IL versus Chega. A direita cresceu, mas não está para amizades políticas
Nas palavras dos próprios são os "betos do Príncipe Real" versus os "extremistas e populistas". Depois do PS, Chega e Iniciativa Liberal (IL) são os grandes vencedores das legislativas antecipadas de domingo, depois de terem garantido no conjunto 20 assentos nas bancadas da direita (12 do Chega, oito da IL). Mas se os dois partidos se vão sentar lado a lado na Assembleia da República é muito o que os separa, como mostram os "mimos" trocados entre João Cotrim Figueiredo e André Ventura no debate televisivo que travaram há poucas semanas.
Diferenças que se traduzem também no mapa de voto dos dois partidos. A Iniciativa Liberal, que saltou dos 65, 5 mil votos alcançados em 2019 para os 268 mil, tem um eleitorado fortemente urbano, concentrado na faixa litoral, sobretudo em Lisboa e Porto, onde a IL surge agora como terceira força política. Os liberais conseguiram a votação mais alta no círculo da capital, com destaque para os concelhos de Lisboa, Cascais e Oeiras - os três municípios com rendimentos mais elevados do país. Além de Lisboa, Leiria, Setúbal, Porto, Faro e Aveiro deram à IL os melhores resultados do partido nestas eleições. De acordo com o portal EyeData, disponibilizado pela Lusa, os concelhos onde a IL obteve melhores resultados caracterizam-se por ter maior poder de compra e uma população mais qualificada do que a média nacional.
Já a votação no Chega mostra um perfil de votantes bastante diferente. Nestas eleições, em que o partido subiu dos 66 mil votos que há três anos deram a eleição a André Ventura para os 385 mil que agora elegeram 12 deputados, o Chega registou os melhores resultados no interior alentejano - Beja, Évora e Portalegre -, no Algarve e no Ribatejo. Com um aumento de votação bastante transversal, o partido também cresceu substancialmente em Lisboa e Porto, mais na capital que na Invicta. De acordo com os dados do portal Data Eye o Chega obteve melhores resultados em concelhos com poder de compra abaixo da média nacional e onde a taxa de retenção no ensino básico é superior à média do país.
Se os dois partidos apresentam alguns pontos convergentes em termos de política económica, pouco mais se pode encontrar de convergente. "Há um património comum em pontos do programa económico, o anti-estatismo, a baixa de impostos, mas estamos a falar de dois partidos que representam famílias políticas rivais", sublinha ao DN António Costa Pinto. O investigador coordenador no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa destaca que a Iniciativa Liberal é uma autonomização como partido de um pensamento que, ao longo dos últimos 40 anos, sempre foi uma componente dos dois partidos da direita, PSD e CDS, um partido com "um programa liberal clássico que tem expressão em todas as democracias". Do outro lado a realidade é bem diferente. Se o "Chega, sob o ponto de vista programático, tem uma componente liberal muito forte, a componente populista simplesmente sobrepõe-se à vertente ideológica". "O Chega é um fenómeno verdadeiramente novo, é a chegada a Portugal de um discurso de direita radical populista", refere o politólogo.
E pode haver pontes entre os dois lados, numa legislatura em que os dois partidos assumirão necessariamente maior preponderância? Dos discursos na noite de domingo resulta evidente que Chega e Iniciativa Liberal se preparam para disputar entre si, à direita do PSD, o papel de principal oponente à maioria absoluta do PS. "Vão ser relações de demarcação clara", antecipa António Costa Pinto.
Da parte dos liberais o programa é conhecido: com o crescimento económico como prioridade política absoluta, a Iniciativa Liberal defende menos Estado na economia, a privatização de empresas públicas (a começar pela TAP), a reforma da Segurança Social (adotando um pilar de capitalização) e uma muita significativa baixa de impostos. Desde logo com a criação de uma taxa única de IRS de 15% (a atingir de forma gradual), uma das propostas mais polémicas do partido. A IL defende um "choque desburocrático" que passa igualmente pela eliminação do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) para habitação própria e permanente. Outra das medidas avançadas pelo partido passa pela criação de um salário mínimo municipal, em vez do atual salário mínimo nacional.
O Chega também se assume como um partido liberal na economia, defendendo igualmente uma baixa de impostos, nomeadamente do IRS e IRC. No caso do IRS, o partido de André Ventura defende a eliminação da progressividade do imposto, à semelhança da IL, propondo a criação de uma taxa única. Uma das propostas mais salientes do partido passa pela definição de um valor mínimo para as pensões equivalente ao salário mínimo nacional - ou seja, nesta altura, 705 euros. O programa do Chega sustenta ainda que o partido "terá como objetivo económico principal começar a pagar a dívida pública portuguesa" e garante que não haverá défice orçamental, defendendo um "orçamento pequeno, por oposição ao orçamento atual ".
Em termos de linhas programáticas, onde os partidos se afastam radicalmente é na visão de sociedade. Exemplos não faltam: a Iniciativa Liberal é a favor da despenalização da morte medicamente assistida (foi, aliás, uma das proponentes da proposta), o Chega é contra. A IL é favorável à despenalização do consumo de drogas leves, o Chega é contra. Em sentido inverso, propostas de André Ventura como a castração química, a prisão perpétua ou o discurso contra minorias sempre mereceram a total rejeição da IL. "Populista e extremista", foram os adjetivos usados por João Cotrim de Figueiredo no debate com Ventura, onde acusou o Chega de querer dividir os portugueses "em caixinhas consoante a sua etnia e nacionalidade" e considerou que isso é "totalmente um anátema". "A IL não é de esquerda nem de direita, é do lucro", diria André Ventura, acusações mútuas que provavelmente serão muito repetidas durante os próximos quatro anos.
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