Sem transição verde, Portugal pode perder até uma em cada 4 fábricas de têxtil e vestuário até 2050
A “inércia em investir em inovação tecnológica e na dupla transição digital e ecológica” pode levar ao desaparecimento de 24% das empresas de têxtil e vestuário em Portugal até 2050 e de 7% dos postos de trabalho. São quase 2800 fábricas em risco e mais de nove mil empregos. O alerta é deixado no Roteiro para a Descarbonização da Indústria Têxtil e do Vestuário, apresentado nesta segunda-feira, dia 30 de junho, que desenha três cenários possíveis de evolução da fileira, sendo que em todos se assistirá a perda de empresas e de emprego. Mas também em todos, mesmo no mais pessimista, faturação, valor acrescentado bruto e exportações crescem.
Os cenários - base, otimista e pessimista -, foram desenvolvidos tendo por comparação os dados do INE em 2021, ano em que a ITV tinha 11835 empresas e 126.940 trabalhadores, que geravam um volume de negócios de 8009 milhões de euros, dos quais 5413 milhões destinados aos mercados internacionais. O VAB era de 2557 milhões de euros.
Consoante a análise mais negra ou mais soalheira, a fileira chegará a 2050, ano, em que se espera que a descarbonização europeia seja uma realidade, com 9053 empresas e 117.648 trabalhadores ou com 11.329 fábricas e 121.811 postos de trabalho. Mas crescerá sempre. Pode ir dos 8371 milhões aos 10.375 milhões de euros de faturação; dos 2669 milhões aos 3306 milhões de euros de valor acrescentado bruto; e dos 5681 milhões aos 6947 milhões de euros de exportações. No cenário mais pessimista, o crescimento será a um dígito, em roda dos 4 a 5%, no mais otimista ronda os 29 a 30% em cada uma das áreas.
E o que define se o cenário é otimista ou pessimista? De acordo com o roteiro, este último reflete um crescimento anémico ou mesmo uma estagnação do setor. "Representa a possibilidade menos provável, porém viável, especialmente se houver uma desarticulação do cluster têxtil e vestuário devido à ausência de apoios públicos adequados e à incapacidade de agir proativamente para gerar dinâmicas positivas e capitalizar oportunidades", pode ler-se no relatório do projeto.
O cenário base parte do pressuposto de que a ITV "evolui por via de uma adaptação gradual às exigências de sustentabilidade e circularidade", com a incorporação de tecnologias limpas, a implementação de modelos de economia circular e a meta da neutralidade carbónica a ser alcançadas "sem alterações significativas nas estruturas produtivas ou nos estilos de vida".
Um cenário que se caracteriza, diz o estudo, pela "manutenção do dinamismo e da criatividade empresarial", essenciais para enfrentar os desafios competitivos dos mercados internacionais. Mais, "a escassez de mão-de-obra é parcialmente atenuada pelo aumento da produtividade, resultante da inovação produtiva e organizacional e pela automação dos processos". Mesmo assim, haverá "alguma deslocalização de tarefas menos especializadas", com o objetivo de "preservar a competitividade de custos".
Mas as transformações exigem dinheiro e apesar dos fundos comunitários, tanto do PRR como do Portugal 2030, desempenharem um "papel fundamental" no financiamento das atividades transformadoras, "subsistem desafios financeiros relacionados com a insuficiência de capitais próprios", que "restringem a capacidade de expansão das empresas para competir eficazmente a nível internacional".
Em termos de projeções macroeconómicas, este cenário base é trabalhado na expectativa que eventuais crises ou outros choques "tenham impactos moderados e de curta duração".
Mesmo assim, é esperada uma diminuição no número de empresas - na ordem dos 15% para 10.118 unidades -, "sobretudo as de menor dimensão, mais vulneráveis e com maiores dificuldades de acesso ao capital necessário para investimentos em sustentabilidade, circularidade e digitalização". O reverso da medalha é que, as que ficarem "poderão beneficiar da disponibilidade de mão-de-obra libertada pelas que encerrarem".
O emprego, neste cenário, sofrerá uma contração de 6%, passando dos quase 127 mil em 2021 para 120 mil em 2050, fruto "da automação, de alguma deslocalização, mas também da idade média elevada da atual força de trabalho e das dificuldades em atrair jovens" para a indústria têxtil e do vestuário.
Quanto às medidas para a descarbonização propriamente ditas, no cenário base, que prevê o "prosseguimento da evolução económica e tecnológica atual", o roteiro aponta para que a indústria têxtil reduza as suas emissões para cerca de 270 quilotoneladas (kt) de CO2 até 2050, o que corresponde a um corte de 55% face a 2021 e de 79% face a 2005. Já a de vestuário deverá cair para as 27 kt de Co2, o que representa menos 77% do que em 2021 e menos 90% do que em 2005.
"Estes resultados vão além da meta nacional de redução de 73% nas emissões do setor industrial até 2050", sublinha o relatório. No cenário otimista, em que haveria uma aceleração da inovação e reforço da economia circular, as projeções são para cerca de mais 10% de abatimento adicional face ao cenário base. No cenário pessimista, de estagnação económica, o ritmo de redução seria 10% menor. "A lição fundamental é que as trajetórias de emissões dependem criticamente do grau de investimento e inovação", conclui.
Além da análise da situação atual da indústria e da definição de trajetórias diversas para o futuro, o Roteiro para a Descarbonização da ITV desenvolveu, também, uma ferramenta de cálculo da pegada de carbono que está já disponível para uso das empresas do setor, permitindo-lhe avaliar a sua situação e definir as trajetórias a seguir.
Desenvolvida de raiz pelo Citeve - Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e Vestuário de Portugal, a ferramenta é gratuita e está disponível para empresas portuguesas, mediante inscrição prévia.