ANA tem de pagar 48 milhões. O que mais tem de mudar para o Montijo acolher o aeroporto?
Acolher um aeroporto obriga a muitas mudanças na cidade que o recebe. Mudanças que vão além da iniciativa privada, como a construção de restaurantes e hotéis. Acolher um aeroporto exige que se redimensione as estruturas públicas e os serviços que oferecem: é preciso mais polícias e bombeiros, melhor atendimento na saúde, mais e melhores estradas. Porque também se estima que a população, a residente e a não residente, aumente. E o que se tem agora nem sempre é suficiente.
A Agência do Ambiente aprovou esta quarta-feira o novo aeroporto, mas determinou que a ANA-Aeroportos terá de pagar 48 milhões de euros para serem tomadas medidas que minimizem e compensem o impacte ambiental.
No Montijo, município que deverá ver a base aérea n.º 6 transformada numa aeroporto civil de apoio ao Aeroporto Humberto Delgado, a preocupação do presidente da câmara, Nuno Canta, passa, nomeadamente, pelo aumento da capacidade de proteção civil para acorrer a emergências e acidentes que possam decorrer do movimento que o aeroporto trará: mais gente, mais carros nas estradas, mais habitantes até. Uma preocupação também partilhada por Fernando Pinto, autarca do concelho limítrofe de Alcochete. Como outras que também dividem: novos acessos à Vasco da Gama, melhores estradas e mais centros de saúde.
Ao nível da polícia de segurança pública, adianta Nuno Canta, terá de passar do enquadramento atual - uma esquadra com 62 efetivos - para um departamento de polícia. A câmara está disponível para ceder o terreno e fazer as obras, desde que seja depois ressarcida pelo Estado. O local já está identificado e tira a PSP do centro histórico para uma zona de fácil acesso à cidade e ao aeroporto - junto ao Campo da Liberdade e ao Moinho de Vento do Esteval. O terreno já foi visitado por responsáveis do Ministério da Administração Interna e a câmara aguarda uma resposta para poder avançar com a obra.
O presidente da Câmara de Alcochete, município que abrange pouco mais do que a porta de armas da base aérea que será transformada em aeroporto, também já manifestou a necessidade de se aumentar o número de efetivos da GNR, que atualmente não chega aos 30 elementos. Número que já considera insuficiente para responder a mais de 19 mil habitantes e a um território de 128 km quadrados, quanto mais para responder a uma infraestrutura desta dimensão.
Nuno Canta tem desenvolvido contactos com o Ministério da Administração Interna no sentido de reforçar a área da segurança no Montijo. O aeroporto terá a sua esquadra de polícia e quartel de bombeiros próprios, mas mesmo assim o autarca entende que é necessário aumentar a capacidade de resposta dos bombeiros voluntários.
Desde logo com o alargamento do quartel, no sentido de poder acolher mais ambulâncias e viaturas de combate a incêndios. Atualmente, os bombeiros voluntários do Montijo têm 80 efetivos e o presidente da câmara estima que possam precisar de mais 25% de efetivos.
Também os voluntários de Alcochete precisam de ser dotados de mais condições.
A área da saúde é outra que irá mesmo necessitar de melhorias. E aqui as preocupações de Nuno Canta centram-se mais na população residente do que na aeroportuária. Até porque há a expectativa de que o número de habitantes aumente quando o aeroporto estiver em funcionamento (o que está previsto para 2022).
Nesse sentido, já desenvolveu contactos com o Ministério da Saúde, ainda o ministro era Adalberto Campos Fernandes, a quem falou que tinha de se prever os impactos que o aeroporto trará. Quer a construção de mais um centro de saúde e melhorias no hospital local, integrado no Centro Hospitalar Barreiro-Montijo. Atualmente, a unidade oferece serviço de urgência, mas os casos mais graves são prioritariamente encaminhados para o Barreiro.
Em Alcochete a mudança que se pretende é um centro de saúde que passe a ter um serviço aberto permanente para evitar que os utentes tenham de se deslocar ao Centro Hospitalar Barreiro-Montijo, já de si sobrelotado.
O Montijo, tal como Alcochete, está aliás habituado à pressão do crescimento habitacional - desde que há 20 anos foi inaugurada a Ponte Vasco da Gama a população aumentou de 38 mil para 68 mil residentes. Também o preço das casas em Lisboa levou muita gente a ir viver para o outro lado do rio. O Plano Diretor Municipal tem capacidade para aumentar até aos 80 mil habitantes, mas mais do que isso o autarca também não quer.
A instalação de um aeroporto no município do Montijo terá de trazer melhorias nos transportes públicos, nomeadamente das ligações fluviais a Lisboa. "Parte dos viajantes e turistas poderão ligar-se à capital através do barco. E isso será também importante para retomar a importância da carreira fluvial para Lisboa. Há 500 anos que o Montijo, Aldeia Galega do Ribatejo até 1930, tem uma ligação diária a Lisboa", conta o autarca. Seria também uma forma de a Transtejo tornar o serviço mais rentável, adianta. Para isso, contudo, é preciso que a empresa melhore o cais do Seixalinho e aumente a sua capacidade para acolher passageiros.
Transformar a atual base aérea n.º 6 num aeroporto civil implica ligações rápidas ao Aeroporto Humberto Delgado, para facilitar a vida aos passageiros em trânsito que, por exemplo, possam ter aterrado no Montijo e precisem de apanhar outra ligação aérea em Lisboa.
Para isso, Nuno Canta entende que é preciso criar um corredor bus na Ponte Vasco da Gama, que facilite a ligação entre os dois aeroportos - o contrato com a Lusoponte já previa o alargamento de três para quatro faixas em cada sentido quando tal se justificasse.
A Câmara do Montijo sempre exigiu, através do caderno de encargos, novas estradas e acessos para facilitar a circulação do trânsito, que aumentará com o funcionamento do aeroporto. Assim, uma das prioridades passa pela construção de um novo acesso à Ponte Vasco da Gama e pela conclusão da circular externa até ao cais do Seixalinho.
É preciso ainda construir a variante da Atalaia, que está em stand by desde a edificação da Vasco da Gama. A ideia é que o trânsito vindo do sul possa circular sem entrar na cidade e sem causar caos.
Os acessos são uma verdadeira prioridade para os autarcas. Também o autarca Fernando Pinto aponta mudanças que terão mesmo de se operar a este nível para que o trânsito flua: a construção de um novo acesso à Vasco da Gama via Alcochete é uma das principais. O município está de resto localizado numa zona que "permite o desafogamento de tráfego para norte e para sul e é necessário acautelar as acessibilidades". Incluindo um acesso mais direto aos dois parques industriais onde poderão ser instaladas empresas logísticas de apoio ao aeroporto.
O município do Montijo quer vender água ao aeroporto. Atualmente, a base da Força Aérea tem recursos hídricos próprios, mas as infraestruturas civis - explica o autarca - têm de ter água certificada. Uma questão legal que favorece a câmara. Porque o fornecimento de água ao aeroporto, a cafés, restaurantes e hotéis que venham a ser construídos nas imediações terá de ser certificado pelos SMAS do Montijo.
Este processo exige a construção de novas condutas e reservatórios que deverão ficar a cargo do aeroporto. O autarca rejeita que seja um bom negócio, prefere antes chamar-lhe uma ajuda "à sustentabilidade da receita da câmara".
A questão da Câmara de Alcochete com o abastecimento de água é outro: o furo que atualmente abastece a vila do Samouco vai ter de ser selado porque a sua localização atual colide com o alargamento da base aérea. E a exigência é que o novo furo que terá de ser construído sirva na plenitude o Samouco e as localidades circundantes.
Na negociação com a ANA - Aeroportos de Portugal, o Montijo exigiu também que a área das salinas seja requalificada. A ideia é que a zona ecológica passe a dispor de caminhos e passadiços, transformando-se assim num espaço de lazer para percursos pedestres e jogging.