Quanto mais pobre e quanto maior a privação material de uma família, maior a probabilidade de a geração seguinte (os filhos) continuar na pobreza e sofrer um travão brutal ao seu progresso escolar, a tirar com sucesso um curso superior, por exemplo, conclui um estudo divulgado esta quinta-feira pelo Banco de Portugal (BdP). Numa outra análise publicada em simultâneo, o banco central chega à conclusão de que o regime do IVA português é dos mais regressivos da Europa, é dos que mais penaliza as famílias de menores rendimentos comparativamente às mais ricas.O primeiro trabalho intitulado “A transmissão intergeracional da pobreza e da privação material e social em Portugal”, agora pré-publicado, pois integrará o boletim económico do BdP a divulgar na sexta-feira da semana que vem (dia 6), consolida uma série de certezas que já existiam sobre a forma como os níveis de pobreza e de educação (ou o seu contrário) das famílias podem condicionar a qualidade de vida e o sucesso financeiro das gerações seguintes, as mais novas, a descendência.O tema em destaque preparado pelos economistas do Banco, Nuno Alves e Cristina Manteu, refere que “a persistência intergeracional da pobreza e privação remete para uma associação entre as dificuldades económicas dos pais e as dos seus filhos na idade adulta”.Neste quadro, concluem que “um indivíduo com idade entre 39 e 49 anos e com uma boa situação financeira aos 14 anos tem uma probabilidade de 5,8% de viver atualmente em privação”, um valor que se pode classificar de relativamente baixo.No entanto, se o jovem adolescente vem de um meio pobre e remediado, onde existiam sinais claro de privação material e social, a situação pode complicar-se muito quando este chegar a adulto. O estigma é grande.“Esta probabilidade [de continuar em privação] aumenta para 19,5% se a sua situação financeira na adolescência era má. Assim, a persistência intergeracional da privação material e social ascende a 13,7 pontos percentuais (p.p.)”.Ou seja, o risco desse adolescente com carências materiais e sociais ser arrastado para uma situação similar em adulto mais do que triplica.Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), uma pessoa está em privação material e social quando “vive em situação de carência por dificuldades económicas de, pelo menos, cinco de treze itens”, como por exemplo, não ter “capacidade para ter uma refeição de carne ou de peixe (ou equivalente vegetariano), pelo menos de 2 em 2 dias” ou não ter “capacidade para pagar atempadamente rendas, prestações de crédito ou despesas correntes” da sua casa.Olhando para o outro indicador, a taxa de pobreza, o estudo conclui que “um indivíduo com uma boa situação financeira aos 14 anos apresenta uma probabilidade de 12,5% de viver atualmente em risco de pobreza”.Esta fatalidade aumentará muito mais se vier de um meio pobre. “No caso de a situação financeira ter sido má [quando tinha 14 anos], essa probabilidade é de 19,2%. Conclui-se que a persistência intergeracional da pobreza ascende a 6,7 p.p.”. Ou seja, o valor absoluto deste indicador de incidência da pobreza agrava-se em mais de metade (mais de 50%).Segundo o INE, uma pessoa é considerada pobre “se tem um rendimento inferior ao limiar de pobreza, correspondendo a 60% da mediana dos rendimentos monetários da população”.Pobres mais condenados no avanço educacionalPobreza gera pobreza, mas também é um travão ao progresso educativo dos jovens que vivem em meios desfavorecidos. Idem se os seus pais têm menor nível de escolaridade. Ambos os fatores prejudicam visivelmente o futuro da geração seguinte.O estudo começa por explicar que “em primeiro lugar, a escolaridade dos pais está diretamente associada à situação financeira dos indivíduos quando tinham 14 anos”.“Quando a escolaridade máxima dos pais é o 9.º ano (68% da amostra), 34,5% dos indivíduos vivia aos 14 anos em famílias com uma situação financeira má”.Mas, “quando a educação máxima dos pais é o ensino secundário (18,4% da amostra), a percentagem de indivíduos em agregados com dificuldades financeiras reduz-se para 14,8%.”E, por fim, “no caso dos pais com ensino superior (13,5% da amostra), apenas 1,7% vivia numa má situação financeira”.No caso do legado educacional, o BdP mostra que os filhos de famílias que vivem em dificuldades terão muito menos sucesso no progresso escolar ou de ensino.“A transmissão intergeracional da educação é reforçada pelas dificuldades financeiras das famílias”, diz o estudo.“Em particular, apenas 10,9% dos indivíduos cujos pais tinham no máximo o 9.º ano de escolaridade e que viviam com dificuldades financeiras concluiu o ensino superior”.No entanto, “essa percentagem sobe para 31,1% se os pais tinham uma boa situação financeira”.Ou seja, ambas as famílias podem ter pais com o nono ano ou menos, mas se estes tiverem uma “boa situação financeira”, a taxa de sucesso dos filhos no ensino superior triplica.Por último, o BdP diz que “a situação financeira não emerge como relevante quando os pais têm o ensino superior”.Ou seja, graduados pobres e ricos tendem a proporcionar quase sempre e de forma semelhante uma boa educação (superior) aos filhos.IVA agrava desigualdades e anula boa parte da progressividade do IRS“O IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) é mais regressivo em Portugal do que na área do euro” e agrava ainda mais a desigualdade por que anula “um terço” dos efeitos benignos oferecidos pela progressividade do IRS (Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares), indica um outro estudo divulgado esta quinta-feira pelo Banco de Portugal (BdP), uma pré-publicação de parte do boletim económico de junho, que será divulgado na íntegra na sexta dia 6.Neste documento, o BdP atualizará também as previsões para a economia portuguesa.De acordo com a nova análise do banco central governado por Mário Centeno, intitulada “O IVA em Portugal e a sua incidência na distribuição de rendimento”, o IVA “é o principal imposto sobre o consumo na União Europeia” e “representa a maior fonte de receita fiscal em Portugal”.Acresce ainda que “Portugal está entre os cinco países da Zona Euro onde a receita do IVA tem mais peso na economia”.O BdP recorda que “entre 2000 e 2023, a receita do IVA em Portugal, em rácio do PIB, aumentou 1,4 pontos percentuais (p.p.), situando-se em 9% em 2023”, um aumento “particularmente marcado durante a crise da dívida soberana”.No entanto, durante todo este “período considerado, Portugal manteve-se quase sempre acima da média da área do euro, posicionando-se na última década no quartil superior de países com um rácio 1 p.p. acima da média [europeia]”.Governos IVA-dependentesO estudo do banco central indica que “esta posição relativa reflete a maior importância do consumo na estrutura da economia portuguesa (79% em Portugal que compara com 73% na área do euro em 2023) e o facto de a taxa média de IVA em Portugal ser superior à média da área do euro (13% em Portugal que compara com 12% na zona euro)”.Em 2023, o IVA tinha um peso na ordem de um quinto (20%) da receita fiscal em todos os países da área do euro, mas em Portugal esse peso rondava os 36%, “mais 3,7 pp do que a média da área do euro”, diz o Banco.Desigualdade pós-impostoA análise do BdP conclui ainda que “o IVA em Portugal distingue-se por contribuir para um aumento da desigualdade pós-imposto acima da média da área do euro, revertendo cerca de um terço do efeito redistributivo gerado pela aplicação do IRS”.“Dado que a carga fiscal do IVA é semelhante entre Portugal e a área do euro, o efeito mais acentuado na desigualdade está associado à maior regressividade do imposto em Portugal, que resulta da maior carga fiscal do IVA sobre as famílias do primeiro quintil”, ou seja, as mais pobres de todas que têm necessariamente de dedicar uma proporção do seu rendimento mensal à compra de bens essenciais, por exemplo. Isto é, o IVA penaliza sobretudo as famílias com maior propensão ao consumo. São as mais pobres.Assim, “a maior regressividade do IVA [em Portugal] não decorre de uma menor eficácia das taxas reduzidas na mitigação do efeito regressivo do imposto, mas de uma maior desigualdade na propensão a consumir em Portugal”, confirma o BdP..Paul Krugman: "Será que viriam turistas, trabalhadores remotos, investidores, se Portugal fosse fascista?".O que fica deste Governo: mais um excedente recorde, alívio fiscal, serviços públicos em crise, TAP pendurada