António Payan Martins, advogado e sócio da CMS Portugal.
António Payan Martins, advogado e sócio da CMS Portugal.Foto: Paulo Spranger

Portugal é um "case study de sucesso" na gestão da crise dos créditos malparados

Solução encontrada para os 'non performing loans' no país é exemplo a nível europeu e permitiu, inclusivamente, que fundos se transformassem em investidores diretos na economia, destaca especialista.
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Portugal emergiu como um "case study de sucesso" na Europa na forma como geriu a crise dos Non-Performing Loans (NPL), ou créditos malparados, e o seu impacto no balanço dos bancos na saída da crise financeira. Esta foi a tónica central da intervenção de António Payan Martins, advogado e sócio da CMS Portugal, especialista em banca e finanças, na Money Conference, evento organizado pelo Diário de Notícias esta manhã em Lisboa. Entrevistado por Filipe Alves, diretor do DN, Payan Martins destacou o percurso notável da banca portuguesa, que reduziu a sua exposição a NPL de 17% para aproximadamente 2% em uma década, um testemunho da sua "enorme resiliência e capacidade de adaptação".

Os NPL são empréstimos bancários em que o mutuário, seja um particular ou uma empresa, deixou de cumprir as suas obrigações de pagamento durante um período significativo, geralmente superior a 90 dias. Estes créditos representam um fardo nos balanços dos bancos, pois afetam a sua rentabilidade, a sua capacidade de conceder novos empréstimos e, consequentemente, o desenvolvimento económico do país.

No período da Troika, Portugal enfrentou uma situação desafiadora, com os NPL a atingirem uns alarmantes 17% no peso da banca. Payan Martins recordou que, à época, "o negócio dos bancos parecia que era só os NPL". Contudo, a forma como Portugal abordou este problema diferenciou-se de outros países europeus.

Payan Martins explicou que, ao contrário de soluções adotadas em Espanha, com a criação de um "banco mau" como o Sareb, ou em Itália, com mecanismos de titularização de créditos como o GAX (que permitiam uma transação garantida pelo Estado), Portugal não teve essa opção. "Em Portugal isso não foi possível". A razão? "Os constrangimentos financeiros, a troika, a situação financeira das contas públicas portuguesas, não permitiam ter uma solução, tipo o GAX em Itália ou o Sareba em Espanha".

A resposta portuguesa foi, assim, "a solução possível": "Apoiar os bancos e dar-lhes tempo e criar os incentivos certos para eles poderem gerir e fazer o work-out destas posições". Esta estratégia revelou-se um "grande sucesso", com os bancos a desenvolverem "equipas muito fortes" e a criar "um mercado com compradores, investidores, servicers, gestores de créditos, que está totalmente maduro e estruturado".

O "sucesso deste de-leveraging da banca portuguesa é, de facto, impressionante", considerou o especialista.

António Payan Martins apontou para a eficácia da abordagem portuguesa em contraste com a italiana. Em Itália, a possibilidade de operações de NPL com garantia do Estado levou a que o underwriting dos investidores fosse muitas vezes feito com base nessa garantia pública. O resultado tem sido que, atualmente, "pacotes de NPL cujo work-out é um insucesso total, o desvio para os business plans é horrível", sendo o problema do GAX um dos grandes temas de discussão em Itália.

O papel dos ditos "fundos abutres" na regeneração económica

Um aspeto muitas vezes controverso na gestão dos NPL foi o papel dos chamados "fundos abutres". Payan Martins defendeu que estes fundos foram "os grandes players de mercado e os grandes compradores de non-performing loans em Portugal e das grandes carteiras originadas pelos bancos portugueses".

Contrariamente à perceção popular, o advogado argumentou que "esses fundos abutres, na realidade, foram menos abutres -- ainda que tenha havido, seguramente, situações de oportunismo, foram muito menos abutres do que aquilo que se acha".

Mais do que isso, Payan Martins sublinhou que estes fundos "continuam em Portugal, continuam a investir em Portugal, têm um commitment com o sistema financeiro português, são contrapartes dos bancos, são fundamentais no sucesso do setor do turismo em Portugal".

O especialista foi categórico: "Se não tivesse acontecido isso, o turismo não representava 18% ou 20% do PIB, como acontece hoje em dia". A vinda destes players para Portugal, no fundo, "regenerou o tecido económico e até criou novas oportunidades", ao trazer capital e investimentos.

Em relação às críticas sobre o preço a que os ativos imobiliários foram comprados e vendidos, Payan Martins foi claro: "O mercado é sempre feito pelo encontro entre a oferta e a procura". Considerou que o mercado português foi "sempre um mercado muito competitivo", e os bancos, como "vendedores muito profissionais e muito competitivos", com "equipas de grande qualidade", demonstraram "grande capacidade" em avaliar e otimizar a venda dos NPL.

O futuro da banca europeia

Atualmente, o rácio de NPL dos bancos portugueses situa-se em 2,4%, valor que, embora acima da média europeia que ronda os 1,8%, não constitui qualquer preocupação para a European Banking Authority (EBA) nem para os reguladores. Para Payan Martins, esta é mais uma demonstração de como o país teve a este nível "uma história de sucesso".

Em termos de regulação a nível europeu, o especialista indicou que a EBA está a ponderar uma "ligeira flexibilização das condições regulatórias", o que considera uma "boa notícia". Outro aspeto relevante é a crescente perceção, nomeadamente por parte da DG Comp (Direção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia), de que o sistema financeiro europeu necessita de "grandes bancos europeus" para competir a nível internacional. Isto poderá levar a um processo de consolidação no setor bancário.

Finalmente, Payan Martins abordou a dimensão jurídica, salientando a importância de uma harmonização e melhoria da legislação de insolvência e do enforcement de garantias a nível europeu. "Um investidor de NPL que compra NPL em Portugal, na Grécia e em Itália, sabe que o output do sistema vai ser completamente diferente". Isto ocorre "consoante o país, consoante a jurisdição, consoante o sistema legal". Esta é uma área "chave, crítica, central em qualquer universo de recuperação de crédito", e que é fundamental para a criação de um mercado de capitais e um sistema financeiro mais integrados na Europa.

António Payan Martins reiterou a sua convicção de que "o sistema financeiro está aí para apoiar as empresas", especialmente num cenário de crescente "competitividade e integração a nível europeu", que se afigura como a próxima grande tendência para os anos vindouros.

António Payan Martins, advogado e sócio da CMS Portugal.
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