A não diplomacia do pingue-pongue 

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A China lidera o medalheiro olímpico em Tóquio graças a ter mais ouros até agora do que os Estados Unidos, o que significa que poderá repetir o sucesso de 2008, quando os Jogos foram em Pequim. Para já, em termos de medalhas totais, a vantagem continua a ser americana, regra que se repete desde 1996, quando Atlanta acolheu a competição. Aliás, a última vez que os Estados Unidos não dominaram a contabilidade final das medalhas foi em Barcelona 1992, perante a seleção da Comunidade de Estados Independentes, efémera equipa conjunta de 12 das 15 antigas repúblicas da União Soviética. O grande rival dos Estados Unidos durante a Guerra Fria, incluindo no campo desportivo, desintegrara-se no final de 1991, mas ainda foi possível um esforço de unidade naqueles Jogos, tirando as três repúblicas bálticas (Estónia, Letónia e Lituânia), que competiram logo separadas.

Se o triunfo da China em termos de ouros em Pequim pode ser explicado pela condição de país organizador (que fazem sempre melhor do que é habitual, basta ver este ano o Japão, que está em terceiro no medalheiro e no Rio 2016 foi sexto), o desempenho atual mostra uma capacidade para desafiar o domínio dos Estados Unidos, que surpreende e tem grande valor simbólico. Por enquanto segunda economia mundial, a China ambiciona a médio prazo apresentar um PIB superior ao americano. Também o seu orçamento militar é já o segundo, embora neste caso ainda muito aquém do investimento dos Estados Unidos.

É óbvio que estamos a falar de desporto e que o peso internacional de um país não depende das medalhas que consegue (olhe-se para a Índia, sétima maior economia mundial e que tem até agora duas medalhas, menos do que Portugal), mas existe uma disputa de prestígio em termos internacionais entre a China e os Estados Unidos que tem evidentes semelhanças com a era da Guerra Fria. Com audiências acumuladas de milhares de milhões de pessoas, os Jogos Olímpicos são do melhor que há para a atração de simpatias além-fronteiras. E se a verdadeira competição entre as grandes potências é económica (em extremo, também militar), uma supremacia desportiva pode trazer dividendos. E desde pelo menos 2012, ano da ascensão de Xi Jinping à liderança, a China tenta mostrar ao mundo que o modelo de Estado autoritário sob controlo de um partido é superior como via de desenvolvimento à democracia da qual os Estados Unidos se dizem campeões.

As contas só podem ser feitas no final dos Jogos, e é de sublinhar que em 2016 a vantagem americana sobre chineses (e britânicos , espetacular segundo país em ouros e terceiro no total) foi enorme. Talvez com receio de falhar a vitória em termos de ouros, a pressão popular chinesa (e discretamente também oficial) sobre os atletas tem aumentado e foi constrangedor ver a dupla de pares mistos em ténis de mesa pedir publicamente desculpa pela medalha de prata. É certo que se trata de um desporto muito querido para os chineses (os americanos usaram-no nos anos 70 para a famosa diplomacia do pingue-pongue, que normalizou as relações) e que, ainda por cima, o ouro foi para os japoneses, vizinhos com quem acumulam um passado de conflito, mas mesmo assim se percebe como nem sempre o desporto vale por si próprio - é muito mais.

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