A data é 12 de maio e a hora 15H55. Em resposta à pergunta de Maria, proprietária de um imóvel com arrendamento habitacional anterior a 1990, o qual está, por via da lei, isento de IMI a partir do ano fiscal de 2024, a Autoridade Tributária (AT) diz-lhe que tem de pagar esse imposto porque “os pedidos de isenção de IMI feitos nos termos do artigo 46-A do Estatuto de Benefícios Fiscais ainda não podem ser despachados uma vez que os serviços centrais ainda não criaram as ferramentas informáticas necessárias para o fazer.”Devido a esse despreparo da AT, explica quem naquela entidade introduziu a resposta no e-balcão, Maria “deverá pagar o IMI referente aos prédios cujos pedidos estão pendentes de despacho, que aquando do deferimento da isenção, as liquidações serão corrigidas.” Indignada, Maria responde: “Lamento, mas não irei pagar algo porque o sistema da AT não foi preparado atempadamente. Fico a aguardar emissão de nota de cobrança com o valor correto.” Esta troca de mensagens decorreu esta segunda-feira, mais de duas horas após Miranda Sarmento, o ministro das Finanças, ministério que tutela a AT, reagir à manchete do DN desse dia (precisamente sobre o facto de o Fisco estar a emitir notas de cobrança de IMI para imóveis isentos desse imposto), garantindo que “quem tem direito à isenção de IMI naturalmente não pagará IMI e a situação administrativa será reposta se existir alguma inconformidade”. .Rendas Congeladas: Fisco está a cobrar IMI a imóveis isentos.Um pouco mais tarde, o ministério certificava à Lusa que a AT “irá rever, até ao fim do mês de junho (quando termina, este ano, o prazo para o pagamento do IMI) todas as liquidações que incluam prédios relativamente aos quais tenha sido requerida esta isenção e a mesma deva aplicar-se”. Mas já esta terça-feira a AT voltava a repetir, em resposta à declaração de Maria de que não tenciona pagar o imposto, exactamente a mesmo, dizendo-lhe que tem de pagar, e depois se verá se é ressarcida: “Os pedidos de isenção de IMI feitos nos termos do artigo 46-A do Estatuto de Benefícios Fiscais ainda não podem ser despachados uma vez que os serviços centrais ainda não criaram as ferramentas necessárias para o fazer.”O desencontro entre as comunicações citadas demonstra que não houve qualquer instrução da AT (ou da tutela) no sentido de suspender a cobrança de IMI aos proprietários que requereram isenção por terem rendas congeladas, os quais aguardam a aprovação formal da dita isenção há muitos meses.Pelo contrário: os proprietários nessas circunstâncias estão todos a receber notas de cobrança, com a AT a dizer-lhes que têm mesmo de pagar — sob pena, supõe-se, de terem de o fazer mais tarde, com as quantias acrescidas dos nada meigos juros de mora que o Fisco aplica, ou de serem até, quiçá, penhorados.A resposta enviada nesta terça-feira pela AT à Associação Lisbonense de Proprietários demonstra mais uma contradição na comunicação com os senhorios, dizendo ao mesmo tempo que as liquidações vão ser revistas mas que uma parte das notas de cobrança deve ser liquidada: "A revisão das liquidações de IMI, de modo a contemplar a isenção para estes prédios, deverá estar concluída antes do termo do prazo de pagamento da prestação única ou da primeira prestação, que este ano decorrerá até 30 de junho. Os cidadãos com prédios abrangidos por estas isenções deverão ter em conta o seguinte: 1. Para quem pagou a prestação única, ou optou pelo pagamento na totalidade ads várias prestações, será emitido o reembolso do valor pago pelos prédios isentos; 2. Para quem tiver uma prestação única e ainda não tenha pago, será efetuada até ao final de junho a correção da liquidação com o cálculo do montante correto, considerando apenas os prédios não isentos; 3. Para quem tiver mais do que uma prestação e não optou pelo pagamento na totalidade das várias prestações, a revisão da liquidação será refletida na liquidação das prestações seguintes, considerando os prédios não isentos, pelo que deve efetuar o pagamento pelo montante apresentado para a primeira prestação."Maria, de 38 anos, proprietária de um T3 em Oeiras com 80 m2 cuja inquilina, que ali reside desde 1975, paga de renda 131,10 euros, vê-se assim mais uma vez intimada pela AT a pagar 186,22 euros de IMI por um imóvel cuja renda o Estado mantém há décadas congelada. Uma intimação tanto mais incompreensível, comenta, quando deu entrada na AT, logo no início de julho de 2024, para poder requerer ao Estado a compensação por rendas congeladas criada pelo Programa Mais Habitação, do pedido de isenção de IMI (obrigatório na instrução desse requerimento) que agora lhe dizem não existirem “meios informáticos” para aprovar. “Isto é mesmo a gozar com a nossa cara”Ainda mais indignada Maria ficou quando viu a reação do ministério das Finanças à revelação, pelo DN, da cobrança de IMI a imóveis que, como o seu, foram isentados legalmente: “Andam com o meu pedido de isenção lá a ganhar pó há 10 meses, com vários pedidos de informação, e agora sai uma notícia a dizer que nao sabiam? Isto é mesmo a gozar com a nossa cara… bolas!”De facto, esta segunda-feira, o ministério, que não respondera às perguntas que o jornal lhe havia enviado na quinta-feira anterior, disse à Lusa que a AT não tinha “informação relativa a quais os prédios com contratos de arrendamento [estão] abrangidos pela isenção em causa”.Certo é que só a AT tem essa informação — todos os contratos de arrendamento têm de ser registados no Fisco, todas as rendas têm de, igualmente, lhe ser comunicadas, e para obter a isenção os proprietários têm de a requerer, o que Maria fez. Além disso, deu também entrada de inúmeros pedidos de informação, que partilha com o DN, aos quais a AT respondeu sempre que tinha de aguardar — até ao momento em que lhe diz não ter “instrumentos” para conferir a isenção. .Rendas congeladas: “Resposta do ministério é chocante”. Antes disso, porém, a 8 de janeiro último, a AT ainda disse a Maria que não valia a pena ela fazer a participação de rendas relativa ao arrendamento anterior a 1990 (que pelo seu diminuto valor dão direito a um “desconto” no IMI), porque “havendo direito à isenção de IMI para esses prédios, não faz sentido a existência dessa participação”. Não é só, porém, o pagamento de um imposto do qual está por lei isenta e as respostas contraditórias da AT que preocupam Maria: é que a atribuição, pelo Estado, através do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), da compensação por rendas congeladas (uma “indemnização mensal” prevista no programa Mais Habitação para “compensar” os senhorios pelo baixo valor das rendas) depende do reconhecimento da isenção de IMI. E caso esta não seja outorgada Maria terá de devolver as quantias que recebeu até agora do IHRU.Isso mesmo explicou em dezembro à AT, através do e-balcão, manifestando apreensão por em cinco meses não existir ainda decisão sobre estar ou não isenta. Recebeu como resposta que para obter a dita compensação só precisava do “comprovativo de entrega do pedido de isenção”.Sucede que essa compensação tem de ser anualmente requerida ao IHRU e, como Maria a pediu em julho, tem de renovar o pedido até lá — sem no entanto possuir até agora o comprovativo da isenção do IMI e sem saber como poderá instruir o processo, já que também o IHRU parece estar com problemas informáticos: ainda não disponibilizou no seu site o formulário necessário para a renovação. De resto, a atuação do IHRU nesta matéria tem sido tão incapaz que em abril a Provedora de Justiça recomendou ao Governo que agisse “com celeridade” no sentido de sanar os vários problemas de que os senhorios se queixam, desde logo o do atraso de vários meses, em violação da lei (que estabelece um prazo máximo de 30 dias) no deferimento dos pedidos e nos respetivos pagamentos. .Compensação por rendas congeladas: Provedora dá razão a senhorios e quer pagamento de juros de mora .Rendas congeladas: Governo recusa explicar caos na compensação a senhorios.O próprio ministro que tutela o IHRU, Miguel Pinto Luz (ministro das Infraestruturas e Habitação) apelidou em novembro de “dantesco” o processo de atribuição das compensações, mas até este momento nada fez para o melhorar. Aliás, tendo sido determinado pelo próprio IHRU que o pagamento das compensações ocorre mensalmente até ao dia 8, está sistematicamente em incumprimento, como é o caso neste mês de maio: até agora, de acordo com todos os senhorios com quem o DN falou, o IHRU não pagou; questionado pelo jornal, não presta esclarecimentos. “Os senhorios com rendas anteriores a 1990 representam umas das maiores injustiças que senti por parte do Estado até hoje”, conclui Maria, com desespero. “Um total desrespeito”. Desrespeito que poderá ter na isenção de IRS para os rendimentos de rendas congeladas, igualmente decretada legalmente, outro episódio: se a AT diz não ter “ferramentas informáticas” para reconhecer o direito à isenção de IMI, tê-las-á para reconhecer a isenção de IRS?