Portugueses viram-se para as autocaravanas e compensam falta de estrangeiros
Carmen Rodrigues e João Fonseca viajam numa autocaravana em direção ao norte de Portugal, passando por praias, vinhas e outras paisagens. É a primeira vez que optam por fazer turismo em quatro rodas, um sonho antigo a que a pandemia deu um empurrão para ser concretizado.
"Queríamos há muito tempo alugar uma autocaravana, pensámos nisso quando vivíamos no Canadá, que é um país com as estradas largas e que se proporciona para isso, mas nunca aconteceu também porque era caro. Viemos para Portugal, as estradas são mais pequenas, e deixámos de pensar nessa hipótese. Agora. com a covid-19 não queríamos ir para um hotel, nem para restaurantes, não nos sentimos seguros. Todo o cuidado é pouco", justifica Carmen.
O casal - ela com 59 e ele com 55 - tinham uma guest house no Porto que venderam antes da pandemia. Residem atualmente na Parede, encontrando-se numa fase da vida de transição para um projeto na área imobiliária. Carmen viveu 45 anos no Canadá e João 20.
Iniciaram no sábado, 27 de junho, uma viagem de três semanas, durante a qual vão aproveitar para fazer turismo e trabalhar. Têm reuniões de negócios marcadas no Porto, querem visitar o Douro, e estar com uma parte da família, ao mesmo tempo que descobrem Portugal e "que tipo de campismo se pode fazer". Sem pressa, parando pelo caminho e confecionando as próprias refeições.
A autocaravana tem o selo Safe & Clean, entregue pelo Turismo de Portugal a quem garanta que os equipamentos estão desinfetados e preparados de acordo com as regras sanitárias para evitar a propagação do novo coronavírus. Mas o casal fez questão de receber o veículo um dia antes da partida para a viagem, precisamente para garantir que está tudo impecável, aliás, Carmen já fazia isso nos hotéis. Levam comida, "em maior quantidade do que a roupa" e vão comprando pelo caminho, têm o percurso delineado e vão avançando ao sabor da viagem.
"Estou muito entusiasmada por conhecer o país de outra forma. No início, estava um pouco stressada, agora estou pronta para a aventura", confessa Carmen. Se tudo correr bem até podem comprar uma autocaravana. Para já, as primeiras impressões, à saída de Buarcos, são muito positivas.
Carmen e João são o exemplo de muitos portugueses que este ano decidiram alugar uma autocaravana, algo de que falavam há muito, mas que nunca concretizaram. A pandemia e a necessidade de cumprir o distanciamento social levou-os finalmente a concretizarem esse desejo.
As associações representativas do setor falam de um crescimento numa ordem entre os 400 e os 500 % no número de clientes portugueses. Mas as empresas contactadas pelo DN não esperam uma subida no volume de negócios, justificando que os portugueses só compensam a ausência de turistas estrangeiros, que eram a a grande fatia deste mercado.
"Para o período de férias há um enorme crescimento de aluguer de autocaravanas e também tem crescido o número de vendas de novas e usadas. As empresas de aluguer referem aumentos entre os 300% e 470% em relação ao ano passado", avança o presidente da Associação Autocaravanista de Portugal (CPA), Paulo Barbosa.
Manuel Bragança, o presidente da Federação Portuguesa de Autocaravanismo (FPA), confirma um grande aumento do número de simpatizantes desta forma de fazer turismo, tal como diz acontecer em toda a Europa. Exemplifica com a Noruega, onde os próprios hotéis disponibilizam parques para as autocaravanas, clientes que depois usufruem dos serviços hoteleiros.
"O aluguer de autocaravanas cresceu na ordem dos 450% a 500 % relativamente ao ano passado", estima Manuel Bragança. Mas há contras, prevê "problemas ma orla costeira do Algarve, que é uma área protegida. As pessoas não podem pernoitar em locais proibidos, se querem fazer férias vão par os parques de campismo ou para as áreas para autocaravanas", alerta. Indica três sites onde as pessoas podem informar-se sobre os parques para a autocaravanas: Camperontact, CampingcarPortugal e CampingcarInfo.
A autocaravana que Carmen e João alugaram é da Hostel on Wheels, com sede em Telheiras, Lisboa, uma empresa criada há quatro anos por Luís Camarate (engenheiro informático) e Hugo Macedo (licenciado em recursos humanos). Deixaram os respetivos trabalhos para investir em autocaravanas para alugar. Trabalham intensamente nos períodos de férias e viajam o resto do tempo e o negócio tem vindo sempre a crescer.
"Estamos em Portugal e Espanha e foi um tiro no escuro, mas começámos logo a ter sucesso", conta Luís Camarate. Investiram no mercado de autocaravanas da moda, transformar furgonetas comerciais da Fiat Ducato em autocaravanas. Consegue meter num espaço mínimo as comunidades necessárias. A quem conduz, permite uma maior mobilidade, o que tem conquistado clientes em todo o mundo.
Mas, a pandemia, e o estado de emergência e o confinamento cortou-lhes a esperança de 2020 ser mais um ano de grande crescimento. Os clientes deste tipo de turismo têm sido 80 % estrangeiros - percentagem que as empresas do setor indicam, que deixaram de vir. Março e abril estiveram parados, mas em junho começaram a aparecer novos clientes: os portugueses.
"Tivemos uma grande quebra, agora a atividade está a retomar. Houve uma procura muito grande na semana dos feriados [8 a 14 de junho] e voltou a quebrar, mas vai melhorar quando começarem as férias escolares. Em julho já temos semanas que estão bloqueadas e agosto está muito preenchido. Os nossos clientes eram maioritariamente estrangeiros e, agora, há muito mais portugueses, muitas famílias, pensamos que vamos recuperar mas não estamos à espera de chegar aos níveis do ano passado. Precisamente, porque estivemos parados quase três meses". Têm 13 autocaravanas, mais dois carros com tenda para aluguer. Os preços que praticam nos meses de verão variam entre 119 euros e 149 euros por dia.
Alírio Amorim inaugurou a Camplíder, em Ovar, há 16 anos, com venda e aluguer de autocaravanas. Entregou na sexta-feira, dia 26 de junho, sete autocaravanas, umas para fins de semana prolongados, outras para férias, até porque quem não têm exames escolares entrou de férias este fim de semana. "Estamos a ter muita procura, quer no serviço de venda, quer no aluguer, o que é algum reflexo da pandemia, mas o mercado já estava a crescer. Este ano há muito mais portugueses, o que não que signifique um aumento do negócio, já estávamos habituados a esgotar no verão", argumenta.
Aumentaram a frota para alugar em mais cinco veículos, o que diz já terem previsto no final do ano passado, contabilizando, agora, 30 autocaravanas. E estão a vender mais, carros usados e novos. As autocaravanas novas custam a partir de 60/ 70 mil euros, o dobro das usadas.
"A venda é que foi uma grande surpresa, já só temos autocaravanas usadas para venda, novas já só poderemos entregar depois do verão., tivemos que fazer uma nova encomenda. Vendíamos quatro ou cinco autocaravanas por ano no máximo, entregámos oito em maio e seis em junho", explica Alírio Amorim.
Na época alta, os alugueres de autocaravanas variam entre 180 euros (a mais pequena, 2/3 pessoas, e 240 (grande, seis/sete pessoas. A mais requisitada é a média, 210 euros/dia.
Mário Ricardo, 45 anos, e Raquel Carregal, 42 anos, ambos gestores, alugaram uma autocaravana grande para fazer um fim de semana alargado. São do Porto, uma família de sete, o casal e os quatro filhos de Raquel, entre os 11 e 15 anos. Festejam os anos do mais velho, o Luís, e o que estava para ser uma aventura num parque de campismo transformou-se numa viagem de autocaravana por sugestão do aniversariante.
"Pensámos acampar com as crianças para ser uma coisa diferente, mas o mais velho falou nesta hipótese e concordámos", conta Raquel. Explica que foi sobretudo a experiência que contou, mas a situação pandémica que se vive atualmente ajudou. "Ficar num hotel é complicado, alguns ainda não abriram e é mais fácil ficar nas áreas para autocaravanas. Têm o selo Safe & Clean e nos parques, onde antes estavam três autocaravanas, agora estão duas, está tudo muito bem organizado", explica. Estiveram na zona da Foz do Arelho e São Martinho do Porto, circulam agora em direção a casa, naquela que se tornou numa boa experiência. E a repetir. Os mais novos estão a adorar.
Este ano, vão fazer férias em casa de família, quando habitualmente iam para o Algarve. A covid-19 obrigou a uma outra organização, sendo que o objetivo é evitar o contacto com muitas pessoas.
Alírio Amorim caracteriza o turismo de autocaravana como uma forma muito particular de fazer turismo, mais virada para a natureza. O perfil de férias é diferente, não é um hotel, não é uma casa de férias, é uma casinha que, por muito grande que seja, é sempre pequena, é preciso estar apetência, alguma abertura, para que não haja grandes luxos. O grande luxo é pegar no volante e ir para onde se quiser, ficar o tempo que se quiser num lugar ", defende.
"Felizmente, que vieram os portugueses devido à pandemia. Esta é uma forma muito segura de fazer férias sem contactar com outras pessoas. Mas, enquanto os estrangeiros são clientes todo o ano, os portugueses só o são durante as férias escolares". Essa parcela deixou de existir, razão pela qual o dono da Camplíder assegure que o grande volume de portugueses poderá não compensar essa perda. Tinham uma proporção de 80 estrangeiros para 20 portugueses, situação que se inverteu totalmente.
É também aquela a experiência de António Aragão, proprietário da Campervan Portugal, que vende e aluga autocaravanas desde 2014, estas últimos furgonetas transformadas. "Junho foi um mês tímido, estamos com a mesma ocupação do ano passado, falta a clientela estrangeira. Estamos a ter muita procura de portugueses, que não fazem férias em junho ao contrário dos estrangeiros, que vêm quase o ano todo. São muito mais os portugueses que nos procuram para julho e agosto", diz. Tem 11 caravanas.
Lúcio Gama, 52 anos, cortador de carnes, e Ana Vaz, 45 anos, gestora de recursos humano, também seguem nesta aventura pela primeira vez, para fazer umas miniférias, que terminaram na segunda-feira. Têm dois filhos, de 11 e 12 anos, respetivamente.
"Alugámos uma autocaravana por causa dos miúdos e porque a situação está um pouco complicada. Tínhamos pensado nesta hipótese há uns anos, mas tornava-se muito dispendiosas, a covid-19 levou-nos a realizar esse desejo. Ir para um hotel, tirar e pôr máscara é complicado este ano opámos por uma autocaravana. Há menos confusão e é uma novidade", argumenta o Lúcio.
Saíram do Porto, viajando pelas praias do Litoral do Pais, até Lisboa, seguindo depois para o Alentejo, tendo o Alqueva como destino. Têm parado e usufruído da paisagem pelo caminho e a família está a adorar.
O presidente da Associação Autocaravanista de Portugl (CPA), Paulo Barbosa, estima que existam cerca de dezoito mil caravanistas no país. A associação tem atualmente mil e cinquenta associados com um crescimento anual na ordem dos 20%. Este ano, receberam uma centena de novos associados, número de inscrições que têm vindo a aumentar desde maio.
Explica que não há dados oficiais sobre o número de autocaravanistas no país, mas fazendo uma extrapolação do que se passa em Espanha, calcula que sejam 150 mil as autocaravanas por ano.
"Até o início da pandemia a grande maioria dos autocaravanistas que circulavam em Portugal eram estrangeiros. Nos últimos anos, o número de estrangeiros subiu de forma visível. A grande maioria chega no início do outono e regressa ao país natal na primavera", explica Paulo Barbosa.