A universidade da vida
Em teoria, quando nascemos, todos nos inscrevemos na mais completa de todas as universidades: a da vida. Para alguns, esta será a única. Para outros, será complementada por uns anos numa academia convencional. Parece-me bem. Útil, mesmo. Descansa-me. Já me inquieta suspeitar que muitos de nós, portugueses, passamos pela universidade da vida sem cuidar o suficiente do aproveitamento. É aquilo a que o filósofo José Gil chamou de "fenómeno da não inscrição", que resulta numa passagem pelas circunstâncias sem que fiquem marcas, estruturas ou responsabilização individual e coletiva.
Ainda assim, estou otimista. Porque acredito pouco na mudança radical de sistemas comportamentais, tenho registado avanços incrementais no nosso aproveitamento coletivo. Na primeira grande crise deste século, os portugueses frequentaram na universidade da vida um autêntico MBA. As aulas, disponibilizadas em permanência nos media noticiosos e nas redes sociais, decorreram nos anos de 2011 e 2012, e não posso dizer que tenhamos sido maus alunos. Passámos a saber o que é e como se gere - e gera - a dívida pública e sentimos como as opções têm impacto no desemprego e nos salários. Inscrevemo-nos. Começámos a contrariar um pouco o conceito de José Gil.
Em 2020, nova crise. Esta de natureza sanitária e, como não, também económica, entrando ainda nos territórios da psicologia e dos comportamentos. A parada subiu. E desta feita há um referencial comparativo, porque a crise pandémica da covid bateu à porta de todos os países e a parafernália das tecnologias da comunicação e informação foi medindo e divulgando o impacto e a qualidade das respostas. A universidade da vida colocou de novo no terreno um completo programa educativo, este mais do tipo doutoramento, com aulas de novo nas televisões, rádios, jornais e redes sociais, mas também explorando até ao limite a grande novidade das videoconferências. Vírus, pandemia, vacinas, máscaras, ventiladores, confinamento, resiliência, impacto macroeconómico, lay-off e bazuca europeia são alguns dos conteúdos. Na avaliação intermédia e na comparação com os outros, os portugueses tiveram boa classificação. Acho que a preparação obtida no MBA de 2012 nos ajudou. Inscrevemo-nos. Continuámos a contrariar o conceito de José Gil.
Como em todos os doutoramentos, especialmente naqueles da exigente universidade da vida, há um momento em que é preciso ser estruturalmente consequente, assumir a nossa tese. Esse momento é o ano de 2021. Temos quase tudo. A dificuldade, que nas palavras de Einstein configura a oportunidade. O conhecimento, porque não faltámos às aulas em 2020. E as ferramentas, com a vacina à cabeça, e bem acompanhada por uma bazuca de apoios europeus, uma visão estratégica ambiciosa - embora saudavelmente criticável -, e a perspetiva de um regresso à cultura multilateral ocidental trazida pela troca na liderança norte-americana e pelo acordo do Brexit.
Assim, em jeito de desejo para 2021, para que tenhamos aprovação final na universidade da vida, gostaria que déssemos prioridade ao sinal, acima do ruído, sendo ainda mais corajosos, unidos, solidários e otimistas e que, definitivamente, parássemos de pensar pequeno. Se assim fizermos, estaremos inscritos no futuro. E temos mulheres e homens para isso, nunca duvidei.
Deputado e professor catedrático