O grupo criminoso que é uma das maiores empresas do Brasil

Criada há 25 anos, dentro de uma prisão, a organização criminosa fatura perto de 200 milhões de euros por ano. Tem braços jurídico e religioso. E poder para influenciar as eleições.
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No dia 31 de agosto de 1993, o grupo de presos na cadeia de Taubaté que decidiu fundar a organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), como resposta à ação policial conhecida como massacre do Carandiru, que matou 111 presos, tinha objetivos ambiciosos. Mas não ao ponto de, completado o primeiro quarto de século, estar entre as 500 empresas com maior faturação anual no Brasil, de acordo com dados recentes da polícia, e ter capacidade até de influenciar as eleições de 7 de outubro, segundo um dos maiores especialistas no grupo.

Para o desembargador Walter Maierovitch, que estuda há décadas o PCC e outras organizações semelhantes, "em São Paulo eles já ousaram até lançar um candidato a vereador: não prosperou, pois a candidatura foi impugnada, mas hoje são os candidatos que procuram o apoio do PCC".

"Como toda a organização criminosa de matriz mafiosa, o PCC tem poder intimidatório. Como controla territórios, quando lança um nome ou uma ordem, as pessoas ficam com medo e obedecem. Ataques feitos a pontos estratégicos no período eleitoral ou no dia da eleição vão fazer que as pessoas tenham medo de votar e não se desloquem", prosseguiu, em entrevista à BBC Brasil.

De acordo com o especialista, a influência verifica-se sobretudo nas periferias de São Paulo, cidade com mais de dez milhões de habitantes, e incluí até pagamentos de festas de igrejas e quermesses.

"Quem se aproxima de organizações criminosas normalmente quer obter votos, porque elas exercem uma intimidação difusa, controlam territórios. Mas essas organizações, como mexem com atividades ilícitas que geram lucro, como o tráfico de drogas, evidentemente podem, sim, financiar campanhas."

Por tráfico de drogas, entenda-se a exportação semanal de uma tonelada de maconha [canábis] e cocaína pelos portos de Santos, Rio de Janeiro e Fortaleza, de acordo com a estimativa da polícia. Os agentes chegaram a essa e outras conclusões após a execução de Gegé do Mangue, o maior líder do PCC em liberdade, no início do ano. Ao investigarem a casa de Nado, ao lado de Cabelo Duro, um dos supostos responsáveis pelo homicídio de Gegé, os agentes tiveram acesso a documentação sigilosa. Segundo Lincoln Gakyia, responsável pelo departamento da polícia que investiga o PCC, a faturação do grupo pode chegar a 800 milhões de reais por ano, perto de 170 milhões de euros, o que o colocaria na seleta lista das 500 maiores empresas brasileiras.

E, tal como o esquema de corrupção descoberto na Operação Lava-Jato, os líderes da organização também recorrem a "doleiros", intermediários que transformam os reais em dólares e os transferem para fora do Brasil, e a cerca de 200 postos de gasolina controlados por testas-de-ferro que lavam o dinheiro.

A organização do PCC, que conta com um exército de cerca de 30 mil membros espalhados pelos 26 estados do Brasil e por cinco países vizinhos, é sofisticada. Há censos anuais e atendimento jurídico e de saúde aos detidos em troca de um sistema de quotização - membros presos pagam 50 reais mensais, membros livres, mil. Além de um estatuto com 16 pontos, que prevê pena de morte a traidores, e uma hierarquia que culmina na "sintonia geral".

O chefe máximo da "sintonia geral" é Marcola, a cumprir pena de 44 anos numa prisão de segurança máxima de Presidente Venceslau. Terá partido dele a ordem para Nado e Cabelo Duro matarem Gegé do Mangue, num crime de cinema com recurso a helicóptero e rajadas de artilharia pesada em área rural do Ceará. Gegé estaria a faturar através da ligação a Fuminho, traficante exterior ao PCC que opera a partir do Paraguai. Na sequência dessa disputa, Nado e Cabelo Duro também acabaram assassinados.

Marcola chegou ao poder em 2002, nono ano de atividade do PCC, após matar Cesinha e Geleião, os anteriores chefes, que por sua vez haviam estado por trás do espancamento até à morte de Sombra, o líder original.

Já com Marcola no comando, o PCC protagonizou três ondas de violência: em 2006, através de 251 ataques e 73 rebeliões em cadeia que resultaram em cerca de 300 mortes e no incêndio de 90 autocarros, como retaliação à ação da polícia de ter enclausurado os seus líderes em celas isoladas de prisões de segurança máxima.

Em 2012, ao longo de cerca de um mês, um a dois polícias, de folga ou em serviço, foram assassinados por dia, numa demonstração de força do grupo.

Na passagem de 2016 para 2017, durante a guerra pelo chamado espólio das FARC, ex-grupo paramilitar colombiano, com a organização rival Comando Vermelho (CV), originária do Rio de Janeiro, que resultou em 69 mortos do lado do CV e 64 do lado do PCC no interior de prisões. O maior desses conflitos, no Complexo Anísio Jobim, em Manaus, matou 56 presos, a maior chacina numa cadeia desde o massacre do Carandiru, que motivou a fundação do PCC há 25 anos.

Em São Paulo

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