Deveria ter acontecido em junho, como habitualmente, mas a pandemia de covid-19 obrigou ao seu adiamento. Agora há nova data: a 26 de setembro, Ana Moura, Cuca Roseta e Fábia Rebordão são as vozes que vão ouvir-se na 10.ª edição do Festival de Fado em Madrid que neste ano celebra também o centenário de Amália Rodrigues..Para além dos três concertos que acontecem no Teatro Real (uma sala onde Amália também atuou), o programa do festival inclui ainda um conjunto de conferências com o musicólogo Rui Vieira Nery e o escritor Tiago Torres da Silva, a projeção dos filmes Art of Amália, de Bruno de Almeida, e Amália, o Filme, de Carlos Coelho da Silva, e ainda uma exposição sobre Amália concebida pelo Museu do Fado.."Desta vez, tivemos de marcar os concertos todos no mesmo dia e é claro que há restrições na lotação da sala, mas conseguimos ter o programa que já tínhamos definido e que, como sempre, tem concertos de três artistas e depois algumas atividades paralelas", explica ao DN o organizador Frederico Carmo..Fruto de uma parceria das promotoras Everything Is New e Alto e Bom Som, o Festival de Fado começou em 2011 em Madrid e, desde então, tem vindo sempre a crescer, com edições em locais tão distintos como Bogotá na Colômbia, Barcelona em Espanha, Rabat em Marrocos e Xangai na China. No ano passado, o festival aconteceu em 14 cidades de dez países. Neste ano, deveria chegar ainda mais longe. Havia planos para levar o fado a mais quatro locais: Cidade do México, Montevideu (Uruguai), Maputo (Moçambique) e Pequim (China)..Perante as restrições nas viagens internacionais e na organização de espetáculos um pouco por todo o mundo, devido à covid-19, para já apenas é possível confirmar o festival de Madrid, mas Frederico Carmo ainda tem esperança de até ao final do ano conseguir realizar também o festival noutras cidades, como Barcelona e Sevilha. "De qualquer forma, vamos tentar estar presentes nas outras cidades através de um concerto que será transmitido em streaming", revela, não escondendo que gostaria de que esse concerto se realizasse no dia 6 de outubro (dia da morte de Amália) e na casa da fadista na Rua de São Bento, em Lisboa.."Temos tido sempre muito público, existem de facto muitas pessoas que gostam de fado em todo o mundo", conta Frederico Carmo, confirmando que, sobretudo em Madrid, "o festival já faz parte da agenda cultural da cidade". "Os madrilenos confiam na nossa programação", garante. O festival conta com o apoio do Turismo e da Embaixada de Portugal, e também do Museu do Fado - EGEAC, e os bilhetes, com preços que variam entre os 15 e os 70 euros, já estão à venda..Amália: de Madrid para o mundo.Em fevereiro de 1943, Amália estreou-se profissionalmente no estrangeiro a convite do embaixador de Portugal em Madrid, Pedro Teotónio Pereira (mas nos bastidores do convite esteve, obviamente, António Ferro, ex-jornalista do DN, que dirgia o Secretariado de Propaganda Nacional). Acompanharam-na o cantor Júlio Proença, o guitarrista Armandinho e o violista Santos Moreira. "A fadista anda por Madrid de 7 a 23 de fevereiro, onde, além da noite formal organizada pela embaixada, prolonga atuações em circuitos artísticos e é convidada para festas privadas", escreve Miguel Carvalho no livro recentemente editado Amália: Ditadura e Revolução. A História Secreta. Terá sido durante essa viagem que atuou no Teatro Real..Amália, que já era uma apaixonada pela música espanhola, aproveita para aprofundar o seu conhecimento do flamenco e conhece a cantora Imperio Argentina. Os espanhóis adoram-na, com o seu xaile negro e a voz inigualável. E ela, que haveria de cantar em castelhano logo nos seus primeiros discos, gravados em 1945, e muitas mais vezes ao longo da sua carreira, considerava-se "uma cantora ibérica".O sucesso dessas duas semanas foi tal que António Ferro ficou convicto de que teria ali um trunfo importante para a propaganda no estrangeiro, ainda que houvesse várias reservas em relação ao fado, enquanto género na altura eminentemente popular, ligado às classes mais baixas, considerado demasiado "pitoresco". "O fado, considerado como a expressão máxima da canção nacional, deve ser ser combatido", afirmou Ferro após a viagem. No entanto, "um caso como o de Amália Rodrigues não tem discussão. Amália, para além do fado, é uma grande artista, uma artista natural, direta, de uma sensibilidade rara. Poderia vir a ser uma grande vedeta internacional no seu género se não fosse - e talvez este seja um dos seus encantos, demasiado bairrista... A forma como cantou algumas canções espanholas em voga surpreendeu, comoveu os nossos vizinhos"..De facto, depois desta primeira atuação no estrangeiro, Amália não mais pararia de viajar pelo mundo. Atuou no Japão, México, Estados Unidos, Itália, URSS, Roménia, Israel, Líbano, Espanha, França, China, Canadá, Bélgica, Grécia, Suécia, Países Baixos e Timor-Leste. Foi "a nossa maior embaixadora" como se lhe referiu o Presidente da República Mário Soares, no seu último espetáculo em Lisboa, em 11 de dezembro de 1994, no Coliseu dos Recreios..Recordar Amália.Em maio deste ano, Cuca Roseta lançou o seu disco Amália por Cuca Roseta, em que a cantora interpreta alguns dos temas de Amália que mais a marcaram - sobretudo por causa das letras. "Foi através dela que comecei a cantar e por causa dela continuei", explicou na altura ao DN. "A minha voz não era tão apropriada para o fado tradicional como o era para fado-canção, com refrão, como Amália sempre cantou. Foi muito interessante perceber que, nesse percurso, muitos dos meus fados de maior sucesso também foram cantados pela Amália. Devo-lhe muito daquilo que sou." Do alinhamento do disco, desenhado pelos afetos, destacam-se, por exemplo, Estranha Forma de Vida e Lágrima, "duas escolhas óbvias, por terem letras escritas pela própria Amália Rodrigues", mas também há outros menos conhecidos, como Vagamundo, com o qual a fadista assume ter "uma ligação emocional muito forte"..Será esse repertório que Cuca Roseta leva a Madrid. Já Ana Moura e Fábia Rebordão irão conjugar alguns dos seus sucessos pessoais com temas de Amália..Quanto aos filmes, The Art of Amália é um documentário realizado por Bruno de Almeida em 1999 a partir de uma série de entrevistas feitas à fadista e recorrendo a muito material de arquivo, enquanto Amália, o Filme, de 2008, é um biopic realizado por Carlos Coelho da Silva e protagonizado por Sandra Barata Belo.
Deveria ter acontecido em junho, como habitualmente, mas a pandemia de covid-19 obrigou ao seu adiamento. Agora há nova data: a 26 de setembro, Ana Moura, Cuca Roseta e Fábia Rebordão são as vozes que vão ouvir-se na 10.ª edição do Festival de Fado em Madrid que neste ano celebra também o centenário de Amália Rodrigues..Para além dos três concertos que acontecem no Teatro Real (uma sala onde Amália também atuou), o programa do festival inclui ainda um conjunto de conferências com o musicólogo Rui Vieira Nery e o escritor Tiago Torres da Silva, a projeção dos filmes Art of Amália, de Bruno de Almeida, e Amália, o Filme, de Carlos Coelho da Silva, e ainda uma exposição sobre Amália concebida pelo Museu do Fado.."Desta vez, tivemos de marcar os concertos todos no mesmo dia e é claro que há restrições na lotação da sala, mas conseguimos ter o programa que já tínhamos definido e que, como sempre, tem concertos de três artistas e depois algumas atividades paralelas", explica ao DN o organizador Frederico Carmo..Fruto de uma parceria das promotoras Everything Is New e Alto e Bom Som, o Festival de Fado começou em 2011 em Madrid e, desde então, tem vindo sempre a crescer, com edições em locais tão distintos como Bogotá na Colômbia, Barcelona em Espanha, Rabat em Marrocos e Xangai na China. No ano passado, o festival aconteceu em 14 cidades de dez países. Neste ano, deveria chegar ainda mais longe. Havia planos para levar o fado a mais quatro locais: Cidade do México, Montevideu (Uruguai), Maputo (Moçambique) e Pequim (China)..Perante as restrições nas viagens internacionais e na organização de espetáculos um pouco por todo o mundo, devido à covid-19, para já apenas é possível confirmar o festival de Madrid, mas Frederico Carmo ainda tem esperança de até ao final do ano conseguir realizar também o festival noutras cidades, como Barcelona e Sevilha. "De qualquer forma, vamos tentar estar presentes nas outras cidades através de um concerto que será transmitido em streaming", revela, não escondendo que gostaria de que esse concerto se realizasse no dia 6 de outubro (dia da morte de Amália) e na casa da fadista na Rua de São Bento, em Lisboa.."Temos tido sempre muito público, existem de facto muitas pessoas que gostam de fado em todo o mundo", conta Frederico Carmo, confirmando que, sobretudo em Madrid, "o festival já faz parte da agenda cultural da cidade". "Os madrilenos confiam na nossa programação", garante. O festival conta com o apoio do Turismo e da Embaixada de Portugal, e também do Museu do Fado - EGEAC, e os bilhetes, com preços que variam entre os 15 e os 70 euros, já estão à venda..Amália: de Madrid para o mundo.Em fevereiro de 1943, Amália estreou-se profissionalmente no estrangeiro a convite do embaixador de Portugal em Madrid, Pedro Teotónio Pereira (mas nos bastidores do convite esteve, obviamente, António Ferro, ex-jornalista do DN, que dirgia o Secretariado de Propaganda Nacional). Acompanharam-na o cantor Júlio Proença, o guitarrista Armandinho e o violista Santos Moreira. "A fadista anda por Madrid de 7 a 23 de fevereiro, onde, além da noite formal organizada pela embaixada, prolonga atuações em circuitos artísticos e é convidada para festas privadas", escreve Miguel Carvalho no livro recentemente editado Amália: Ditadura e Revolução. A História Secreta. Terá sido durante essa viagem que atuou no Teatro Real..Amália, que já era uma apaixonada pela música espanhola, aproveita para aprofundar o seu conhecimento do flamenco e conhece a cantora Imperio Argentina. Os espanhóis adoram-na, com o seu xaile negro e a voz inigualável. E ela, que haveria de cantar em castelhano logo nos seus primeiros discos, gravados em 1945, e muitas mais vezes ao longo da sua carreira, considerava-se "uma cantora ibérica".O sucesso dessas duas semanas foi tal que António Ferro ficou convicto de que teria ali um trunfo importante para a propaganda no estrangeiro, ainda que houvesse várias reservas em relação ao fado, enquanto género na altura eminentemente popular, ligado às classes mais baixas, considerado demasiado "pitoresco". "O fado, considerado como a expressão máxima da canção nacional, deve ser ser combatido", afirmou Ferro após a viagem. No entanto, "um caso como o de Amália Rodrigues não tem discussão. Amália, para além do fado, é uma grande artista, uma artista natural, direta, de uma sensibilidade rara. Poderia vir a ser uma grande vedeta internacional no seu género se não fosse - e talvez este seja um dos seus encantos, demasiado bairrista... A forma como cantou algumas canções espanholas em voga surpreendeu, comoveu os nossos vizinhos"..De facto, depois desta primeira atuação no estrangeiro, Amália não mais pararia de viajar pelo mundo. Atuou no Japão, México, Estados Unidos, Itália, URSS, Roménia, Israel, Líbano, Espanha, França, China, Canadá, Bélgica, Grécia, Suécia, Países Baixos e Timor-Leste. Foi "a nossa maior embaixadora" como se lhe referiu o Presidente da República Mário Soares, no seu último espetáculo em Lisboa, em 11 de dezembro de 1994, no Coliseu dos Recreios..Recordar Amália.Em maio deste ano, Cuca Roseta lançou o seu disco Amália por Cuca Roseta, em que a cantora interpreta alguns dos temas de Amália que mais a marcaram - sobretudo por causa das letras. "Foi através dela que comecei a cantar e por causa dela continuei", explicou na altura ao DN. "A minha voz não era tão apropriada para o fado tradicional como o era para fado-canção, com refrão, como Amália sempre cantou. Foi muito interessante perceber que, nesse percurso, muitos dos meus fados de maior sucesso também foram cantados pela Amália. Devo-lhe muito daquilo que sou." Do alinhamento do disco, desenhado pelos afetos, destacam-se, por exemplo, Estranha Forma de Vida e Lágrima, "duas escolhas óbvias, por terem letras escritas pela própria Amália Rodrigues", mas também há outros menos conhecidos, como Vagamundo, com o qual a fadista assume ter "uma ligação emocional muito forte"..Será esse repertório que Cuca Roseta leva a Madrid. Já Ana Moura e Fábia Rebordão irão conjugar alguns dos seus sucessos pessoais com temas de Amália..Quanto aos filmes, The Art of Amália é um documentário realizado por Bruno de Almeida em 1999 a partir de uma série de entrevistas feitas à fadista e recorrendo a muito material de arquivo, enquanto Amália, o Filme, de 2008, é um biopic realizado por Carlos Coelho da Silva e protagonizado por Sandra Barata Belo.