Por aclamação
Pronto! Já está! Cabo Verde eleito presidente da CPLP! Por aclamação! Foi um momento agradavelmente solene ouvir o presidente brasileiro propor que o presidente cabo-verdiano fosse aclamado presidente da CPLP para os próximos dois anos.
Uma geral salva de palmas ecoou pela enorme sala de conferências do hotel Hilton na ilha do Sal, com todos os presentes de pé coroando desse modo a proposta, e um sorridente presidente cabo-verdiano dirigiu-se à tribuna para agradecer a confiança e reafirmar o slogan para os próximos dois anos: cultura, pessoas, oceanos! Foi emocionante, com toda a nação a acompanhar das suas casas porque o acontecimento foi transmitido em direto pela televisão e é sabido como nós adoramos e nos pomos nos bicos dos pés salivando sem pudor quando ouvimos ou vemos Cabo Verde posto lá no alto.
É bem verdade que estávamos precisados de um ato assim público e nobre que nos levantasse a cara, nos fizesse de novo sorrir de orelha a orelha nesse orgulho desmedido e não poucas vezes desencantado de sermos quem somos. Isso porque, após o normal período de estado de graça, o MpD começou a ser criticado, sobretudo quando se viu que repetia todos os pecados que tinha apontado ao PAICV, sendo o mais grave de todos o chamado job for the boys em que se mostrou desmedido. A acreditar nos deputados da oposição, a coisa (isto é, o país) está feia. O PAICV, então, usa palavras de luto pesado para nos caracterizar: a nação "está consternada, deprimida, desesperançada, beliscada e ferida no seu orgulho", diz. A UCID, mais comedida na adjetivação, ainda assim concorda que a nação cabo-verdiana "não está bem e precisa de cuidados".
E exemplifica: existe um caos a nível dos transportes aéreos, há cobrança de impostos e realização de obras que não estão no Orçamento do Estado, isso tudo sem falar da questão da insegurança que a Polícia não consegue resolver. Mas certamente por ter achado suave ou mesmo fraca a prestação da UCID nesse pormenor, o PAICV retoma o lamento e vai mais longe, carregando nas tintas: Cabo Verde "piorou claramente em termos de liberdade, em relação ao nível de vida das pessoas, em termos da saúde, do atendimento às pessoas e do acesso à saúde, às retiradas de doentes, regrediu em termos de segurança e de democracia". E exemplifica: há pessoas a passar por "grandes dificuldades, abandonadas à sua sorte" neste mau ano agrícola. Há uma falta de respostas do governo, há violação dos direitos sindicais, há perseguição e represálias às pessoas.
Assim acuado, o MpD põe-se na defensiva, porém sem muita convicção: nem tudo está bem, diz um seu deputado, mas nem tudo está mal, "temos uma nação que não está pintada de negro como a oposição quer fazer passar", "gostaríamos que a nação estivesse muito melhor, mas dentro das nossas possibilidades e das possibilidades do governo e, de acordo com aquilo que vimos nas pessoas, consideramos que a nação vai bem".
Ouve-se tudo isso com um sentimento de angustiante tristeza. Onde se perdeu a arrogante e iluminada segurança dos que vinham pôr-nos no caminho do progresso até hoje sempre adiado? Afinal o caminho não é plano, acaba por reconhecer o primeiro-ministro: apesar de todos os ganhos, apesar de todas as referências positivas dos relatórios das agências internacionais, Cabo Verde mantém um perfil de extrema vulnerabilidade, diz. Porém, o vice-primeiro-ministro é obstinado: não queremos um Estado empreendedor, omnipotente e omnipresente.
Queremos um Estado parceiro, regulador, fiscalizador e criador de oportunidades.
E, no entanto, a questão cuja discussão tem vindo a ser adiada é decidir se neste país de extrema e permanente vulnerabilidade, o Estado não está obrigado pela pressão das circunstâncias a ter de ser empreendedor, omnipotente e omnipresente.