Patrões defendem revisão da lei laboral, mas UGT traça linha vermelha
Após meses de interregno, o diálogo tripartido que molda as políticas laborais e económicas do país regressa hoje, com as confederações patronais e as centrais sindicais a reunirem-se pela primeira vez com o Executivo liderado por Luís Montenegro, na sede do Conselho Económico e Social, em Lisboa. Além das formalidades institucionais, os parceiros ouvidos pelo DN/Dinheiro Vivo esperam tomar conhecimento das prioridades do novo Governo, assegurando ir com um “espírito negocial aberto” para o encontro. Contudo, há quem já tenha traçado “linhas vermelhas”.
Em representação dos sindicatos, Mário Mourão, secretário-geral da União Geral de Trabalhadores (UGT), garante que a central sindical terá uma “postura de concertação” na reunião de hoje, embora não acredite que dela resultem propostas concretas. Não obstante, o responsável considera que o Acordo de Médio Prazo de Melhoria dos Rendimentos dos Salários e da Competitividade - vulgo Acordo de Rendimentos - deve servir de arranque para qualquer discussão, recordando a importância dos compromissos assumidos, “mesmo tendo sido estabelecidos com o anterior Executivo”.
“Se for para melhorar, cá estaremos para contribuir, tal como fizemos com o reforço no final do ano passado. Temos total disponibilidade”, salienta Mário Mourão, referindo-se ao documento assinado pelos parceiros com assento na Comissão Permanente de Concertação Social (CPCS) a 7 de outubro - Confederação Empresarial de Portugal (CIP) e CGTP ficaram de fora -, que estabeleceu o aumento do salário mínimo nacional para os 820 euros em 2024 e a subida do referencial para o crescimento dos restantes salários dos 4,8% anteriormente previstos para os 5%. “Uma das prioridades que o Governo deve ter é o referencial para a negociação coletiva”, tendo em vista o aumento dos ordenados médios em Portugal, aponta.
Mas é sobretudo na Agenda do Trabalho Digno, que introduziu um conjunto de 70 medidas ao Código do Trabalho (CT), que se encontram os limites. Perante a intenção anunciada pelo primeiro-ministro de “revisitar” esta agenda, o secretário-geral da UGT defende que “um ano é insuficiente para avaliar o seu impacto no mercado de trabalho”, especialmente considerando que “há matérias que ainda não foram regulamentadas”.
Apesar de compreender a necessidade de adequar a legislação de acordo com o programa governamental, Mário Mourão considera que iniciativas como a flexibilização dos despedimentos não configuram “soluções para combater a precariedade laboral”.
“A UGT está disponível para debater alterações, desde que sejam para melhorar a estabilidade do mercado de trabalho”, sublinha o responsável. Quanto ao ponto anterior, é ressaltado que “qualquer acordo deve ser feito no âmbito da Concertação Social” e que a UGT não está disponível para integrar acordos feitos exclusivamente com os patrões: “Um acordo deve equilibrar as necessidades de patrões e trabalhadores.”
Do lado dos patrões, o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes, prevê um momento-chave para definir as linhas mestras do diálogo social nos próximos tempos: “A expectativa que temos [para a reunião] é de que o Governo clarifique a sua visão, bem como o papel da Concertação Social e os temas que considera prioritários.”
Contrariamente à central sindical, o líder dos patrões do comércio concorda com a revisão da Agenda do Trabalho Digno, alegando a inconstitucionalidade de algumas alterações, como a limitação do recurso ao outsourcing - esta preocupação, aliás, já tinha sido expres- sa pelas cinco entidades que integram o Conselho Nacional das Confederações Patronais (CNCP), num parecer enviado ao Presidente da República.
Outro aspeto mencionado por Vieira Lopes é a busca por áreas onde o Executivo possa ponderar um eventual acordo, visando o aumento da competitividade das empresas e o crescimento económico do país. No âmbito do Acordo de Rendimentos, o presidente revela a abertura da confederação para contribuir para um possível alargamento: “É essencial incluir medidas orientadas para o crescimento económico e para a fiscalidade das empresas.”
Já Rafael Alves Rocha, diretor-geral da CIP, diz que é premente “avançar em conjunto para recuperar o tempo perdido” durante os meses em que este ponto de encontro foi suspenso devido às eleições. “O desenvolvimento do país, o reforço da nossa capacidade para criarmos riqueza e a urgência de sermos mais competitivos neste contexto global exige a todos - Governo, sindicatos e associações patronais - genuína abertura negocial, capacidade de diálogo e total disponibilidade para juntos encontrarmos iniciativas que realmente beneficiem a vida dos portugueses”, refere.
Em vez de se estabelecerem “linhas vermelhas”, nota ainda o dirigente, a abordagem dos parceiros sociais deve ser “construtiva, cooperante e solidária”, com foco na apresentação de soluções concretas para os problemas reais que existem, tanto a nível nacional como internacional.
Alertando, por fim, para a necessidade de se evitarem “contaminações partidárias na Concertação Social”, Alves Rocha considera ser imperativo o objetivo comum de melhorar a vida dos trabalhadores e das empresas que investem em Portugal.
mariana.dias@dinheirovivo.pt