O Plano Ferroviário Nacional é visto como uma oportunidade para mudar tudo nos carris portugueses.
O Plano Ferroviário Nacional é visto como uma oportunidade para mudar tudo nos carris portugueses.Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

Repovoar o interior depende da oferta de comboios mais rápidos e frequentes

Novo Movimento Pelo Interior defende investimento em aumento de velocidade das linhas ferroviárias para evitar agravamento da desertificação e evitar concentração de pessoas e serviços na faixa costeira.
Publicado a
Atualizado a


Novas linhas para ligar o interior ao litoral do país, permitindo comboios mais rápidos e frequentes. Esta é a receita para combater a desertificação, no entender do Novo Movimento Pelo Interior (NMPI). A posição foi manifestada na última sexta-feira num debate realizado na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. A ferrovia é a única chave para promover a coesão territorial, depois do fracasso resultante da construção da rede de mais de 3000 quilómetros de autoestradas nos últimos 40 anos.

“As autoestradas revolucionaram a mobilidade, mas as velocidades estão limitadas a 100 ou a 120 quilómetros por hora, conforme o tipo de veículos. A tendência é para que a velocidade máxima venha a ser reduzida, por razões ambientais”, salientou Alberto Aroso, um dos coordenadores do NMPI. Como consequência da aposta rodoviária, “os polos de menor dimensão, no interior, foram absorvidos pelos polos de maior dimensão do litoral”, recordou o especialista.

A migração do interior tem pressionado cada vez mais o litoral do país: os empregos estão cada vez mais concentrados nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, onde o metro quadrado fica cada vez mais caro e as famílias são obrigadas a morar nos subúrbios. Sem haver planeamento do território, essas pessoas ficam a depender do automóvel para chegarem ao emprego, porque as redes de transporte não conseguem responder atempadamente a estes movimentos. As pessoas ficam presas nas filas, no para-arranca, acabam por gastar mais combustível, agravando a importação de bens e rompendo com qualquer estratégia de descarbonização dos transportes, um dos maiores emissores de gases com efeitos de estufa. Há menor qualidade de vida.

“Se nada for feito, o interior continuará a transformar-se, progressivamente, numa zona cada vez mais debilitada e crescentemente abandonada. Ou seja, temos desperdício sobre desperdício”, sinalizou Alberto Aroso, citando declarações de 2018 do então Movimento Pelo Interior.

Pelo contrário, na ferrovia, “os tempos de viagem podem diminuir de forma significativa, conforme os traçados”. Exemplo disso é uma ligação ferroviária no Alentejo, em terreno plano, que “requer velocidades iguais ou superiores a 160km/h para que possa competir com o automóvel privado e os autocarros expresso”.

O comboio só poderá ser competitivo se as linhas do interior do país forem devidamente modernizadas e deixarem de “ter os desenhos de traçado do século XIX”, nota o especialista. Para que tal aconteça, não se pode repetir o erro do programa de investimentos Ferrovia2020, que serve sobretudo os comboios de mercadorias e acelera marginalmente os serviços de passageiros - só por conta da troca do comboio a gasóleo pelas unidades elétricas.

Linha que transforma

O Plano Ferroviário Nacional (PFN) é uma oportunidade para mudar tudo nos carris portugueses: “Os passageiros, o aumento das velocidades e a consequente redução dos tempos de viagem têm de ser um objetivo central do processo de decisão de investir.” 

Na Região Norte, a linha de alta velocidade de Trás-os-Montes pode ser transformadora e romper com o monopólio automóvel: pôr o Porto a duas horas e 45 minutos de comboio de Madrid; colocar Vila Real e Bragança a 44 minutos e a uma hora e 15 minutos, respetivamente, do Porto.

Para valer tamanho investimento, no entanto, a linha tem de começar no aeroporto do Porto. “Ter uma estação no Aeroporto Sá Carneiro rompe com a barreira psicológica e de tempo: é uma hora, a uma hora e 30 a mais. Passar por Campanhã para ir a qualquer lado é um impedimento no território. Com esta linha, Miranda do Douro pode ficar a apenas três horas de Lisboa em vez de sete ou oito, se a viagem for de autocarro.”

O investimento também é uma forma de reparação histórica no território: “O Douro é a região que mais energia fornece a todo o país, através das barragens.”

A Associação Vale d’Ouro está a tentar colocar esta ligação na rede transeuropeia de Transportes, depois de ter sido classificada como de “interesse comum” para Portugal e Espanha, na ótica do Parlamento Europeu, mas posta de parte pelo último Governo de António Costa na elaboração da versão final do PFN, a aguardar aprovação do Conselho de Ministros e votação na Assembleia da República.

Douro como património

O uso de comboios a gasóleo com mais de 40 anos é outra das incoerências da Região do Douro. Tal ainda acontece em 2024 porque a eletrificação tarda em chegar, por exemplo, à Estação da Régua, onde o atraso acumulado já é de quatro anos e meio.

Esta linha tem ainda outra particularidade: a velocidade média, de 80km/h, “é excelente” porque as estradas “são sinuosas” e não dá para andar a mais do que 50km/h. Apesar das vantagens claras do carril sobre o alcatrão, tarda a reabertura da Linha do Douro entre Pocinho e Barca d'Alva, onde os comboios passaram pela última vez no final de 1988, cerca de um século depois de ter ficado concluída.

Apesar da idade, muitas das pontes, viadutos, azulejos e túneis têm sido devidamente mantidos e têm servido como chamariz para os turistas conhecerem a região através do comboio, destacaram as especialistas María Teresa Alonso (Universidade Politécnica de Madrid) e Ana Luísa Velosa (Universidade de Aveiro).

Graças a isto, a Associação Vale d’Ouro tem lançado o desafio de que a Linha do Douro seja classificada como Património Mundial da UNESCO. A ligação ferroviária une outros quatro territórios já anteriormente classificados: a Cidade Velha de Salamanca (1988), o centro histórico do Porto (1996), as figuras rupestres do Vale do Côa (1998) e a região vinícola do Douro (2001).

A nível mundial, há apenas quatro distinções desta grandeza para os carris, todas em zonas montanhosas: a Semmering Bahn (Áustria), a Ferrovia Rética (Suíça), as linhas dos Himalaias (Índia) e a linha Trans-Iraniana (Irão).

geral@dinheirovivo.pt

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt