"O edifício é parecido, mas é circular, entro de um lado e saio do outro, e já não consigo perceber muito bem onde é que estou." Em Bruxelas, onde chegou no dia 11 de junho, a madeirense Sara Cerdas estava a reconhecer os cantos à casa. "Lá ainda não tenho gabinete, só na segunda-feira. Tenho ficado nos [gabinetes] provisórios ou nos cafés mas fica tudo no mesmo sítio", diz a deputada independente eleita pelo Partido Socialista. Mas em Estrasburgo, chegada horas antes, o sentimento é de que está num labirinto. Estamos na sede do Parlamento Europeu (PE), no edifício Louise Weiss. Sara Cerdas leva-nos até ao seu gabinete, no sétimo piso, mas na realidade é o assistente quem a guia.."O edifício e os procedimentos não são amigos para quem vem de novo. Isto está feito para quem já cá está", comenta, a propósito, Maria da Graça Carvalho. A deputada do PSD regressa ao Parlamento Europeu, onde esteve na legislatura de 2004 a 2009. "Senti isso quando cheguei e sinto isso em quem chega e que precisa de ajuda para tudo, quase dá a ideia de que é complexo de propósito. Os deputados novos precisam de um assistente que já cá tenha estado ou de ajuda dos colegas que conhecem os cantos à casa e os procedimentos. É essencial", conclui..A nona legislatura do PE é constituída por 61% de novos eurodeputados, a maior percentagem de sempre. Apesar de a paridade de género ainda ser uma miragem, a percentagem de mulheres subiu também de 37%, em 2014, para 40%, em 2019. Nessa contabilidade entra a deputada mais nova de sempre, Kira Marie Peter-Hansen, uma dinamarquesa de 21 anos eleita para o grupo dos Verdes. O contraste não podia ser maior com o mais velho, Silvio Berlusconi, de 82 anos, de Itália, pelo Partido Popular Europeu. Ainda assim, o ex-primeiro-ministro italiano não é o mais velho de sempre. Na legislatura anterior, Jean-Marie Le Pen exerceu o cargo com 88 anos..Aproximar Bruxelas da Madeira.Sara Cerdas tem os estudos a meio. Falta um ano para concluir a especialidade em saúde pública, que por sua vez tinha interrompido para fazer um doutoramento em Estocolmo, na mesma área, sobre a forma como as condições de trabalho afetam a saúde mental. "A saúde pública é a área mais política da saúde. Discordo quando me dizem que não tenho experiência política. Já trabalhei com muitas instituições, fazemos programas e promoção de saúde para a população, ou seja, falar em público", afirma.."São oportunidades únicas que surgem", diz sobre o desafio de ingressar na política. "Sou uma pessoa de causas, agora em ação de uma maneira diferente", diz esta eurodeputada que não se cansa de sublinhar que está em Bruxelas e em Estrasburgo em representação dos madeirenses.."O objetivo é aproximar as instituições europeias à Madeira. Percebemos na campanha que as pessoas estão desligadas e dão por adquirido tudo o que a Europa faz. Por isso vamos desenvolver a iniciativa Geração Madeira, que passa por ir aos 11 concelhos da Madeira ao longo do mandato", diz a eurodeputada que ficou com a comissão parlamentar de Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar..Francisco Guerreiro, do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), foi o eleito-sensação entre os 21 eurodeputados portugueses, o que se refletiu na atenção mediática dada pelas equipas de jornalistas portugueses. Mas Guerreiro não se deixou encandear pelos holofotes dos media. "Mal fomos eleitos começámos a fazer reuniões de grupo [com os Verdes] e a delinear estratégias, os passos como coletivo e nós como PAN, e depois tive a felicidade de conseguir ter alguém na nossa equipa que conhece os meandros do Parlamento, o que ajuda a facilitar os contactos com os outros grupos parlamentares, dentro das estruturas físicas do Parlamento. Tem sido relativamente fácil", diz sobre os primeiros dias de trabalho..Das primeiras impressões na Bélgica e em França, este dirigente ambientalista diz-se surpreendido pela negativa pela falta de opções veganas e vegetarianas quer em Bruxelas quer em Estrasburgo e, em sentido oposto, rendido aos transportes públicos. "Andarei a pé, de bicicleta ou de transportes coletivos", assegura..Ainda sobre o trabalho a desempenhar, Francisco Guerreiro reconhece a exigência em cumprir o que foi proposto no programa eleitoral. "Obviamente. E estamos a aprender com muita calma e serenidade. Faz-me recordar quando entrei com o André Silva, em 2015, no Parlamento nacional." Aqui, porém, mais complexidade. "O PAN dentro da bancada dos Verdes é um em 74 e os Verdes são 74 em 751. Mas estamos satisfeitos porque vamos ter membros nas comissões de Agricultura, Orçamento e Pescas, que é uma grande responsabilidade" - e o deputado do PAN está nas três comissões. "As duas primeiras são as mais importantes e é onde achamos que vamos esbarrar nos grupos instituídos e no paradigma vigente, mas isso não nos fará deixar de trabalhar. Às vezes uma não aprovação é uma vitória, mostra claramente quem está de um lado e quem está do outro", comenta..Reconhecimento dos pares."Este é um Parlamento em que a experiência e o reconhecimento pelos pares é muito importante", diz Maria da Graça Carvalho. "O que aconselho a todos os deputados é não dispersar, focar, mostrar o seu conhecimento numa área para conseguir relatórios de impacto e de importância europeia e para o país.".E dá o seu exemplo: "No meu primeiro mandato, com currículo académico e ministra duas vezes na área, estive durante um ano, ano e meio a apostar no reconhecimento dos pares em como eu era competente nas políticas de ciência e inovação para ter a certeza de que quando me candidatasse seria eleita para o relatório do Horizonte 2020.".* O Jornalista viajou a convite do Parlamento Europeu