1, 2 e 3. O que têm feito nos cargos os filhos de Bolsonaro?
Para marcar os seis meses deste ano legislativo, a Folha de São Paulo acompanhou a atuação parlamentar dos três filhos do presidente Jair Bolsonaro (PSL) que mantêm cargo eletivo: o senador Flávio (PSL-RJ), o deputado federal Eduardo (PSL-SP) e o vereador Carlos (PSC-RJ), no Rio de Janeiro.
Enquanto na Câmara Municipal do Rio temas do governo federal ganham destaque com a presença de Carlos, em Brasília, Eduardo tornou-se uma espécie de guardião do pai nas comissões e no plenário da Câmara dos Deputados. Mais discreto, o primogénito Flávio destaca-se pelas costuras políticas que realiza nos bastidores do Senado.
Quando pisou o plenário do Senado pela primeira vez após ser eleito para uma vaga na Casa, ainda em dezembro de 2018, Flávio Bolsonaro, de 38 anos, foi logo cercado pelos futuros colegas.
Já era visto como o canal direto do Senado com o gabinete do pai, o presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto. Papel que, de facto, passou a desempenhar.
"Quer queira quer não, ele tem uma aproximação diferenciada com o mandatário do país e com a equipa dos ministros. Ele é um líder informal do governo. Não é oficialmente constituído, mas, pela facilidade de acesso, ajuda todas as bancadas e senadores em situações em que pode encaminhar, interceder", resume o líder do PSL no Senado, major Olímpio (SP).
Dois dias depois da primeira visita de Flávio ao Senado, estourou a notícia de que um relatório do Coaf (Conselho de Controlo de Atividades Financeiras) apontava movimentação atípica de 1,2 milhões de reais (0,2 milhões de euros) numa conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro.
Atendendo a um pedido da defesa de Flávio, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, suspendeu todas as investigações baseadas em relatórios do Coaf com dados detalhados.
Colegas de Senado dizem que o filho mais velho de Bolsonaro destoa de outros membros da família ao adotar discrição nas redes sociais e nos discursos. Nas conversas pessoais, não é estridente. Mostra-se capaz de conversar inclusive com colegas da oposição.
"É uma pessoa de fácil relacionamento, muito aberto e cordial. Sempre se coloca à disposição para conquistar apoio para as matérias de interesse do governo", afirma o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
Senadores próximos de Flávio dizem que ele não é vaidoso como os irmãos e que, de facto, tenta ajudar nos bastidores.
Um aliado cita como exemplo o dia em que o governo tentava evitar o derrube do decreto que flexibiliza a posse e o porte de armas no Brasil. Flávio levou ao executivo um acordo para que fosse aprovada só a posse, mas recebeu resposta negativa do Planalto.
Já os opositores classificam Flávio como um colega afável, mas que, apesar de não ser tão estridente como outros membros da família, se omite em questões polémicas e não tem um diálogo estabelecido com a oposição.
"Ele não participa [de ataques], mas podia ter um papel protagonista. Para mim, não basta ser apenas cordial", afirma o líder da minoria no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
No plenário, Flávio faz falas pontuais no dia-a-dia - o sistema do Senado contabiliza cinco pronunciamentos, embora não registe algumas manifestações que elevam essa estatística -, geralmente em defesa da agenda do governo.
"Vejo alguns senadores encherem o peito, os seus pulmões de ar, para falarem de democracia, como se o que está acontecendo neste momento com relação à legislação de armas fosse algum atentado à democracia, algum desrespeito a esta Casa. Muito pelo contrário: o presidente Bolsonaro, com coragem, mais uma vez demonstra o grande respeito e apreço que tem pela democracia", discursou a 8 de maio em defesa do decreto de armas.
Em maio, quando Bolsonaro foi alvo de críticas de senadores que se revezaram na tribuna para indicar o descontentamento após o presidente compartilhar mensagem dizendo que o Brasil era "ingovernável" por causa de conchavos, Flávio foi único a sair em defesa do pai.
"Sou muito procurado por vários colegas aqui no plenário, e a minha palavra é no sentido de falar que nunca recebi aqui, no Senado, nada que seja não republicano", afirmou. "[Este] é um governo que está quebrando muitos paradigmas, que enfrenta resistências naturais, mudando formas de diálogo historicamente construídas, e obviamente o caminho está na política, não há outro."
Pelo Salão Azul, no trajeto entre o seu gabinete, no 17.º andar, o plenário e as comissões, costuma andar com passos rápidos e nunca é visto sozinho.
Flávio integra a Mesa Diretora do Senado como terceiro secretário, posto que lhe dá o direito de indicar 13 cargos comissionados e cuja atribuição é fazer a chamada dos senadores, contar os votos, em verificação de votação, e auxiliar o presidente no apuramento das eleições, anotando os nomes dos votados e organizando as listas respetivas.
Além disso, é titular em cinco comissões e integra outras duas como suplente.
Até o final de junho, havia apresentado 18 propostas. São projetos para reduzir a maioridade penal, flexibilizar a instalação de fábricas de armas e munições, proibir a extinção de punibilidade pela retratação no crime de falso testemunho, limitar a remuneração de empresas de equipamentos de fiscalização eletrónica de trânsito e para incluir na educação básica temas como empreendedorismo, matemática financeira e educação moral e cívica.
Também apresentou propostas para definir o crime de arrastão, para agravar a pena por uso de armas de brincar e propostas sobre a legítima defesa por parte de agentes de segurança pública.
No seu gabinete, emprega 20 pessoas, sendo 17 cargos comissionados. Alguns destes já trabalhavam com Flávio na Assembleia Legislativa do Rio. No seu escritório de apoio tem outros quatro funcionários.
Desde que assumiu a cadeira de senador, o seu gabinete gastou pouco mais de 57 mil reais (13,5 mil euros), sendo 44% deste valor com passagens aéreas.
RAIO-X
Flávio Bolsonaro:
(Conhecido como 01)
38 anos
Senador eleito no ano passado pelo PSL-RJ, foi deputado estadual no Rio de Janeiro durante quatro mandatos, de 2003 a 2018. É formado em Direito
Nos primeiros meses da nova legislatura na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro, de 36 anos, que está no quinto mandato, pouco falou. E quando o fez o motivo foi um só: defender o governo do pai, o presidente Jair Bolsonaro.
Na tarde do dia 26 de junho, o filho 02 foi à tribuna xingar alguns de seus pares - rompante similar aos que o pai apresentava na Câmara dos Deputados em Brasília.
Minutos antes, o vereador Reimont (PT) havia citado o caso do sargento que integrava a comitiva da viagem presidencial ao Japão e que foi preso com 39 quilos de cocaína em Espanha. Ele disse que Jair Bolsonaro não poderia ser responsabilizado, mas que deveria dar explicações.
Foi o suficiente para que Carlos saísse da inércia e xingasse Reimont de "cabeça de balão". Quando Tarcísio Motta (PSOL) pediu respeito, o filho do presidente respondeu: "E você tem de ir para a Venezuela fazer um regime porque está muito gordinho, tá bom?"
Mas foi no auditório da câmara - não no plenário - que Carlos fez o seu maior discurso do ano.
No início de junho, o vereador aproveitou uma audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, da qual é vice-presidente, para tentar minimizar o seu papel nas decisões do governo federal.
"Eu carrego um peso nas minhas costas de ser filho do meu pai. (...) É um bónus que não consegui encontrar ainda. Infelizmente, eu carrego um ónus grande nas costas. Não faço parte do governo federal. Não me encontro com o meu pai há algum tempo", disse.
Nas suas palavras, durante uma reunião que tratou do risco de novos deslizamentos em importante avenida da cidade, Carlos falou na possibilidade de a União descentralizar a arrecadação de impostos, passando a responsabilidade para os estados e para os municípios.
"Eu, não sendo governo, do pouco que sei do que acontece lá dentro, mesmo contrariando o que grande parte dos media dizem, que sou um dos mandantes daquilo ali, o que eu acho um pouco absurdo...", completou.
Quando o vereador Alexandre Isquierdo (DEM), próximo de Carlos, criticou a falta de planeamento na administração pública, exemplificada pelas graves consequências das fortes chuvas que atingiram o Rio no primeiro semestre, o filho do presidente cometeu um aparente ato falhado.
Carlos respondeu: "Vereador Isquierdo, e quando nós somos procurados... Quando nós, não, desculpe, quando o governo federal é procurado, ele sempre se propôs a ajudar."
Mesmo sem cargo formal no governo (embora a possibilidade tenha sido aventada logo após a eleição de Jair Bolsonaro), o vereador é o filho com mais influência tem sobre o pai. Carlos administrou as redes sociais do presidente, contribuiu para a queda de ministros e causou polémicas que ameaçaram a estabilidade da nova administração.
Tamanha influência não passa, é claro, despercebida entre os seus pares. No plenário, quando não está vidrado no celular, Carlos costuma encontrar-se rodeado de outros vereadores, a quem distribui abraços e pancadinhas nas costas. É possível perceber que usa um colete antibalas, marcado sob a roupa.
Nas redes sociais, o vereador procura afastar as críticas de que estaria mais interessado na condução do país do que na sua própria atividade parlamentar.
"Mais um dia se acabando. De entre muitas tarefas das minhas funções, leitura de e-mails para envio de reclamações de problemas dos cidadãos ao poder executivo municipal (...) Entretanto, nada me impede de falar sobre outros assuntos. A limitação de idiotas úteis somente tem o intuito de nos calar", escreveu no dia 10 de junho, em foto tirada no seu gabinete.
Carlos faltou apenas uma vez desde o início da legislatura. Assinou um projeto de lei, fez sete indicações (exemplo, pavimentação de calçada em rua na zona oeste) e três requerimentos de informação (como a respeito do escoamento das águas pluviais na Avenida Niemeyer).
Duas leis da sua coautoria foram promulgadas neste ano: uma torna obrigatório o projeto Defesa Civil nas escolas e a outra declara a família de lutadores Gracie como Património de Natureza Imaterial da Cidade do Rio.
A presidente da Comissão de Direitos Humanos da câmara, Teresa Bergher (PSDB), diz que Carlos tem sido ativo e assíduo nos trabalhos como vice-presidente. Ela afirma não ter percebido mudanças no comportamento do vereador após a eleição do pai. "Temos posições políticas diferentes, mas [Carlos] continua gentil e educado", diz.
No seu gabinete, o vereador emprega 18 servidores comissionados. Como noticiou a Folha de São Paulo em abril, Carlos fez uma limpeza no início do ano, quando exonerou nove funcionários. Entre eles estavam uma idosa que mora a mais de 50 quilómetros da câmara e uma faz-tudo da família.
As reportagens sugerem que o filho do presidente possa ter contratado funcionários-fantasmas - aqueles que recebem remuneração mas não prestam serviços efetivamente.
A mesma suspeita recai sobre o seu pai, durante os seus mandatos como deputado federal, e sobre o seu irmão Flávio, hoje senador (PSL-RJ), quando era deputado estadual no Rio.
RAIO-X
Carlos Bolsonaro
(Conhecido como 02)
Vereador no Rio de Janeiro pelo PSC, está no quinto mandato. Já foi filiado no PTB e no PP. É formado em Ciências Aeronáuticas
No seu segundo mandato como deputado, Eduardo Bolsonaro, de 35 anos, decidiu abraçar claramente o universo das relações internacionais, levando para debate temas como a crise da Venezuela e o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, mas sem descuidar de plataformas que o ajudaram a se reeleger, em especial a segurança pública.
Indicado pelo pai para o posto de embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Eduardo procurou, logo ao assumir o seu atual mandato, presidir a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN), órgão da Câmara responsável por analisar acordos internacionais assinados pelo Brasil e projetos de lei sobre política externa. Na legislatura passada, foi suplente na comissão.
Eduardo também é titular na comissão que discute a crise na fronteira da Venezuela com o Brasil e na subcomissão especial que trata do uso comercial do centro de lançamento de Alcântara, base que esteve envolvida em controvérsia sobre soberania após um acordo para utilização comercial pelos EUA.
Também é suplente da subcomissão permanente para acompanhar acordos firmados com organismos internacionais.
Não chega a ser uma mudança brusca em relação à atuação na legislatura anterior, mas Eduardo notadamente reduziu o escopo de temas que acompanha de perto.
No último mandato, de 2015 a janeiro deste ano, por exemplo, atuou como vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, além de ter sido titular na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado e na de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
Em 2019, foram vários os requerimentos que tratam de política externa. Com colegas do PSL, pediu uma audiência pública para debater os impactos políticos e económicos do acordo Mercosul-UE.
Com um aliado improvável, David Miranda (PSOL-RJ), elaborou outro para discutir o atual quadro político na Venezuela, "com a presença de convidados que representem os dois lados da crise" no país.
Sobre a parceria, Miranda diz ter sido tranquila. "É nosso trabalho ter esse tipo de diálogo ali na Casa", afirma. Outros comportamentos de Eduardo merecem menos elogios. Ele costuma blindar integrantes do governo que comparecem à comissão, segundo o parlamentar do PSOL.
O mais recente a participar numa audiência pública, general Augusto Heleno, ministro-chefe do gabinete de Segurança Institucional, foi orientado pelo presidente da CREDN a responder somente a perguntas sobre o tema do encontro, a apreensão de drogas em aeronaves militares.
O assunto tornou-se espinhoso para o governo, depois da prisão de um sargento da Força Aérea Brasileira (FAB) apanhado com 39 quilos de cocaína em Espanha. "Ele é respeitoso com a oposição até certo ponto, até se sentir incomodado. Com os deputados mais antigos, ele tem mais respeito. Mas com os mais novos é mais ríspido", diz Miranda.
Já as sugestões de projeto de lei continuam a dar prioridade à segurança e à educação. Foram quatro os apresentados nesta legislatura.
Um deles - retirado depois por Eduardo - queria mudar, na lei que estabelece diretrizes e bases da educação nacional, um artigo sobre reconhecimento de diploma expedido por universidades estrangeiras. A intenção era facilitar a revalidação de diplomas de graduação, mestrado e doutorado.
Outro, ao lado das deputadas Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP), quer incluir o homicídio de criança e adolescente e assassínio para impor ideologia de género no rol dos crimes hediondos, entre outras coisas.
Eduardo foi ainda relator de três proposições. Numa delas rejeitou sugestão do colega Glauber Braga (PSOL-RJ), em projeto no qual o psolista queria determinar que bases militares estrangeiras pudessem ser instaladas permanentemente em território nacional por meio de plebiscito. Para o filho 03 do presidente, a medida é excessiva, demorada e onerosa.
Na Câmara, é um dos principais guardiões dos interesses de Bolsonaro. Poucos dias depois da demissão do general Carlos Alberto dos Santos Cruz da Secretaria de governo, o deputado usou da palavra no plenário para dizer que o presidente continuava "operando milagres."
"Eu estou vendo aqui esquerdista que sempre esculhambou militar defender o general Santos Cruz. Talvez esteja achando estranho a saída de ministros que não seja por corrupção, como era comum no governo de uma determinada "presidenta" um tempinho atrás", afirmou.
Nesta legislatura, o site da Câmara computa oito discursos do parlamentar. A frequência de discursos no plenário está menor, como ele mesmo reconhece. "Porque nesta eu tenho de medir as minhas palavras, pois muitas vezes elas são interpretadas como sendo a vontade do presidente da República."
Na Casa, ele circula acompanhado por assessores e seguranças, uma precaução natural após a facada sofrida por Jair durante a campanha presidencial.
No plenário, a articulação costuma ficar a cargo de outros parlamentares, como a líder do governo, Joice Hasselmann (PSL-SP), e o deputado Alexandre Frota (PSL-SP).
Já Eduardo costuma reunir deputados para tomar o café da manhã e também para outros encontros informais - em ocasiões devidamente registadas nas redes sociais.
No plenário e na presidência da Comissão de Relações Exteriores, Eduardo, muitas vezes, é visto de cabeça baixa - longe de ser sinal de desânimo, significa provavelmente que ele está atualizando alguma de suas redes sociais. Assim como o pai e o irmão do meio, Carlos, o caçula é usuário ativo do Twitter.
Ele tuíta para promover audiências públicas da comissão que preside, divulgar reuniões com parlamentares de outros países, mas principalmente para sustentar decisões, declarações e críticas feitas pelo pai.
Na controvérsia provocada por frase do presidente sobre trabalho infantil, Eduardo convidou os seus seguidores no Twitter a compartilhar a experiência de trabalho enquanto menor de idade.
Mas a desenvoltura com que lida com temas internacionais colocou-o em rota de colisão com o chanceler Ernesto Araújo.
Em público, Ernesto elogia a indicação de Eduardo para a Embaixada do Brasil nos EUA. Em março, porém, o ministro teve um chilique em frente de outras autoridades por causa da participação de Eduardo num encontro privado entre Bolsonaro e o presidente americano, Donald Trump, do qual Araújo ficou de fora.
Na cota parlamentar usada para cobrir custos com passagens de avião, transporte terrestre, combustíveis e alimentação, o gasto de Eduardo está em linha com o do partido. Até julho, ele gastou, em média, 16 mil reais por mês (3,8 mil euros) - no PSL, o uso mensal médio gira em torno de 17 mil reais (quatro mil euros).
Ao todo, usou 38,57% do total disponível. No seu gabinete, há nove pessoas empregadas. Três já atuaram como secretários parlamentares de seu pai enquanto deputado - um deles, de 2006 a 2013.
RAIO-X
Eduardo Bolsonaro
(Conhecido como 03)
35 anos
Deputado federal pelo PSL-SP, foi reeleito para um segundo mandato em 2018 com votação recorde de 1,8 milhões de votos. É formado em Direito