E entretanto no Indo-Pacífico...
O reforço da cooperação militar entre os Estados Unidos e as Filipinas é a prova de que o Indo-Pacífico não foi relegado para segundo plano por Washington, apesar de as atenções mediáticas estarem centradas na Europa, onde a resistência ucraniana aos invasores russos tem contado com substancial auxílio americano, tanto ao nível financeiro como de envio de armamento. Durante a sua recente visita a Manila, o secretário da Defesa americano, Lloyd Austin, anunciou ter recebido autorização para utilizar mais quatro bases no arquipélago, que se somam a outras cinco que desde 2014 já estavam disponíveis para uso pelos militares dos Estados Unidos, tudo já considerado pela China como sendo parte de uma agenda hostil.
Colónia americana durante meio século, depois de historicamente ter sido uma possessão espanhola, as Filipinas já independentes estiveram sempre no campo americano durante a Guerra Fria, quando os Estados Unidos eram vistos como o aliado certo para prevenir no Sudeste Asiático a expansão do comunismo apoiado pela União Soviética.
Essas Filipinas fortemente pró-americanas foram encarnadas por Ferdinand Marcos, que governou entre 1965 e 1986, até que o espírito de democratização global, a par da Perestroika na União Soviética, levou Washington a abandonar o ditador e reconhecer antes Corazón Aquino, viúva de um opositor assassinado. Nesse contexto de desanuviamento entre as superpotências, o encerramento da base americana de Subic Bay em 1992, no ano seguinte à desagregação da União Soviética, foi um passo natural, exigido pelo nacionalismo filipino.
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A reaproximação militar entre Manila e Washington acontece já no final da década de 1990 e acentua-se em 2009, com um acordo para exercícios militares conjuntos, tudo à medida que a ascensão chinesa começa a ser vista como uma ameaça pelas Filipinas, que reivindicam várias ilhas no Mar do Sul da China, que Pequim considera sob sua soberania ao ponto de criar estruturas portuárias e até aeroportuárias em várias delas. E nessa lógica antichinesa este acordo agora poderia ser visto como uma continuação, não fosse a duplicidade de Manila durante a presidência de Rodrigo Duterte (2016-2002), que sem romper com Washington se pronunciou a favor da aproximação a Pequim, seduzido pelo novo crescente poderio chinês e vendo como perniciosos os laços tradicionais com o antigo colonizador.
Que Duterte foi uma exceção à regra parece evidente. O anterior acordo de uso de bases militares foi assinado pelo presidente Noynoy Aquino, filho de Corazón e de Benigno Aquino, enquanto agora estes têm a assinatura de Ferdinand Marcos Jr., filho do ditador Marcos e da célebre Imelda, que teria centenas de pares de sapatos de estilistas no palácio presidencial. Ou seja, os herdeiros pessoais e políticos dos dois campos filipinos que se opuseram em 1986 coincidem no apoio aos Estados Unidos, má notícia para uma China que vê a presença militar americana na região, com bases na Coreia do Sul e no Japão e facilidades de uso de instalações em Singapura, como uma ameaça aos seus interesses de controlar o acesso ao Mar da China do Sul e de recuperar um dia Taiwan. Com dois porta-aviões em serviço e um terceiro em treinos de navegação, a China continua, porém, aquém do potencial marítimo dos Estados Unidos e é prejudicada por uma vizinhança hostil, que inclui até o Vietname, formalmente comunista também. As Filipinas ao lado dos americanos sem hesitações desequilibram ainda mais.
Diretor adjunto do Diário de Notícias