O futebol volta hoje muito diferente. Testes, segurança e novas regras
A I Liga está de volta nesta quarta-feira, 87 dias depois de se ter realizado o último jogo, antes de ser declarada a pandemia de covid-19 por parte da Organização Mundial da Saúde, a 11 de março. A partir daí as competições foram suspensas em quase todo o mundo e em Portugal só o principal escalão do futebol foi, agora, autorizado a regressar.
A retoma do campeonato fica a dever-se sobretudo a questões económicas, pois a não realização dos jogos implicaria que os clubes deixassem de receber o correspondente a um terço das receitas da época relativas à transmissão televisiva dos jogos. É preciso não esquecer que esta é a mais importante fonte de financiamento dos emblemas nacionais, que já estarão privados das receitas de bilheteira porque os jogos se realizam à porta fechada.
O regresso da I Liga é uma questão de sobrevivência para o futebol profissional que tem de lidar com um conjunto de novidades, como já acontece na Bundesliga, o primeiro dos grandes campeonatos europeus a voltar.
Até 26 de julho vão disputar-se os 90 jogos que faltam para concluir a I Liga 2019-20. Serão dez jornadas com muito para decidir. Desde logo na luta pelo título, em que FC Porto e Benfica estão separados por um ponto e prometem uma luta palmo a palmo até à última jornada, na qual os portistas vão a Braga e os encarnados recebem o Sporting. Tem tudo para haver emoção até ao último segundo.
Se os lugares de acesso à Liga dos Campeões parecem atribuídos (só o campeão terá acesso direto à fase de grupos), a discussão pela presença na Liga Europa da próxima época envolve cinco equipas para três lugares. O Sp. Braga está em melhor posição por estar no terceiro lugar com 46 pontos, mais quatro do que o Sporting, estando o Rio Ave no último lugar de acesso à Europa, com menos oito pontos do que os bracarenses, mas apenas com mais um do que V. Guimarães e Rio Ave.
Quanto à descida de divisão, o Desportivo das Aves parece condenado, pois tem apenas 13 pontos, menos três do que o Portimonense que também está em grandes dificuldades, pois o Paços de Ferreira, a primeira equipa acima da linha de água, já se encontra a seis pontos.
A luta pelo melhor marcador da Liga tem sido entre os benfiquistas Carlos Vinícius (15 golos) e Pizzi (14), faltando saber se Paulinho (Sp. Braga), Fábio Abreu (Moreirense) e Sandro Lima (Gil Vicente), todos com dez golos, vão conseguir intrometer-se nesta luta.
O regresso da I Liga será feito depois de todos os intervenientes terem acedido a cumprir as medidas determinadas pela Direção-Geral da Saúde (DGS) para que o risco de contágio de covid-19 seja minimizado.
Numa altura em que a generalidade da população abandona progressivamente as medidas de confinamento a que esteve obrigada durante o estado de emergência, jogadores, treinadores, árbitros e elementos do staff de cada uma das equipas terão agora de obedecer ao recolhimento até ao final da época. Uma obrigatoriedade a que estão também sujeitas as respetivas famílias, pois o objetivo é que se crie uma bolha na qual todos se limitem a fazer o trajeto de casa para o treino ou para o jogo, restringindo os contactos sociais a quem habita a mesma casa e a quem representa o mesmo clube. Cada emblema deve, por isso, adotar uma série de procedimentos de apoio aos atletas e às famílias para que estes não precisem de abandonar este circuito.
A DGS impôs como condição essencial a realização de testes regulares à covid-19 por forma a detetar novas infeções e assim prevenir contágios. A menos de 24 horas de cada jogo, todos os futebolistas têm de ser submetidos a um teste à covid-19.
Inicialmente estava prevista a realização de um outro teste 48 horas antes dos jogos, mas após reuniões com a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Liga, a autoridade de saúde decidiu que esse segundo teste terá apenas de ser realizado quando entre duas partidas existir um espaço temporal superior a cinco dias.
Certo é que cada vez que um jogador, treinador, árbitro ou elemento de staff tiver um teste positivo, será imediatamente isolado, tendo de obedecer a um período de quarentena de 14 dias, só podendo regressar à competição quando tiver um resultado negativo.
Pelo menos até ao final da temporada, os jogos terão de decorrer sem público. No entanto, a DGS determinou ainda que a presença de pessoas nas imediações dos estádios terá de ser condicionada para que se evitem aglomerações. A mesma medida ter-se-á de aplicar junto aos hotéis e centros de treino onde as equipas estiverem.
As medidas a aplicar pela PSP, na sequência de conversações com a Liga, ainda não foram anunciadas, mas o DN revelou, há uma semana, que as forças de segurança vão também estar atentas aos locais onde habitualmente se concentram as claques e aos transportes públicos, bem como aos aeroportos quando utilizados pelas equipas.
A PSP poderá recorrer a drones com câmaras de filmar para ajudar a visualizar concentrações e deslocações de adeptos. Esta medida será, em princípio, apenas utilizada nos chamados jogos de alto risco, que irão também obrigar a um reforço de segurança no perímetro dos recintos desportivos ou locais onde estejam as equipas.
Além disso, a PSP irá igualmente fiscalizar cafés, cervejarias ou restaurantes, locais onde há a possibilidade de se registarem aglomerados de adeptos para assistir aos jogos.
Na prática, será necessária uma enorme articulação para garantir a segurança de todos, não só no que diz respeito às concentrações de pessoas, mas também a eventuais tentativas de forçar a entrada nos estádios.
Além de não haver público nas bancadas, a DGS estabeleceu que apenas podem estar, no máximo, 185 pessoas no interior dos estádios, estando todas elas obrigadas a usar máscaras, à exceção dos jogadores que estiverem em campo e dos treinadores principais por terem de dar indicações para dentro das quatro linhas. A distância social é obrigatória a todos os que estiverem nos bancos de suplentes, bem como a todas as pessoas que estão de apoio ao jogo, desde delegados, segurança e até jornalistas.
Durante os 90 minutos, o contacto é inevitável, mas tal como acontece na Bundesliga, é sugerido aos jogadores que evitem aglomerados e abraços nos festejos de golos, pelo que será normal que os atletas se limitem a cumprimentos com o cotovelo... uma nova moda.
Há ainda novas regras que deverão manter-se enquanto durar a pandemia. Uma delas foi determinada pelo International Football Association Board (IFAB) e tem que ver com o número de substituições, que passam de três para cinco por cada equipa, embora seja obrigatório que elas se façam em três paragens de jogo (intervalo incluído) como até agora.
Esta medida, que só deve ser aplicada a partir da 26.ª jornada, após a aprovação na Assembleia Geral da Liga, visa diminuir o risco de lesões e foi adotada porque todas as equipas estiveram sujeitas a uma paragem maior do que o normal e não puderam fazer jogos de preparação antes da retoma. Desta forma, procura-se minimizar a sobrecarga de partidas a que cada jogador estará sujeito para que a temporada termine até ao início de agosto.
Outra medida adotada em Portugal relaciona-se com as viagens para a Madeira. Quando o Marítimo jogar em casa, as equipas visitantes terão de assegurar a viagem das equipas de arbitragem nos respetivos voos charter. Esta decisão tem que ver com questões logísticas do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol, que se prendem com a escassez de ligações aéreas, mas também de segurança sanitária. Esta situação vai verificar-se com V. Setúbal, Gil Vicente, Benfica, Rio Ave e Famalicão, equipas que ainda terão de atuar no Estádio dos Barreiros.
Um dos objetivos assumidos pela Liga ao organizar o calendário foi ter jogos em praticamente todos os dias e a verdade é que desde a próxima quarta-feira até 21 de julho, quando encerra a 33.ª jornada, há apenas nove dias sem futebol. A última ronda está prevista para o último fim de semana de julho (26 e 27), mas os horários ficarão dependentes da classificação, pois as equipas que lutem pelo mesmo objetivo terão de jogar à mesma hora.
Certo é que todas as 90 partidas que faltam disputar terão transmissão em direto nos canais codificados: SportTV e ainda a BTV, cada vez que o Benfica jogue em casa. Em cima da mesa chegou a estar a possibilidade de os jogos poderem ser transmitidos em sinal aberto, conforme era desejo do presidente da Liga, Pedro Proença, que por causa disso ficou com a sua posição fragilizada na liderança do organismo. É que as operadoras e os clubes não abdicam dos contratos estabelecidos para a cedência dos direitos.
O projeto inicial da DGS previa que os jogos se realizassem no menor número de estádios possível, mas esta determinação foi levantada devido à pressão dos clubes ao progressivo levantamento das medidas restritivas. Nesse sentido, a autoridade sanitária procedeu à vistoria de todos os recintos para avaliar se os balneários e as zonas de acesso ao relvado cumpriam as normas de segurança necessárias. A maioria recebeu a aprovação imediata, outros tiveram de fazer pequenas obras de melhoramento para preencherem os requisitos.
Apenas duas equipas não poderão fazer os seus jogos como visitados nos respetivos estádios: Belenenses e Santa Clara, que vão jogar na Cidade do Futebol, centro de treinos da FPF, em Oeiras. Aliás, os açorianos vão permanecer no continente até ao final do campeonato.
Será um novo futebol que arranca na quarta-feira, sem o ambiente frenético nas bancadas, com as televisões a captarem tudo aquilo que é dito no relvado e com medidas para evitar a propagação do coronavírus. O campeonato, que poderá ficar conhecido como o da covid-19, vai mesmo terminar, a bem da saúde financeira dos clubes.
Portimonense-Gil Vicente (4.ª-feira, 19.00)*
Famalicão-FC Porto (4.ª-feira, 21.15)*
Marítimo-V. Setúbal (5.ª-feira, 19.00)*
Benfica-Tondela (5.ª-feira, 19.15)**
V. Guimarães-Sporting (5.ª-feira, 21.15)*
Santa Clara-Sp. Braga (6.ª-feira, 19.00)*
Desp. Aves-Belenenses sad (6.ª-feira, 21.15)*
Boavista-Moreirense (sábado, 21.15)*
Rio Ave-Paços de Ferreira (domingo, 21.00)*
*transmissão em direto na SportTV
**transmissão em direto na BTV