A instalação de painéis solares é uma das apostas. Na imagem, a segunda central fotovoltaica da Riopele, com a empresa a prever instalar uma terceira ainda em 2025
A instalação de painéis solares é uma das apostas. Na imagem, a segunda central fotovoltaica da Riopele, com a empresa a prever instalar uma terceira ainda em 2025Direitos Reservados

Têxtil e vestuário precisam de mil milhões, a quatro anos, para a descarbonização

Roteiro para a Descarbonização da Indústria Têxtil e do Vestuário quer ajudar as empresas a cumprir as metas da neutralidade carbónica, mas a diferença de postura entre Europa, Ásia e EUA preocupa
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A transição da indústria têxtil e de vestuário europeia para um modelo circular deverá custar entre cinco a sete mil milhões de euros, segundo estimativas avançadas por iniciativas europeias, como a STEP2030 - Sustainable Textiles European Partnership. Em Portugal, "tudo dependerá do grau de ambição", diz o presidente da Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confeção (Anivec), que aponta para qualquer coisa como mil milhões de euros de investimento necessário nos próximos quatro anos.

"Ainda não foram efetuados esses cálculos, uma vez que os valores podem variar significativamente conforme a abordagem adotada. Se considerarmos a eletricidade e os custos com a reciclagem, através de processos como o esfarrapamento e a produção de novas fibras, estima-se que o setor possa necessitar de um investimento na ordem dos mil milhões de euros nos próximos quatro anos", diz César Araújo. E acrescenta: "Tudo dependerá do grau de ambição e inovação que se pretenda imprimir ao projeto".

Este responsável Araújo falava ao DN à margem da apresentação de resultados do RDC@ITV – Roteiro para a Descarbonização da Indústria Têxtil e do Vestuário, um trabalho financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência e promovido pela Anivec, ATP - Associação Têxtil e Vestuário de Portugal e Citeve - Centro Tecnológico do Têxtil e Vestuário.

O estudo não indica quanto é necessário para fazer essa transformação em Portugal, dizendo apenas que o valor global necessário para a escala europeia "serve de orientação para dimensionar os desafios nacionais, colocando, desde já, uma pressão significativa sobre a mobilização de financiamento, cuja viabilização dependerá de apoios públicos e/ou comunitários".

Para o diretor-geral do Citeve, tentar fazer a extrapolação dos números europeus para Portugal em função do peso da ITV nacional no contexto europeu é um risco, na medida em que a fileira é composta por subsetores muito distintos, com necessidades diferenciadas, e que não são iguais em cada país.

Braz Costa recorre aos números divulgados pelo IAPMEI, que mostram que, nas últimas calls para [apoios comunitários para] a descarbonização, o setor teve projetos aprovados no valor de cerca de 70 milhões de euros, estando uma nova call em aberto. "É verdade que esses 70 milhões vieram servir uma primeira leva de empresas. O que me descansa é que as empresas que mais se candidataram e que mais projetos tiveram aprovados também correspondem às empresas mais problemáticas. Ou seja, a percentagem de incentivo a cada tipologia de empresa está muito de acordo com a percentagem do desafio, quer em dimensão quer em número de projetos", diz. sublinhando que "tem havido algum equilíbrio no acesso a esses fundos".

E o processo é para continuar, mesmo com todas as incertezas, com Trump nos EUA, com a guerra económicas e as tarifas, o disparar do preço do petróleo, etc. "Há um sem número de coisas que são mais incertas neste momento do que eram há um ano ou dois anos. Mas há uma coisa que se sabe, é que independentemente de tudo, a questão da descarbonização também é uma questão económica, com as empresas a procurarem formas de baixarem os seus custos", sustenta Braz Costa.

O grande problema é se a Europa fica isolada neste combate. "Os investimentos vão acontecer, mas ao ritmo das condições do mercado. Se tivermos os EUA a continuarem a perfurar para tirar petróleo e a China a queimar carvão, nós temos que calibrar o esforço, porque a sustentabilidade económicas das empresas tem que estar garantida", frisa.

E até Bruxelas já está a ser mais moderada nas metas que tinha. O projeto do passaporte digital, que chegou a pensar-se que poderia estar implementado em 2026, para acompanhar todos os artigos de moda no espaço comunitário e permitir ao consumidor saber onde e como foi feita a peça que quer comprar, designadamente ao nível do consumo de água e energia, emissões de CO2 ou da incorporação de resíduos, já foi adiada para 2028. Há quem fale mesmo em 2030. A pressão dos países do centro da Europa, que não têm indústria, e que importam massivamente dos países asiáticos, parece estar a dar resultados.

De qualquer forma, o presidente da Anivec considera que a descarbonização "é uma oportunidade para Portugal", na medida em que, sendo na Europa líder mundial da moda, "Portugal quer estar na linha da frente dessa liderança", logo, tem que ter boas práticas. Mas não só. César Araújo reconhece que trará também poupanças às empresas, designadamente a nível energético.

O problema, para este responsável, é a falta de reciprocidade nos mercados, com os produtos de países terceiros "a entrarem na Europa sem cumprir quaisquer critérios, designadamente, ambientais", o que cria pressão sobre as empresas europeias. César Araújo não poupa críticas à atuação de Bruxelas no tema das encomendas de baixa valor que entram na UE sem qualquer controlo tarifário, considerando que a taxa única de dois euros a cada encomenda que a Comissão quer aplicar é "tapar o sol com a peneira e enganar o povo".

Também o presidente da ATP, a associação do têxtil e vestuário, considera que "enquanto vivermos duas realidade distintas dentro da UE, obrigando, e bem, as empresas europeias a cumprir com uma série de requisitos ambientais, designadamente de emissões, mas permitirmos que continuem a entrar produtos baratos, sem preocupações ambientais, estaremos sempre a por em causa a competitividade na nossa indústria, levando muitas empresas a terem de deslocalizar a produção, para não desaparecerem".

Mário Jorge Machado é perentório: "Se queremos ser exigentes com a nossa indústria, e devemos sê-lo, temos também que o ser com quem produz fora da UE mas quer vender dentro do espaço comunitário. Senão, o que estamos a fazer é incentivar a que se produza fora da Europa".

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