Tão próximo o Magrebe de Glasgow

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Uma lição aos portugueses de como o mundo está globalizado vem do Magrebe por estes dias, com a inimizade entre argelinos e marroquinos transformada em corte de relações por Argel em agosto, a concretizar-se no fecho do gasoduto Magrebe-Europa, que há 25 anos abastece Espanha e Portugal. Agora, o fornecimento de gás natural aos europeus será feito através do Medgaz, obra com dez anos, que liga a Argélia a Espanha, evitando o território marroquino. Perante os receios de que um gasoduto não seja suficiente para transportar o que antes era feito através de dois, as autoridades argelinas prometem obras de reforço de capacidade do Medgaz e envio de gás por navios através do Mediterrâneo. Inicia-se uma era de incógnitas, com a única certeza a ser que os preços sobem.

Na verdade, há outra certeza: a de que tanto a economia argelina como a marroquina vão ser afetadas, por muito que tanto Argel como Rabat tentem minimizar o impacto para os seus povos.

Ainda antes da atual crise, já se calculava que alguns pontos percentuais do PIB de ambos os países se perdiam todos os anos por causa da fronteira fechada desde 1994, na sequência de um atentado em Marraquexe. Agora, é a Argélia, grande exportador de petróleo e gás natural, que prescinde de receitas e arrisca faltar a compromissos, enquanto Marrocos, com uma economia das mais diversificadas de África, perde tanto receitas a título de direito de passagem como o combustível para centrais elétricas.

Portanto, os nossos vizinhos do sul arriscam-se a ficar mais pobres na sequência deste braço-de-ferro político, que tem muito que ver com a antiga colónia espanhola do Sara Ocidental. A Argélia mantém o apoio aos independentistas da Frente Polisario, enquanto Marrocos, que desde 1975 controla o essencial do território, já só admite uma ampla autonomia como solução. O cessar-fogo negociado pela ONU em 1991 deixou de ser respeitado pela Polisario em 2020, ano marcado pelo reconhecimento pelos Estados Unidos da soberania marroquina, decisão de Trump que Biden manteve. Para apimentar a situação, o embaixador marroquino na ONU, perante a insistência de Argel na autodeterminação do Sara, trouxe para o debate a questão cabila, berberes em tensão com as elites governamentais desde a independência em 1962.

Há muitíssimo em jogo para Marrocos e para a Argélia, o que pode ser percebido, apesar da aparente contradição, pelos apelos ainda no verão de Mohammed VI ao entendimento e pela obstinação do presidente Tebboune. Mas há muito em jogo também para a França, que foi potência colonial e hoje é aliada de Rabat mas está em constante choque com Argel, e para a Espanha, que tem muitos pontos de interesse no outro lado do estreito de Gibraltar por causa do Sara, dos migrantes, do gás natural e de Ceuta e Melilla,

Para Portugal, o impacto económico é o mais óbvio, como quando há tensão no Médio Oriente e a cotação do petróleo sobe. Mas para reduzir a dependência energética de problemas alheios, o único caminho do país é o das energias renováveis e isso até joga a nosso favor, ajuda a combater as alterações climáticas, a ameaça que o mundo, globalizado, goste-se ou não, debate por estes dias em Glasgow, cidade escocesa de repente tão próxima do Magrebe.

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