“Temos de criar condições para atrair indústria para Portugal”
Estamos à espera de umas eleições que, aparentemente, ninguém desejava ou poucos desejariam. Qual é o seu sentimento em função daquilo que ouve do lado das empresas e da “economia real”?
Realmente são tempos de incerteza, devido à alteração governamental, mas também ao impacto que a guerra comercial pode vir a ter. E aquilo que se esperava, que aconteceu um bocadinho no início da presidência Trump, antes da pandemia, que foi um dinamismo grande no mercado de fusões e aquisições (M&A) internacional e americano, não está a acontecer nos Estados Unidos, em resultado da incerteza do impacto económico que as guerras comerciais possam vir a ter, e também da direção da inflação.
Estamos a entrar numa fase de escassez de capital e de menos dinamismo no mercado de M&A e private equity?
Acho que vamos ter de esperar para ver até que ponto é que a situação política se altera para ver depois a evolução da inflação e do funcionamento dos mercados. Não me parece que como alternativa ao private capital existam mercados públicos disponíveis para fazer o investimento. Ou seja, o que poderia alterar a estrutura do funcionamento desses mercados, que é deixar termos passado de mercados de cotados e de grandes investidores institucionais, bem que no mercado em que esses investidores institucionais investem junto de gestores de private equity, não estou a ver como é que isso se pode alterar, pelo menos no imediato, tendo em conta a estrutura que está criada agora, ou seja, acho que vai depender... E o dinheiro existe e...
Tem que ir para algum sítio.
Essa é a principal preocupação. O dinheiro precisa de ser gasto e a indústria tem todo um incentivo grande para gastar o dinheiro. Precisa de manter o rendimento, precisa de encontrar outros fundos adicionais, outras oportunidades, fazer segundos, terceiros, quartos fundos, novas gerações de fundos de investimento.
E neste novo contexto internacional, Portugal tem alguma vantagem? Há quem diga que somos um país seguro. Podemos atrair mais investimento?
Acho que temos vantagens mas também temos dificuldades. A vantagem da estabilidade é inegável. Ainda que isto não seja uma condição de instabilidade propriamente dita, porque o país já demonstrou que é capaz de ter alterações. de governo e partido no governo.
Continua a haver alternância no poder entre PSD e PS e não há grandes diferenças entre ambos naqueles temas que realmente poderiam “assustar” os investidores...
Sim, sem que assuste os investidores dessa maneira. Agora, o que acho que ainda não conseguimos captar foi essa base industrial de investimento que podia ser beneficiada por essa estabilidade do país, por condições, por estarmos longe da guerra, por estarmos entre dois blocos económicos grandes no meio.
Há poucos dias houve a notícia da Autoeuropa receber o novo modelo elétrico da Volkswagen.
É essencial mantermos esse tipo de projeto.
Como é que um país como Portugal pode atrair mais Autoeuropas?
Temos de ter um conjunto de programas que consigam convencer essas empresas das vantagens que elas podem ter cá e não podemos escamotear essa realidade de que há uma concorrência internacional por este tipo de oportunidades e temos de dar vantagens, benefícios fiscais, estabilidade, para que essas empresas se estabeleçam em Portugal.
Acha que podemos atrair para Portugal alguma indústria que, devido às alterações em curso na globalização, poderão ser deslocalizadas da Ásia e de outras geografias?
Alguma... Sim, o redimensionamento das cadeias de distribuição e das cadeias de produção, tudo isso é algo que... poderia ser vantajoso para nós, porque, na verdade, conseguimos, em condições de estabilidade dentro da União Europeia, produzir muitos dos bens que a Europa precisa para conseguir.
E em áreas como as renováveis, por exemplo? A política da Administração Trump não é muito a favor das renováveis. Isso vai também ter impacto no setor em Portugal?
Não tem tido. Uma boa parte da nossa atividade tem sido em torno das energias renováveis, quer novos projetos. quer compras e vendas de projetos já existentes, e não vemos isso a abrandar. Até vemos, em certa medida, a União Europeia a fazer a diferença face aos Estados Unidos. E isso pode ser uma oportunidade também para atrair capitais que estejam interessados em continuar nessa área.
O facto de queremos reduzir a dependência face à Rússia também ajuda a isso?
É verdade, acho que isso continua a ser um forte incentivo para desenvolver essa área.
Podemos assistir também a um regresso do tema do nuclear?
Vai depender, a meu ver, hoje em dia, do que a Alemanha venha a fazer. E do que o novo governo alemão vai fazer.
Um governo que ainda não tomou posse, mas já mudou a questão do limiar da dívida.
É verdade que a Alemanha está livre outra vez, como alguém disse. E o facto também de ter sido uma maioria tão grande, a nível parlamentar, a aprovar essa eliminação total, linear, da dívida, leva-nos a esperar que venha agora a fazer mudanças em várias áreas, como a Defesa.
Também há, em termos de indústria portuguesa, também há aqui oportunidades?
Sim, em várias áreas. Desde logo tem havido um debate grande sobre o que é que é investimento na defesa. Sabemos também as posições que o presidente do governo espanhol também tomou acerca disso e o que é que se devia considerar ou não a despesa militar. Mas o que é verdade é que nós, mesmo não tendo um tecido industrial militar de grande dimensão, temos quer produção de tecidos, produção de calçado, fardamentos, tudo isso é considerado investimento em Defesa.
A própria indústria automóvel também pode ter um papel.
A indústria automóvel, a indústria dos drones, temos em Portugal uma capacidade para isso.
A multidisciplinaridade criou uma nova realidade no mercado português. Acha que os clientes preferem não colocar os ovos todos no mesmo cesto? Ou seja, preferem manter um escritório de advogados de confiança, uma consultória de confiança e trabalhar com os dois, em vez de optar por uma consultora que ofereça os dois serviços?
Acho que vai depender do tipo de situações. Há situações em que, e é essa a diferença que temos visto no mercado espanhol, em que se houver uma pequena porção de um determinado assunto que possa ser tratado pela equipa jurídica ou legal da consultora, isso tem sido feito. Mas se for uma coisa mais complexa eu acho que continua a ser a opção contratar um escritório.
E nesse processo a tecnologia acaba por ser um aliado dos escritórios de advogados?
Sim, isso é verdade. Está a fazer uma diferença que ainda não é do dia para a noite, mas está quase a acontecer, porque hoje em dia, pura e simplesmente, não podemos começar nada com uma folha em branco, ou com um documento de guarda em branco. Tudo já é feito, mesmo um e-mail, ninguém começa esse trabalho em branco. E, portanto, já está a alterar a forma como trabalhamos, e ainda vai alterar mais a forma como trabalhamos, porque vamos conseguir fazer coisas diferentes, mais rápidas.
E isso significa que, para o ser humano, ficam as tarefas que exigem não só conhecimento, mas também inteligência emocional.
Espero que sim, acho que vão continuar a haver tarefas aborrecidas. Infelizmente, não sei se é na nossa área ou noutras áreas, acho que vão continuar a haver essas tarefas aborrecidas, vão passar a ser outras tarefas aborrecidas, mas que é onde criar aprendizagem. Sim, mas acho que vai fazer a diferença.
A inteligência emocional, no fim do dia, vai ser aquilo que vai diferenciar o homem da máquina, nesta profissão?
Essa vai ser uma das grandes diferenças, porque a nossa profissão é de ou resolver situações em que as pessoas estão desentendidas, ou aproximar pessoas que já têm um entendimento comum, mas querem chegar a uma conclusão sobre uma compra e venda, sobre um financiamento. É preciso, por exemplo, tentar perceber numa sala de reuniões quem é que está com que posição e porque é que uma das pessoas está a ter uma posição retraída.
A intuição é importante?
É, mas sobretudo com base muito na experiência do que se tem vindo a fazer, e esse é um dos desafios que temos, que é, nós até agora as pessoas adquiriam uma boa parte da intuição pela experiência de fazer, e agora como vão aprender de uma maneira diferente, não vão aprender... E isso é um desafio também. Isso vai ser um grande desafio de manter a aprendizagem das equipas, eu acho.
Isto vai levar também a uma disputa mais acesa pelo melhor talento, no fundo. E como é que vocês nos escritórios estão a olhar para esse desafio? Para o desafio do talento, especificamente?
Temos várias preocupações, desde logo, no recrutamento, estarmos atentos às faculdades e acompanharmos os alunos com estágios cada vez mais cedo na carreira, mas que isso é uma tendência geral do recrutamento das empresas. e depois no escritório. É ter a certeza que esta é uma conversa permanente sobre o que é que nós fazemos no dia-a-dia. Enquanto que eu acho que aqui há uns anos não havia uma conversa permanente, a conversa era se ia haver uma espécie de qual era o trabalho do dia seguinte e o que é que estávamos a fazer e aperfeiçoar, claro, o que se fazia. Agora há uma conversa muito mais permanente que nos leva a pensar sobre questionar o que é que fazemos no dia-a-dia, se estamos a fazer bem, se a estrutura do que estamos a fazer bem, se estamos a utilizar as ferramentas certas, acho que essa é que é a grande diferença. Hoje em dia, eu acho que aí é que estamos a enriquecer muito as nossas pessoas, é obrigá-las, e a enriquecermos a nós próprios também, porque estamos preocupados com o nosso retorno estratégico, é obrigá-las a pensar no dia-a-dia o que é que estão a fazer, e se estão a fazer com as ferramentas certas.