Adolescentes grevistas, jovens católicos, ativistas locais. As muitas lutas que se juntaram a Greta Thunberg
Maria Garcia e Pedro Franco estão sentados no chão. Ele segura um cartaz muito artesanal, um pedaço de papelão onde se lê "o choro da terra é o choro dos pobres". As aspas já vêm de origem, a frase é uma citação que os tem acompanhado "em todas as greves e manifestações" - é da "Laudato sí. Sobre o cuidado da casa comum", a encíclica "verde" do Papa Francisco. São jovens católicos, escolheram a frase por "ligar a justiça social à justiça climática". "Há um discurso que se ouve muito que separa. Há pessoas que não se identificam [com o ativismo ambiental] por acharem que é um ativismo à parte, quando não é", diz o jovem estudante, de 24 anos. Lembrando os fenómenos climatéricos extremos que neste ano assolaram Moçambique - não por acaso, ambos são voluntários numa organização não governamental que trabalha com os países da lusofonia -, argumenta que "não podemos estar sempre a tapar buracos e a sarar feridas, temos de ir às causas". "Tem que ver com o olhar que vê tudo ao mesmo tempo", remata Maria, de 21 anos.
Ao mesmo tempo e "pontinho" a "pontinho". No meio do cais são várias as tarjas espalhadas no chão, as maiores com palavras de ordem bastante reconhecíveis e imediatamente conectáveis a Greta Thunberg. Não admira: foram ali postas pela Greve Climática Portugal, a versão nacional do movimento que tem na origem a jovem ativista sueca, agora com 16 anos, que um dia começou a fazer greve às aulas para se instalar em frente ao Parlamento da Suécia com um singelo cartaz de protesto contra a inação dos decisores políticos face ao problema das alterações climáticas. Também lá está, logo ao lado, o sinal de proibido desenhado sobre o perfil de um avião. Mais abaixo, duas tarjas mais enigmáticas: "Braamcamp sem prédios", "Braamcamp é de todos".
Ao lado, Augusto Sousa também não se enquadra de imediato no perfil que mais facilmente se associa à ativista sueca, que tem mobilizado jovens globalmente. Com 68 anos, Augusto Sousa também quer salvar o mundo. Mas começando no Barreiro. É lá que fica a Quinta Braamcamp, 21 hectares de verde que, contesta, ameaçam dar lugar a um projeto imobiliário. Contra esse cenário levantou-se a plataforma cidadã "Braancamp é de todos", que na manhã de terça-feira levou também a sua voz à Doca de Santo Amaro, onde Greta Thunberg haveria de chegar horas depois. As tarjas começaram por estar lá ao lado, um pouco distantes, e foram os ativistas da Greve Climática a chamá-los ali para o lado. "Fazemos parte do mesmo processo", diz Augusto Sousa. "É preciso ligar todos os pontinhos. É preciso ser global e é preciso ser local."
São 11.30, a chegada de Greta Thunberg estava prevista para bem cedo, por volta das oito da manhã, mas o catamarã que trouxe a jovem ativista de Nova Iorque ainda não está ao alcance da vista. Na Doca de Santo Amaro já vão umas horas de espera, mas mais pessoas vão chegando, num dos lados já se canta e já se dança. E por ali estão Maria, Bianca e Madalena, que, nos seus 12 e 13 anos, ensaiam a primeira "greve" às aulas para ver Greta Thunberg chegar a Lisboa. "Ela é uma inspiração", diz uma das jovens: "Apesar de todo o ódio que recebe continua a insistir." É um exemplo que querem seguir: "A Greta está a fazer alguma coisa. E nós queremos tentar fazer alguma coisa." E os pais sabem da escapadela às aulas? "Sim, e apoiam. A minha mãe só não veio comigo para não faltar ao trabalho."
Do outro lado, um outro grupo de jovens, um pouco mais velho, veio de uma escola profissional de Alcântara em visita de estudo. Contam que alguns colegas que participaram na greve estudantil pelo clima sugeriram ir receber Greta à Doca de Santo Amaro e a proposta foi aceite - e ali estão 24 alunos, não necessariamente muito mobilizados, mas pelo menos curiosos. "Não acompanhei até agora [o percurso de Greta], mas fiquei interessado e vim cá ver", diz Afonso, de 15 anos.
Eram 12.44 quando o catamarã La Vagabonde entrou na Doca de Santo Amaro, no derradeiro momento de uma viagem que começou em Nova Iorque a 13 de novembro. Riley Whitelum, o dono da embarcação, falaria minutos depois numa "viagem difícil" e "turbulenta". Já Greta Thunberg disse "estar muito agradecida por ter tido esta experiência" e "descontraída" depois de uma viagem em que se está "isolado durante três semanas, num espaço tão limitado e com coisas tão limitadas para fazer". É "maravilhoso" chegar a terra, mas a cabeça "ainda não está habituada", diria ainda, revelando que enjoos só no primeiro dia da viagem.
"Atravessei uma aventura, sabe bem voltar. Eu e todos os outros ambientalistas vamos continuar a fazer tudo o que estiver ao nosso alcance, iremos continuar a viajar, para pressionar as pessoas que têm o poder, para que coloquem as prioridades no devido lugar e deem prioridade máxima a este assunto", prometeu a jovem ativista, desafiando toda a gente a juntar-se à luta: "Toda a gente tem de fazer o que puder para estar do lado certo da história."
Pelo seu lado, e depois de dois dias de descanso em Lisboa, Greta vai continuar a sua jornada em Madrid, onde decorre a COP25, a conferência das Nações Unidas sobre as alterações climáticas "Não vou parar. Vamos à COP, vamos continuar a luta lá para garantir que as vozes das pessoas, dos jovens, sejam ouvidas atrás daquelas paredes."
Já em resposta a uma questão de um jornalista, sobre as críticas que lhe apontam de ser apenas uma miúda zangada, Greta Thunberg referiu "que as pessoas estão a subestimar a força dos miúdos zangados". "Nós estamos zangados, frustrados, mas é por uma boa razão."