Francesca Albanese, relatora especial da ONU para os territórios palestinianos ocupados.
Francesca Albanese, relatora especial da ONU para os territórios palestinianos ocupados.EPA/OLIVIER HOSLET

Relatora da ONU. Dezenas de empresas "lucram" com "genocídio e ocupação" da Palestina por Israel

Segundo um novo relatório, Booking e Airbnb "lucram com a ocupação, vendendo turismo que sustenta os colonatos, exclui os palestinianos, promove as narrativas dos colonos e legitima a anexação"
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A relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a situação dos direitos humanos nos territórios palestinianos ocupados, Francesca Albanese, denunciou esta quinta-feira “a economia de ocupação” de Israel que, entretanto, se tornou “uma economia do genocídio”.

“Claramente, para alguns o genocídio é lucrativo”, declarou a relatora numa conferência de imprensa na sede europeia da ONU em Genebra (Suíça), imediatamente após ter apresentado perante o Conselho de Direitos Humanos um novo relatório (abre em PDF) a expor “as forças empresariais por detrás da destruição da Palestina”.

Alguns dos implicados pela investigação são Microsoft, Alphabet, Amazon, IBM, que fornecem a Israel tecnologia de vigilância e monitorização da internet e de cidadãos palestinianos, enormes grupos financeiros, como BNP Paribas, Barclays, Pimco (cuja dono é o grupo alemão Allianz), que continuam a emprestar dinheiro ao Estado israelita (subscrevendo obrigações do tesouro).

E nem duas das maiores e mais populares plataformas globais de alojamento, Booking e Airbnb, escapam: "As principais plataformas de viagens online, utilizadas por milhões de pessoas para reservar alojamento, lucram com a ocupação, vendendo turismo que sustenta os colonatos, exclui os palestinianos, promove as narrativas dos colonos e legitima a anexação", acusa.

"Nos últimos 21 meses, enquanto o genocídio de Israel devastou vidas e paisagens palestinianas, a bolsa de valores de Telavive disparou 213%, acumulando 225,7 mil milhões de dólares [cerca de 191 mil milhões de euros, ao câmbio atual] em ganhos de mercado - incluindo 67,8 mil milhões de dólares [perto de 58 mil milhões de euros] só no mês passado”, apontou.

Expondo “a infraestrutura empresarial que lucra com a economia de ocupação de Israel e a sua transformação mortal numa economia de genocídio”, o relatório elaborado por Albanese identifica 48 agentes empresariais distintos, juntamente com as suas empresas-mãe, subsidiárias, franchisados, licenciados e parceiros de consórcio em vários setores, incluindo fabricantes de armas, empresas tecnológicas, instituições financeiras e empresas de construção e energia.

O relatório nomeia as empresas que “fornecem caças F-35, drones e tecnologia de mira que permitiram que 85.000 toneladas de bombas - seis vezes a quantidade de Hiroshima - fossem lançadas em Gaza” e destaca “os gigantes da tecnologia que criaram centros de I&D [Investigação e Desenvolvimento] e centros de dados em Israel, utilizando dados palestinianos para a guerra de Inteligência Artificial”, alimentando aquilo que Francesca Albanese classifica como um “genocídio transmitido em direto”.

Ao mesmo tempo que denuncia “o fracasso das empresas internacionais e dos sistemas jurídicos em defender até mesmo os direitos mais básicos de um dos povos mais despossuídos do mundo”, a relatora especial acusa mesmo “os atores empresariais” de estarem “profundamente ligados ao sistema de ocupação, ‘apartheid’ e genocídio nos territórios palestinianos ocupados”.

“Durante décadas, a repressão do povo palestiniano por parte de Israel tem sido apoiada por empresas, plenamente conscientes e, no entanto, indiferentes a décadas de violações dos direitos humanos e de crimes internacionais”, disse, observando que o relatório hoje apresentado já poderia ter sido redigido “há dois anos”, ainda antes da grande ofensiva lançada por Israel na sequência dos ataques terroristas do Hamas em outubro de 2023.

“Esses atores entrincheiraram e expandiram a lógica colonial de colonos de Israel de deslocamento e substituição, e isso não é acidental – é a função de uma economia construída para dominar, desapropriar e apagar os palestinianos das suas terras”, acusou.

Sublinhando que “até mesmo atores aparentemente neutros, como locais de turismo, supermercados e universidades, estão a normalizar o ‘apartheid’ e o apagamento sistemático da vida palestiniana”, a relatora especial concluiu afirmando que este relatório “mostra por que razão o genocídio de Israel continua: porque é lucrativo para muitos”.

Exortando os Estados-membros da ONU a imporem um embargo total às armas a Israel, a suspenderem os acordos comerciais e de investimento e a responsabilizarem as empresas pelas violações do direito internacional, Francesca Albanese defendeu que “as empresas não podem alegar neutralidade”, pois “ou fazem parte da maquinaria da deslocação, ou fazem parte do seu desmantelamento”.

Confrontada durante a conferência de imprensa em Genebra com o pedido formulado esta semana pelos Estados Unidos ao secretário-geral da ONU, António Guterres, para que a expulse do cargo de relatora especial para a situação dos direitos humanos na Palestina, alegando "má conduta" da diplomata italiana, precisamente com base no relatório hoje apresentado, Albanese preferiu focar-se no apoio inédito que disse ter assistido hoje durante a 59ª sessão do Conselho de Direitos Humanos ao seu trabalho.

“Eu cumpro com muita dor e sacrifício este mandato a pedido do Conselho de Direitos Humanos. Nunca tinha visto tanto apoio a um mandato como vi hoje naquela sala do Conselho [de Direitos Humanos]. Por isso, sim, aceito que haja alguns pontos de vista divergentes e podemos viver com o facto de concordarmos em desacordar. Mas devo ser respeitada enquanto relatora especial e se algum Estado-membro tem problemas pode falar com os seus colegas no Conselho de Direitos Humanos”, disse.

O número de palestinianos mortos em Gaza ultrapassou os 57.000, de acordo com o Ministério da Saúde do enclave palestiniano, tutelado pelo Hamas, cujos dados são considerados como fiáveis pela ONU. A guerra desencadeou uma grave crise humanitária, deixando centenas de milhares de palestinianos com fome.

O conflito começou em 7 de outubro de 2023, quando militantes liderados pelo grupo islamita Hamas atacaram o sul de Israel, matando mais de 1.200 pessoas e fazendo cerca de 250 reféns.

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