Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu
Christine Lagarde, presidente do Banco Central EuropeuFOTO: Kirill KUDRYAVTSEV / AFP

Taxas de juro. É quase certo que o BCE vai cortar hoje 25 pontos. A incerteza vem a seguir

Christine Lagarde e os restantes membros do Banco Central Europeu também deverão rever as previsões de crescimento e de inflação para a Zona Euro. Analistas admitem novos cortes nas taxas diretoras em outubro e dezembro.
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O BCE deverá cortar esta quinta-feira as taxas de juro em pelo menos 25 pontos base, naquela que será a segunda descida das taxas diretoras (a primeira foi em junho). A grande questão é: e a seguir, o que virá? Aqui as opiniões dividem-se, mas os especialistas anteveem mais uma, ou mesmo duas, descidas.

“A descida é amplamente esperada, descontada pelo mercado e inserida num ciclo de cortes de taxas que se iniciou em junho. O mercado dá como certo mais um corte de taxas de juro de 25 pontos base até ao fim do ano e 50% de hipóteses de que sejam mais dois, além deste de hoje”, diz ao DN o economista Filipe Garcia, da IMF - Informação e Mercados Financeiros.

Na origem desta decisão (largamente esperada) por parte do BCE, estão dois fatores: a desaceleração do crescimento económico na Zona Euro e um aliviar da pressão que estava a ser exercida pelas taxas de inflação, que têm vindo a descer. A inflação na Zona Euro caiu para 2,2% em agosto, o seu nível mais baixo desde julho de 2021. Não levando em conta as componentes mais voláteis, como a energia e a alimentação, a inflação subjacente também desceu, ainda que ligeiramente, de 2,9% para 2,8%.

Já o PIB da Zona Euro cresceu apenas 0,2% no segundo trimestre, menos do que os 0,3% previstos anteriormente. E os vários elementos do bloco têm mostrado velocidades significativamente diferentes, com a maior economia da zona, a Alemanha, por exemplo, a contrair 0,1%.

Na reunião de junho (aquela em que ocorreu o anterior corte das taxas de juro), o BCE subiu as suas previsões tanto para o crescimento, como para a inflação em 2024. Na altura, previa um crescimento anual para 2024 de 0,9%, seguido de um crescimento de 1,4% em 2025 e 1,6% em 2026. Mas também projetou uma descida da inflação dos 5,4% em 2023 para 2,5% este ano, 2,2% em 2025 e 1,9% em 2026.

“Os membros do BCE estão agora mais confortáveis com a evolução da inflação e sensíveis aos sinais de desaceleração económica na Europa e a nível global”, salienta Filipe Garcia.

Carsten Brzeski, responsável a nível global do Departamento de Macroeconomia do ING, concorda. “Com os últimos dados da inflação da Eurozona, um corte de taxas por parte do Banco Central Europeu, é quase um negócio fechado”, afirma numa nota de análise sobre a reunião de hoje.

“Esperamos que o próximo corte de 25 pontos base aconteça hoje. Tanto o crescimento económico como a inflação têm sido, em geral, mais fracos do que o esperado pelo BCE durante o verão. Esperamos, por isso, que o BCE ajuste em baixa, ainda que ligeiramente, as suas projeções de crescimento e inflação para 2024 e 2025”, salienta por seu lado Michael Krautzberger, diretor de Investimento Global em Obrigações, Allianz Global Investors, numa nota aos jornalistas.

Carsten Brzeski, por seu lado, não espera alterações nas estimativas de crescimento, mas apenas uma ligeira revisão em baixa da inflação para 2025 e 2026, “suportada por preços mais baixos do petróleo e um euro mais forte”.

A questão mais antecipada, no entanto, será a do ritmo dos futuros cortes das taxas diretoras. “O facto de a Fed também se preparar para cortar taxas para a semana dará conforto ao BCE em implementar uma política monetária menos restritiva. Esta semana a taxa a 12 meses já cotou abaixo de 3%, o que compara com os níveis acima de 4,20% atingidos há um ano. As Euribor deverão continuar a recuar ao longo deste e do próximo ano, embora seja discutível se o BCE irá cortar as taxas ao ritmo e na dimensão que o mercado está a descontar atualmente. Pessoalmente, não me parece que venham a cortar tanto”, sublinha ao DN Filipe Garcia.

Ontem o mercado estava a descontar que a Euribor a 12 meses feche o ano em 2,58% e que no final de 2025 esteja a 2,02%. No caso das taxas a 6 meses, estava a descontar que a cotação esteja a 2,70% no final deste ano e a 1,90% no final do próximo.

Sven Jari Stehn, economista na Goldman Sachs, diz esperar uma pausa nos cortes em outubro, seguido de um terceiro corte de taxas (provavelmente mais 25 pontos base) em dezembro. No entanto, o economista da Goldman Sachs afirma que um corte em outubro ainda pode ser uma possibilidade, caso haja surpresas significativas na evolução da economia europeia.

Também Ruben Segura-Cayuela, economista no Bank of America, antevê um corte de 25 pontos base hoje e um novo corte, na mesma medida, em dezembro.

É no caminho a seguir, em 2025, no entanto, que surgem as maiores dúvidas.

O economista do Goldman Sachs admite que o BCE possa adotar um ritmo mais agressivo de cortes em 2025, devido “a perspetivas mais fracas para a atividade económica” e um “crescimento mais lento dos salários, que pode ajudar a estabilizar a inflação nos serviços”. “Prevemos agora cortes sequenciais de 25 pontos base em 2025, trazendo a taxa de juro nos depósitos para 2% até julho”, sublinha Sven Jari Stehn.

Já o Bank of America espera uma redução total de 125 pontos base ao longo de 2025. “Os indicadores deverão, eventualmente, empurrar o BCE para uma aceleração do ciclo de cortes, com um corte por reunião, de março em diante”, afirma Ruben Segura-Cayuela, projetando que a taxa de juro nos depósitos atinja os 2% na segunda metade do próximo ano.

“Do outro lado do Atlântico [EUA], após dois relatórios do mercado laboral mais fracos do que o esperado e das históricas revisões em baixa, o mercado das taxas de juro começa lentamente a dar maior probabilidade a um corte de 50 pontos base do que de 25 pontos na taxa diretora”, contrapõe, por seu lado, o economista da Allianz GI, Michael Krautz- berger. 

Se a Fed cortar mesmo em 50 pontos, acrescenta Krautzberger, cria suficiente pressão para que o BCE não espere mais três meses para mexer novamente nas taxas. “Em nossa opinião, uma mexida em outubro ainda não é o cenário principal, mas já não pode ser descartado. Um argumento aqui é que as taxas de juro atuais, próximas de 4%, são claramente muito restritivas e a combinação dos dados atuais pressupõe taxas de juro mais neutrais, cerca de 2%, a serem alcançadas mais cedo ou mais tarde”, diz o economista.

Filipe Garcia conclui que “a inversão da política monetária está a acontecer de forma tardia”. Na opinião do economista, as taxas de juro subiram mais do que teria sido necessário. “E o discurso até março passado foi, de certa forma inflamatório, tendo em conta os fatores que induziram o ciclo inflacionista e a evolução que já se vinha observando da inflação e da economia”, completa.

Imobiliário animado com descida de taxas

O mercado imobiliário nacional registou uma subida de 4 a 5% no volume de transações de casas a seguir ao primeiro corte de taxas de juro do BCE de 2024, na sequência da reunião de junho. O eventual, mas “quase certo”, corte de 25 pontos base de hoje, vai reforçar esse efeito, afirmou ao DN Bruno Coelho, CEO do CasaYes, o portal imobiliário detido pelas principais empresas do setor em Portugal.

“Vai ser extremamente positivo em termos de procura. É um sinal para o cliente, que agora tem cada vez mais como certa a expectativa de uma descida real do preço do crédito”, salientou. A partir de junho viu-se logo essa aceleração, entre 4% e 5%, sublinhou o responsável.

Já Pedro Rutkowski, CEO da Work, consultora de Real Estate, diz que o corte das taxas “terá um efeito direto nos yields [rendimento], já que o imobiliário é um ativo financeiro” e depende do custo do dinheiro. Mas ressalvou que os fundos que investem neste setor estão, neste momento, bem capitalizados, uma vez que continuam a acreditar que ainda estamos num “ótimo momento” para investir no imobiliário nacional.

Nos Estados Unidos, onde a Fed tem sido mais agressiva no ritmo e intensidade do corte das taxas de juro, os mercados antecipam um benefício grande para o setor imobiliário, tanto para compradores, como para quem está na construção.

“Taxas de juro mais baixas podem estimular tanto a oferta como a procura”, salienta Greg McBride, analista do Bankrate. “O melhor cenário é uma redução gradual nas taxas, em vez de uma queda abrupta que dê origem a uma onda de procura que a oferta não consiga acompanhar.”

Em Portugal, o mercado imobiliário tem um reconhecido problema de falta de oferta de casas no mercado, o que tem impactado significativamente os preços.

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