novo.
Reparo que tratou os dois primeiros por doutor, mas Costa não teve direito...
Até posso usar - Dr. António Costa -, no entanto ele não é doutor mas licenciado.
A surpresa na remodelação foi não ter promovido a ministro Pedro Nuno Santos. Haverá alguma razão?
Com certeza, Pedro Nuno Santos é uma força no partido, portanto, se António Costa quer controlar o partido não o eleva no governo.
Aliás, já avisara antes no congresso que "não tinha metido os papéis para a reforma". Costa tem receio da concorrência interna?
Não há concorrência à sua posição, o perigo é no que ele quer que seja o futuro. Nesta linha de argumentação, não deseja grandes divisões no partido.
Está a dizer que Costa não tem o partido na mão?
Não se trata disso, antes de um facto muito mais grave: o mundo muda e, quando isso acontece, os partidos alteram-se.
Pode explicar?
Ele não tem medo da concorrência, mas receio de que o partido se frature ou mude de carácter. Ninguém vai concorrer com Costa. Quem é que o faria no PS, que é o último partido socialista no governo na Europa, que é o homem que fez a aliança do PS com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista? Não existe ninguém no PS nem no país que possa concorrer com António Costa. Ninguém pode concorrer com António Costa. O que ele precisa é de emagrecer 20 quilos. António Costa não tem medo, está apenas preocupado com duas coisas: que o partido se radicalize ou que se divida. E não quer uma coisa nem outra. A hipótese de o partido se dividir é hoje mais ténue, porque Francisco Assis e a ala moderada estão postos de parte e perderam toda a relevância conjuntural e histórica; agora, Pedro Nuno Santos é que é uma possibilidade clara de radicalização do partido.
O que quer dizer com "radicalização"? Que o PS se posicione mais à esquerda?
Sim, basta ler os extratos do discurso que ele [Pedro Nuno Santos] fez à Juventude Socialista há poucos dias, que é um discurso de muitas maneiras pertinente e com uma certa visão do futuro.
Não será porque é ele quem tem estado a fazer a ponte nas negociações com o Bloco e o PCP? Mais à esquerda do que isso é impossível.
Não se trata de negociar mais à esquerda, ele é mais à esquerda e está dentro do PS; já tem a Juventude Socialista com ele, tal como vários setores do PS. É um radical, relativamente, e António Costa não quer que Pedro Nuno Santos tome no partido uma posição muito importante e influencie a política do governo. É simples, não se trata de Costa ter em risco o lugar, mas de haver uma ameaça de radicalização no PS, como se prova há muito tempo na atitude de Pedro Nuno Santos. É só observar para a importância que tem vindo a ganhar no PS.
A que se deve essa importância?
Por ter uma visão do futuro não inteiramente exata, mesmo que com um grande grau de correção, e propor políticas que têm futuro - ou seja, responde mais à sociedade que temos do que qualquer outro político em Portugal.
Mais do que António Costa?
Não, isso não, mas devo dizer que quase tanto como o António Costa.
Quando aponta Pedro Nuno Santos como um desses radicais está a prever uma fratura no PS?
Os atores da história não sabem o que vai acontecer, mas acho que o António Costa tem o conhecimento suficiente do que é a esquerda para tentar manter esse radicalismo dentro do partido nos limites. Se o não conseguir, então Portugal terá um grande problema num futuro próximo, que é o fim do PS. Contudo, acho que o vai conseguir.

Vasco Pulido Valente.
© Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
Podemos equacionar essa fratura no PS para quando?
A cinco ou seis anos talvez, hoje não. Enquanto António Costa for o chefe do governo, acho que não haverá fraturas no PS. Mas quando chegar a hora de deixar de ser chefe de governo, será um tempo em que o PS já terá de falar para outras pessoas, e então isso poderá acontecer. Como os seus vices têm muito pouca qualidade será complicado: Augusto Santos Silva é inócuo, Ana Catarina Mendes nem se fala, Fernando Medina é uma tristeza de chorar. Estes não serão capazes de resistir a um impulso forte do radicalismo porque não têm estatura ou conhecimento. É da história e não é por acaso que toda esta gente é menor, Costa não quer outra gente. Estes são os seus protegidos. Foi fazendo a sua cama e gosta de se deitar nela, não tem ninguém com experiência, é a menoridade completa no partido. O único diferente é Pedro Nuno Santos, por isso o deixou como secretário de Estado e o pôs na ordem no último congresso.
Parece-me que tem um certo fascínio por Pedro Nuno Santos.
Não tenho fascínio nenhum, mas quando leio os relatos do discurso que fez à Juventude Socialista percebo que ele entende o mundo em que vive.
Que outros políticos está a criticar, os de direita ou os de esquerda?
São todos irrelevantes, exceto o PC [Partido Comunista] e o PS radical. Mas, atenção, António Costa não quer eliminar a ala esquerda, prefere que represente o PS e que fique contida dentro dos limites da política que ele quer para o país.
Conseguirá a ala esquerda do PS infletir a política do governo para acabar, entre outras situações, com o cenário de greves gigantesco em curso?
Não antes das eleições, por mecanismos internos, nem por apoiarem uma ou outra posição do Bloco ou do PC.
O governo esperava por tanta contestação na rua?
Não acho que seja uma contestação assim tão grande, é a formalidade inevitável por estarmos no último Orçamento deste governo e serem as oportunidades finais. Existe também um certo cansaço e irritação pelo facto de o governo não ter satisfeito algumas das reivindicações, que, aliás, tratou com bastante inabilidade, como é a greve dos enfermeiros. Eles têm um curso superior, muitos com especialidades que não estão inteiramente reconhecidas, e é preciso perceber que estamos frente a uma nova realidade, pois não são as mesmas pessoas de há 30 anos. São profissionais muito especializados, de maneira que o governo poderia ter percebido isso e negociado o reconhecimento das carreiras, que compete à Ordem dos Enfermeiros, e a sua reorganização.
Há verba para isso?
Mesmo que depois pusesse tudo no frigorífico e não oferecesse as remunerações imediatamente. Não é preciso dinheiro para reconhecer as carreiras! A parte de estatuto social e de carreira é importante e a falta de inteligência do governo foi clara. Há dois anos estive no hospital dois meses e vi como era - talvez seja preciso viver 77 anos para se perceber a diferença abissal entre os profissionais de há 50 anos e os de agora. Não são as mesmas pessoas.
Situação que os partidos não estão a perceber?
Sim, ainda não meteram na cabeça que muito do povo que vai fazer selfies com o Marcelo tem um curso superior e gosta de ter, por graça, uma fotografia com ele lá em casa. Mas detestam ser maltratados e precisam de um estatuto e de um prestígio social muito mais do que dinheiro, porque os médicos e os advogados proletarizaram-se. Contudo, apesar de a maioria dos políticos fazerem parte deste grupo, não percebem o que se está a passar.
Todos os políticos?
OAliança de Pedro Santana Lopes está a falar para um Portugal que não existe, Rui Rio o mesmo, o Partido Comunista para um Portugal moribundo. Enquanto isso, uma parte do Bloco e uma do PS estão a falar para o futuro, porque são parte dessas pessoas. Custa-me muito dizer isto porque sou de direita.
Acha que houve contágio com a luta dos coletes amarelos?
Nem vale a pena fazer comparações com o que se passa em França.
Surpreendeu-o que o Bloco e o PCP fossem de, alguma maneira, críticos em relação à greve dos enfermeiros?
Não, porque são ambos corresponsáveis pela situação que os enfermeiros estão a viver, bem como a dos juízes e a dos oficiais de justiça, a dos guardas prisionais e de outras classes profissionais. São tão responsáveis como o governo, porque o apoiaram, votaram o Orçamento. A questão é que estes protestos são feitos à revelia deles.
E das centrais sindicais.
Sim, essas estão todas comprometidas com o governo porque, apesar dos protestos, o quarto Orçamento foi votado. Acabou.
Quem ganhou mais com a gerigonça, o Bloco ou o PCP?
O Bloco, claro, pois saiu da sombra e não perdeu a sua identidade enquanto representante da baixa classe média urbana de quem é o porta-voz. Uma classe que sempre teve representantes na nossa história, desde o Partido Reformista e o Progressista na monarquia constitucional, depois no republicanismo, e agora é o Bloco de Esquerda. O Partido Comunista tem pouco que ver com esta realidade, não só na sua base de apoio social como nos métodos e objetivos. De resto, desde o fim dos tempos que tem havido radicalismo - o vintismo, o setembrismo - e sempre houve essa classe que, tendo pouco contacto com o país, pode desequilibrá-lo. Portugal foi macrocéfalo, agora é bicéfalo, e Lisboa e Porto têm muito pouco que ver com o resto do país.
O PCP não sai prejudicado desta coligação?
Não, ninguém sai prejudicado desta coligação. O PCP, desde que deixou de ser de facto revolucionário - suponho que a partir do colapso da URSS -, é mais um partido de reivindicação dos trabalhadores e que não pode negociar com o PS mais ou menos do que 5%.
O PSD e o CDS também criticaram os protestos. Porquê esta unanimidade à esquerda e à direita?
Não é extraordinário que o PSD e o CDS critiquem greves agressivas como é a dos enfermeiros, mesmo que estes sejam mais meritórios do que qualquer político que está sentado no Parlamento.
A nova ministra da Saúde tem capacidade para resolver a situação?
Pelo pouco que ela tem feito, nem conheço a senhora.
Mas na ministra da Cultura já reparou.
Já, a propósito de umas supostas gafes, mas só lhe reconheço uma: a primeira. A das touradas, porque é infantil uma governante estar a definir quais são os graus de civilização que caracterizam o que é o progresso para a humanidade. Nem está lá para isso, até porque nem está a falar de touradas pois nunca viu uma a sério, só estas à portuguesa, que não o são. É um espetáculo com uma certa tradição e que diverte os turistas. Não devia falar de coisas que não sabe.
E qual foi a outra não gafe? A de não ler os jornais quando está fora de Portugal?
Com certeza, os jornais portugueses são muito mal feitos e aquilo foi um desabafo. O que quis dizer foi "não abro os jornais que falam mal de mim", e isso é perfeitamente humano. Ela considera que como o jornalismo é hoje não merece atenção.
O jornalismo já foi melhor do que o que é feito hoje?
Com certeza, muito melhor. Se sublinhasse todas as frases que leio nos jornais todos os dias e não fazem sentido...
O último ano da legislatura vai continuar a ser de protestos?
As pessoas protestaram a seguir ao Orçamento porque ficaram excluídas, mas é preciso ver a situação: temos uma enorme dívida externa e 9% do Orçamento do Estado é para pagar o serviço da dívida. Estamos presos à necessidade de não aumentar a dívida para lá de certos limites e o governo não tem liberdade para distribuir muito dinheiro. Está preso entre a dívida e o défice, que foi desde sempre o grande problema dos governos portugueses.
Não é o único país na Europa assim...
Sim, mas veja-se o caso da França. Sempre achei que Macron ia falhar porque tinha um plano político suportado como sempre no imperialismo francês para, através da União Europeia, governar a Europa, ambições que eram as do general De Gaulle. Macron, apesar de ter sido eleito como um bonapartista, destruindo o sistema político à esquerda e à direita ao ligar o eleitor ao poder político, tem na França um país ingovernável pois a despesa do Estado é 56% do PIB e os impostos 49%. Nós estamos longe disso. A França pode fazer o que quiser, desde que o faça com o franco [anterior ao euro], tal como os italianos com a lira ou nós com o escudo, mesmo que ao fim de um ano estivéssemos como a Venezuela: sem moeda. É um privilégio que o euro seja o mesmo em Faro e em Berlim, e há gente que se queixa! A Alemanha pede é que não fiquemos a dever a ninguém.
Vamos ao futuro. Quando começar a campanha para as legislativas, António Costa vai libertar-se dos mortos dos incêndios, Catarina Martins do apoio que deu a Robles e Rui Rio do esvaziamento que está a fazer ao PSD?
Rui Rio é um caso à parte e não posso misturar a Catarina com a questão dos fogos.
Vamos então por partes...
O Robles é bem simbólico do que é aquele partido e do que pode ser o radicalismo da baixa classe média que é hoje o Bloco, na sequência de partidos do género sempre presentes desde o século XIX. São a mesma coisa, só que sob várias metamorfoses políticas. O problema é sempre o mesmo: o radicalismo é igualitário, mas tem uma grande pulsão de ascensão social. Hoje isso é mais complicado, e o Robles é o grande exemplo disso, porque é um senhor que foi para o Bloco defender a igualdade mas queria subir na vida e apareceu-lhe a oportunidade nos negócios. Não há nada de estranho, os líderes do radicalismo urbano acabaram sempre a ascender na vida e a tentar enriquecer.
Ninguém será penalizado nas eleições?
Não, as legislativas são no fim do ano e toda a gente vai esquecer. Portugal não tem memória. É como a questão dos fogos, que também não prejudicará António Costa.
E o PSD vai estar em condições de disputar as legislativas?
Rui Rio não deu a ninguém que não tivesse votado no PSD razões para ir votar no partido e aos que votaram deu muitas razões para não votarem. Além disso, pessoalmente, é desequilibrado, autoritário e provinciano. Um cacique de província perdido num mundo que ignora... O que é que se há de fazer, é preciso dizer a verdade.
Então porque foi eleito?
Porque houve uma aliança entre Rui Rio e os supostos sociais-democratas do PSD, como Manuela Ferreira Leite e aquela faixa de economistas e profissões liberais que é moderada mas não é PS e quer uma social-democracia muito amaciada. Nem percebe o tempo em que vive e o que foi a massificação da sociedade, de maneira que ainda vive por volta dos anos 1960. Houve uma aliança em tempos entre essa gente, que está a diminuir e vai morrer, e ninguém substituirá essa realidade deste modo porque tudo é anacrónico com este cacique de província. É uma gente que vinha querendo tomar o partido desde Sá Carneiro, gente - Marcelo, Rui Vilar ou Rui Machete - que o Mário Soares meteu no bolso sem dificuldade nenhuma.
Quando foi a disputa pela liderança do PSD, o Presidente da República não parecia mais a favor de Pedro Santana Lopes?
Ser a favor do Pedro Santana Lopes é pior ainda do que ser a favor do Rui Rio. Quanto às posições políticas do Presidente, não as levo muito a sério. Não levo Marcelo Rebelo de Sousa muito a sério, não consigo.
Então, está fora da alta taxa de aprovação deste mandato presidencial?
Nem me incluo nem me excluo, acho que ele está a divertir-se imenso e não o quero perturbar. O facto é que os insatisfeitos do país vão ter com ele, mas a única coisa que ele pode fazer é apelar a António Costa, que é o poder político real. O único bom serviço que Marcelo tem prestado aos portugueses é anular as poucas possibilidades de haver um movimento nacionalista em Portugal. Agora, andar abraçado a todas as pessoas... Presta um serviço real, porque une os portugueses ainda mais e torna visível essa união. Ele não é rejeitado em nenhum sítio do país, não se arranja um único político assim na Europa ou no mundo. O Marcelo é um fenómeno português até à última célula que tem no corpo.
Sem ele poderiam ter surgido movimentos nacionalistas?
Não, em Portugal o nacionalismo não é possível. Temos as mesmas fronteiras há quase mil anos, falamos a mesma língua, temos a mesma religião e a mesma história. Nunca houve perturbações, nem mesmo nos 60 anos da união das coroas de Portugal e de Espanha. Somos o Estado-Nação mais antigo do mundo. Quem quer concorrer com a Igreja Católica em Portugal? Mesmo os ateus são ateus, graças a Deus.
Quer dizer que não desaprova este Presidente?
Interesso-me muito pelo fenómeno Marcelo porque, repito, acho que está a divertir-se como um cão e era o que queria fazer na vida. O facto de toda a gente gostar dele descansa-me pois ninguém pode ir contra ele: o líder populista cá em Portugal é o Marcelo, que tem uma cabeça tão extraordinária que fez uma condenação dos movimentos populistas na Assembleia da República, que é a condição dele próprio. Não resiste a essas coisas, tanto que António Costa estava divertidíssimo - bem o vi a rir-se com aquele ar luzidio que tem. Já o Costa não é afetivo, porque a esquerda nunca precisou de andar a dar beijinhos às pessoas porque está a favor do povo.

Vasco Pulido Valente.
© Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
O que prevê para o novo partido de Santana Lopes?
0,75% dos votos em todas as próximas eleições. O Pedro Santana Lopes está desacreditado no partido e no país, e de todas as maneiras possíveis. Como é que um ex-primeiro-ministro e ex-presidente do PSD não consegue ganhar a Rui Rio? Isso era uma improbabilidade.
Nem será, portanto, uma alternativa ao PSD de Rio?
Não, porque aquilo que sonham as forças opostas a Rui Rio, reconstituir o PSD como era há 20 anos, é impossível. O eleitorado que fazia a força do PSD no tempo de Sá Carneiro e de Cavaco está a desaparecer fisicamente e hoje as pessoas são diferentes. O PSD histórico não é reconstituível e os 700 mil votos que a direita perdeu em 2015 nunca mais os irá recuperar. A sociedade portuguesa de 2019 não é a mesma de 1979.
Em França, o PS quase acabou nas últimas eleições. Pode acontecer o mesmo ao PSD?
Muito provavelmente, já tem só 24% do voto, se baixar um pouco mais desaparece.
O CDS de Cristas conseguirá captar esse voto?
Não, é uma ilusão que os votos do PSD possam ir para o CDS, e foi criada com a parceria no último governo antes de Costa. O eleitorado dessa coligação era muito diferente do que é o atual de PSD e CDS separados. Talvez se tivessem uma oposição decente diferente a este governo PS...
Com Paulo Portas a realidade seria diferente?
Paulo Portas é muito inteligente e culto, mas como é meu amigo não me pronuncio mais sobre isso.
Dir-se-ia que tudo se encaminha para uma maioria absoluta do PS?
Não sei, nem o António Costa estará muito interessado em tal. Porque se tiver mais votos do que a direita e a esquerda, o que já tem segundo as últimas sondagens, o que fariam o Bloco, o PCP e a direita? O governo instalava-se até ao dia em que a direita e a esquerda se combinassem para o derrubar, mas esse é um dia que está muito longe. O PS de Costa não precisa de uma maioria absoluta, pois a situação atual garante-lhe mais quatro anos. E tem precedentes, foi assim que Soares governou e só saiu porque o Presidente Eanes tinha constitucionalmente o poder de o demitir ao retirar-lhe a confiança política, coisa que o Marcelo não pode fazer hoje, e ainda bem.
António Costa porá de lado a geringonça?
Com certeza, pois não precisa mais dela. Como disse, a única coisa que pode limitar o poder quase absoluto com que Costa ficará é uma aliança entre o CDS, o PSD, o Bloco e o PC. Mas o Bloco nunca o poderá fazer, talvez o PC seja o único com essa possibilidade.
O Bloco e o PCP influenciaram mesmo o governo ou Costa governou à vontade?
Os dois influenciaram. António Costa é uma pessoa culta, que conhece muito bem a esquerda portuguesa e foi educado a perceber quais eram as cambiantes do socialismo, de maneira que é capaz de receber algumas das aspirações do PC e do Bloco e integrá-las na sua política. Foi por isso que fez [a geringonça], não por ser particularmente habilidoso. Ou talvez sim, porque a habilidade vem com o conhecimento, e ele conhecia muito bem a esquerda portuguesa desde pequeno, todas as suas nuances ideológicas e de opinião, por isso conseguiu fazer a geringonça. Costa percebeu antes de toda a gente que podia entrar numa coligação sem fazer mossa, o Bloco também, e que não precisava do PSD e do CDS para nada, e tem conseguido equilibrar este barco.
Acreditou que Costa levasse a legislatura até ao fim?
Não, porque não conheço a esquerda tão bem como ele. De resto, é uma das coisas na minha vida que lamento não ter percebido a tempo. Ele compreendeu antes de mim. Ele e a geringonça tiveram um papel importante porque conseguiram administrar os problemas após a crise com equilíbrio e estabilidade - por pior que o façam, isso ninguém lhe tira, pois só em 2018 chegámos ao PIB de 2008. Foi um caminho difícil. E quando me vêm com histórias sobre incidentes políticos, tenho alguma dificuldade em responder ou interessar-me por isso.
Até porque são fait divers que António Costa aproveita em seu benefício...
Quando são a favor dele, mas não o pode fazer com Tancos ou com os incêndios em 2017. Mesmo que não seja só culpa de António Costa, é daquela irresponsabilidade portuguesa do deixa andar, e vamos ver se não acontece nada governo atrás de governo. De repente, morrem cem pessoas...

Vasco Pulido Valente.
© Reinaldo Rodrigues/Global Imagens