Fabricantes lançaram novidades nesta Páscoa.
Fabricantes lançaram novidades nesta Páscoa. Gerardo Santos

Preço do cacau dispara 178% e traz amargo de boca à Páscoa

Más colheitas e forte procura têm determinado subidas históricas do cacau, com impacto no preço dos chocolates. Há aumentos entre 7 a 15%. Produtores dizem absorver parte dos custos da matéria-prima.
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Não há Páscoa sem amêndoas e ovos de chocolate. E este ano, mais uma vez, estes indispensáveis estão mais caros, devido aos substantivos aumentos do preço do cacau ao longo da segunda metade de 2024. Quando os fabricantes foram ao mercado, o custo da tonelada oscilava entre os oito e os dez mil dólares (ou entre sete e nove mil euros) e chegou mesmo a ultrapassar os 12 mil dólares por tonelada. Foi um período em que "o preço do cacau manteve-se em níveis historicamente elevados", sublinha Paulo Monteiro Rosa, economista sénior do Banco Carregosa. As razões são várias: "continuação da escassez de oferta, incerteza sobre a próxima colheita e forte procura por parte da indústria", justifica. Um contexto que se está a refletir no preço dos chocolates nesta Páscoa.

Os preços do cacau "subiram 178% só em 2024", com especial escalada no quarto trimestre, quando atingiu os 12.565 dólares, afirmam as equipas de research económico do BPI/CaixaBank. Esta volatilidade dos preços "afetou negativamente os fabricantes, uma vez que esta é a altura em que começam as compras para a produção da Páscoa", dizem. Consequência? "É suscetível de encarecer os preços dos produtos de chocolate para a Páscoa de 2025". Segundo estes observadores de mercados, as causas resultam de "más colheitas nos principais países produtores, como a Costa do Marfim e o Gana, de condições meteorológicas desfavoráveis, da falta de investimento no sector, de árvores velhas e de doenças das plantas".

Vítor Madeira, analista da XTB, lembra que "este é um episódio clássico da relação procura/oferta”, que já se fez notar em 2023. A produção de cacau continuou a diminuir, ao passo que a procura subiu. A consequência foi “uma quebra forte nos stocks internacionais, levando os preços do cacau a disparar entre 2023 e finais de 2024”, aponta. Para este especialista, “uma vez que os preços do cacau têm subido de forma significativa ao longo dos últimos anos, é possível que esse comportamento ainda se reflita nos preços ao consumidor” nesta Páscoa. O analista da XTB lembra também que continuamos a verificar “uma tendência de inflação persistente na economia, que tem provocado aumentos generalizados de quase todos os produtos”.

Doce, mas mais caro

A Arcádia reconhece que sofreu a pressão do preço da matéria-prima e teve que ajustar os preços. Rute Pinheiro, diretora de marketing da marca, sublinha que o ajuste foi feito "de forma muito ponderada". Em 2024, a subida média foi de cerca de 10%, e no início deste ano, verificou-se um novo ajuste na ordem dos 7%. Segundo a responsável, o compromisso da Arcádia "é garantir que a qualidade dos produtos e a experiência que proporcionamos aos nossos clientes se mantêm intactas, mesmo num cenário de forte pressão internacional". O objetivo central é manter "um equilíbrio entre qualidade e acessibilidade". Por isso, as atualizações de preços têm sido feitas "de forma gradual e responsável", com a marca a absorver parte do aumento dos custos para não o transferir na totalidade para o consumidor final, diz.

Com sede no Porto e uma rede de 45 lojas espalhadas pelo país, além da loja online, a Arcádia tem na Páscoa "uma das épocas mais relevantes" de vendas. Como frisa Rute Pinheiro, "para muitas famílias portuguesas, a Páscoa é sinónimo de Arcádia há várias décadas". Este ano, preparou uma coleção especial que alia a tradição à inovação: uma amêndoa inspirada na tradicional bolacha de especiarias e uma drageia de Wafer com chocolate. No total, a coleção de Páscoa da Arcádia inclui mais de 40 referências entre amêndoas, drageias, ovos, coelhos e outras especialidades. No que toca a vendas, a empresa admite que esta campanha estará em linha com o ano anterior, previsão suportada nos indicadores de sell-in para as grandes superfícies.

Já a Avianense prevê uma ligeira quebra da faturação nesta campanha face à Páscoa de 2024. Luciano Costa, proprietário da mais antiga fábrica portuguesa de chocolates em laboração, justifica a estimativa com a quebra do poder de compra dos consumidores num ano em que teve de aumentar o preço dos artigos em 15%. Segundo o empresário, o custo da pasta de chocolate triplicou no espaço de um ano e para fazer as compras da matéria-prima é preciso estar atento à constante evolução dos preços. Ainda assim, "o que vendemos está vendido. É tudo sem devolução", frisa. A exportação também se ressentiu. "Já chegou a valer 20% e este ano andará nos 10 a 12%", diz. Um dos mercados em quebra é o dos Estados Unidos, realça.

Mas o elevado preço do cacau não inibiu a imaginação dos fabricantes e das marcas de chocolate que, mais uma vez, apostaram no lançamento de novos produtos, sem descurar os tradicionais. A Imperial, que habitualmente tem na Páscoa a sua época de ouro de vendas, decidiu focar a campanha nas suas marcas icónicas Regina e Pantagruel. Segundo Francisco Pinho da Costa, diretor de marketing da fabricante com sede em Vila do Conde, a Regina lançou dois desafios: "Vai à Caça do Conforto" e “Jejum de Esforço”. Já a Pantagruel quer mostrar aos “chefs lá de casa” que “fazer do comum extraordinário” é mais fácil do que parece.

O aumento "significativo" no preço do cacau é para a Imperial "um desafio estrutural", que "afeta todos os players do mercado", sublinha o responsável. A empresa realça que monitoriza de forma contínua a evolução dos custos das matérias-primas (incluindo o cacau e os seus derivados) e materiais e, até ao momento, "tem feito todos os esforços para absorver, sempre de forma sustentável, o incremento dos custos nos produtos" e, dessa forma, "evitar repercutir a totalidade destes incrementos para o consumidor final".

A Nestlé espera "continuar a crescer e ganhar quota de mercado neste período” festivo, sublinha Bruno Martiniano, diretor da Unidade de Negócio de Chocolates da fabricante em Portugal. Segundo adianta, o valor de mercado da Páscoa tem vindo a aumentar “de forma consistente nos últimos anos”. E para celebrar esta época a Nestlé decidiu lançar várias novidades das marcas KikKat, Extrafino, Smarties e Milkybar, sendo esta última uma resposta à crescente tendência de consumo de chocolate branco, diz o responsável. Ovos, coelhos, tabletes com peluches ou figuras de chocolate são a aposta da fabricante de origem suíça.

Já no que toca à evolução do preço do cacau e as suas eventuais repercussões nos custo do chocolate, Bruno Martiniano frisa que “a Nestlé não faz comentários sobre a sua política de preços, porque as regras do direito da concorrência o proíbem, na medida em que tal divulgação pode prejudicar o próprio consumidor”. O responsável justifica que “faz parte da estratégia comercial das empresas e constitui, normalmente, um segredo comercial”. Já sobre o impacto nos preços ao cliente final, afirma “que o preço dos produtos ao consumidor é determinado pelos retalhistas e não pela Nestlé”. 

Futuro incerto

Com variações, os preços dos futuros do cacau estão a registar uma quebra superior a 25% desde o início do ano. Essa descida foi motivada pelo anúncio da Organização Mundial do Cacau (ICCO) de um provável excedente de 142 mil toneladas na campanha 2024-25, que termina em setembro, apontam os analistas do BPI/CaixaBank. Para a ICCO, este excedente deve-se em grande parte à deslocação da procura gerada pelos preços mais elevados. No entanto, “a curva de futuros sugere que os preços poderão permanecer cerca de três vezes acima da média de 2016-23 durante parte de 2025, refletindo as difíceis perspectivas fundamentais causadas por uma estrutura de produção frágil", alertam."O baixo investimento agrícola, a falta de áreas de cultivo adicionais na África Ocidental e o clima irregular são aspectos que poderão persistir, complicando atualmente a estabilidade do mercado a curto prazo", considera a equipa do BPI/CaixaBank.

Entretanto, a guerra comercial encetada por Donald Trump também se direcionou para os principais países produtores de cacau. Numa primeira fase, os EUA avançaram com uma taxa aduaneira de 21% às importações da Costa do Marfim e de 10% às do Gana. A manterem-se estes direitos, o preço do cacau no mercado de futuros norte-americano deverá manter-se elevado.

Certo é que a valorização desta matéria-prima, apesar de alguma estabilização mais recente, continua “bastante acima da média dos últimos anos”, frisa Rute Pinheiro. Por sua vez, Luciano Costa alerta que as descidas verificadas neste início do ano quase não estão a ser repercutidas na pasta de chocolate. “São menos 20 cêntimos na matéria transformada, outras vezes 30”.

A inflação tem dado sinais de estabilização, depois do impacto da pandemia e da guerra na Ucrânia, mas a subida de preços generalizada não conheceu nenhuma deflação. E a guerra de tarifas iniciada por Donald Trump deverá também influenciar o custo de vida. Um contexto que obriga os fabricantes a encontrar soluções para mitigar eventuais quebras de vendas. Algumas marcas de chocolate, "poderão recorrer a estratégias como a redução do teor de cacau, o aumento do teor de açúcar ou gorduras vegetais, e até a diminuição do tamanho das embalagens" para manter o preço, admite Paulo Monteiro Rosa. Os analistas do BPI/CaixaBank sugerem que os principais fabricantes de chocolate poderão apostar na "exploração de alternativas ao cacau, como a utilização de óleo de palma ou manteiga de karité, ou investir em cacau cultivado em 'laboratório'".

Paulo Monteiro Rosa admite que o chocolate se torne mais caro e menos acessível para uma parte dos consumidores. O aumento do preço do cacau"está a pressionar toda a cadeia de valor" desta indústria, o que pode originar "uma segmentação mais clara no mercado: chocolates premium, com alto teor de cacau, poderão tornar-se ainda mais caros e posicionar-se como produtos de nicho ou de luxo, enquanto as versões mais comerciais tenderão a incorporar ingredientes mais baratos, como açúcar, leite ou gorduras vegetais, para conter os preços”. 

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