Os eurodeputados romenos Siegfried Mureşan (PPE) e Victor Negrescu (S&D) foram os relatores da proposta.
Os eurodeputados romenos Siegfried Mureşan (PPE) e Victor Negrescu (S&D) foram os relatores da proposta.Emilie Gomez | EP © European Union 2025

Parlamento Europeu aprovou extensão do prazo do PRR até 2028, mas Comissão Europeia vai rejeitar

PE aprovou por esmagadora maioria a extensão do prazo dos PRR para garantir que investimentos em curso mas atrasados sejam concluídos. Comissão não aceita resolução, para mais sendo "não vinculativa".
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Esta semana, o Parlamento Europeu (PE) aprovou por esmagadora maioria uma resolução (não vinculativa) que daria aos Planos de Recuperação e Resiliência (PRR) mais 18 meses, prolongando-lhes a vida de agosto de 2026 até fevereiro de 2028.

A medida estava desenhada para salvar projetos "maduros" em curso e outros grandes investimentos, além do referido limite oficial de agosto de 2026, altura em que termina o prazo para a execução das metas e etapas que depois abrem a porta ao recebimento dos respetivos fundos dos PRR, às subvenções e aos empréstimos (a serem pagos até dezembro de 2026).

Problema: a Comissão Europeia (CE) – que tem a tutela dos PRR e foi a autora, em 2021, destes programas de fundos europeus para ajudar os países a combater os efeitos destruidores da pandemia – está liminarmente contra qualquer alteração às regras dos PRR neste ponto do tempo, isto é, quando falta pouco mais de um ano para o prazo final.

Fonte oficial da CE explica que reprogramar, simplificar e rearranjar metas e etapas ao nível do PRR até pode ser, e está a acontecer, mas alterar as datas e os prazos combinados nem pensar.

"Não pode ser", tal obrigaria à "alteração" de vários regulamentos, além de uma aprovação "por unanimidade" no Conselho Europeu e de uma série de ratificações por parte de Parlamentos nacionais, riposta o italiano Raffaele Fitto, um dos cinco vice-presidentes da Comissão, que tem a tutela direta dos fundos europeus (coesão e reformas).

Portugal (a maioria dos outros países também, porque o atraso na execução é generalizado, segundo consta) teria bastante a ganhar com uma flexibilização desta magnitude como a que passou no Parlamento, em Estrasburgo, na quarta-feira passada.

O PRR arrancou em julho de 2021 e acaba em agosto do próximo ano, pelo que decorreu já 80% do período do programa.

No entanto, o progresso tem sido lento e difícil. Até agora, o país cumpriu apenas pouco mais de 50% das metas e etapas combinadas (nem é dos piores casos, a UE como um todo só cumpriu em média 30% das metas) e os beneficiários finais receberam apenas 35% das verbas destinadas a Portugal, no valor de 22 mil milhões de euros, revelou este mês a Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR (CNA-PRR).

Como referido, o problema não é só português pelo que os eurodeputados aprovaram o quadro que permite "alargar o período de financiamento da recuperação da UE para além de 2026", uma forma de "assegurar a conclusão dos principais investimentos e projetos de grande escala", atualmente e cada vez mais em dúvida.

A resolução do plenário passou com "421 votos a favor, 180 votos contra e 55 abstenções", salientando "o efeito estabilizador do MRR - Mecanismo de Recuperação e Resiliência [o fundo que financia os PRR] num momento de grande incerteza económica".

O eurodeputado romeno Siegfried Mureşan, do Partido Popular Europeu, que é correlator da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários, explica que, para os PRR darem os frutos "tangíveis" de que se fala, o Parlamento aprovou uma "prorrogação de 18 meses para os projetos maduros", em custo e em fase mais avançada, por exemplo.

"Esta prorrogação aplicar-se-ia a projetos em vias de conclusão com êxito". Ao mesmo tempo, "apelamos a uma revisão da forma como os fundos não utilizados do MRR podem apoiar as novas prioridades estratégicas da Europa, nomeadamente o reforço da competitividade e das nossas capacidades de defesa".

Os deputados dizem ainda que "estão preocupados" com o facto de o curto prazo para a execução do financiamento pendente" colocar em perigo "a conclusão das principais reformas, os investimentos de grande escala e os projetos inovadores, bem como aos marcos e metas que ainda têm de ser alcançados, que correspondem a 70%".

Assim, além de mais tempo, os parlamentares pedem à Comissão para "criar novos programas, que devem ser flexíveis e reativos à evolução das circunstâncias".

Victor Negrescu, também romeno, mas do grupo dos socialistas europeus (S&D) e relator da proposta do bloco central do PE, alerta que "os investimentos críticos correm o risco de ficar por concluir após o termo do mecanismo, em agosto de 2026".

A proposta ganhadora permitirá "acelerar a execução, reduzir a burocracia e ajudar os beneficiários".

Além da "prorrogação de 18 meses do financiamento de projetos maduros", "os projetos inacabados devem prosseguir ao abrigo de outros instrumentos da UE, como os fundos de coesão, o InvestEU ou um futuro Fundo de Competitividade".

Além disso, "os Estados-Membros devem ser autorizados a ajustar os planos nacionais de recuperação e resiliência de forma mais rápida e fácil".

Na quarta, também foi a votação a proposta de João Oliveira, deputado do PCP no Parlamento Europeu. Era mais ambiciosa do que a do S&D-PPE pois aumentava a extensão do prazo para utilização dos fundos em dois anos em vez de ano e meio, até agosto de 2028. Foi chumbada no PE com a ajuda dos eurodeputados portugueses do PS, PSD, CDS e IL, enquanto os do Chega abstiveram-se, contou João Oliveira, que lamentou o sucedido.

"33% das medidas previstas no PRR português estão em estado crítico ou preocupante, em áreas tão importantes como habitação ou saúde", acrescenta o comunista.

A extensão do prazo até agosto de 2028 era a que "melhor defendia o interesse do nosso país, garantindo que o Governo português pudesse utilizar os fundos do PRR por mais dois anos" em vez de mais 18 meses para apenas projetos considerados "maduros", um conceito vago que gera "arbitrariedade e incerteza", critica o deputado português.

Comissão arrasa com iniciativa do PE

Várias fontes bem colocadas nas instituições europeias consideram que a iniciativa do PE podia ter feito sentido há um ano, não agora quando faltam 13 meses para acabar o PRR.

É pouco tempo para se poder alterar vários quadros complexos de regras e regulamentos e mexer em prazos definidos há já muito tempo.

É mais "fogo de vista", o PE a querer mostrar que está vivo mas sem consequência alguma porque estas resoluções "não são vinculativas", critica uma das fontes ouvidas. A iniciativa "peca por tardia".

Em todo o caso, se agora a CE afasta totalmente mexidas no âmago do PRR, mais à frente, eventualmente na primavera do ano que vem, quando a "guilhotina" dos fundos começar a cair, impendido os países de aceder a mais verbas e reativando a indignação de políticos e empresários nacionais, pode acontecer que haja uma flexibilização final. "Mas não apostaria muito nisso", diz outro interveniente político sediado em Bruxelas.

Balde de água gelada

Como referido, quem baixou a fasquia mesmo foi a Comissão Europeia. O balde de água gelada veio do vice-presidente Raffaele Fitto.

"A Comissão toma nota do apelo para uma prorrogação de 18 meses do prazo para projetos maduros ao abrigo do MRR", mas o regulamento "é explícito quanto à conclusão de todas as etapas e metas até final de agosto de 2026 e à realização dos últimos pagamentos e respetivos empréstimos até final de dezembro de 2026".

Para o correligionário do partido ultra-nacionalista e conservador Irmãos de Itália (a força política liderada pela primeira-ministra italiana Georgia Meloni), "estes prazos não podem ser mudados sem uma alteração do regulamento do MRR, do EURI (Instrumento de Recuperação da União Europeia) e da decisão relativa aos recursos próprios".

"Como sabem, esta última requer unanimidade no Conselho e ratificação por vários parlamentos nacionais".

É problemática, um saco de gatos, como se diz em português, pois é a que mexe diretamente no dinheiro que os países têm por no orçamento geral da UE.

Como se sabe, hoje há muitos governos eurocéticos ou até hostis à ideia de União Europeia, como é o caso de Itália, Eslováquia, Hungria.

Mexer nas regras dos "recursos próprios" seria força a barra, dar mais tempo aos devedores para pagar empréstimos ou pedir mais tempo para financiar este orçamento geral da UE com as suas contribuições anuais. Podia gerar mau ambiente.

Limite mantém-se, os governos que se adaptem

Fitto sabe disso e avisa os Estados-Membros que, em vez de fantasiarem com dilatações de prazos que não vão acontecer, devem é "rever os seus planos o mais rapidamente possível, a fim de manterem apenas as medidas que possam ser implementadas até ao final de agosto de 2026". "As medidas que não possam ser implementadas devem ser substituídas".

O alto responsável pela política da coesão lembra que os Estados-Membros podem, em alternativa, explorar várias opções, "incluindo a ampliação de medidas bem-sucedidas, o financiamento de projetos críticos que tenham recebido o selo STEP [Plataforma de Tecnologias Estratégias para a Europa], a transferência de fundos para o InvestEU ou para programas da UE para comunicações por satélite".

Além disso, os governos "também podem dividir os projetos do PRR de forma a garantir que os elementos que já não são exequíveis até agosto de 2026 possam ser financiados por fundos nacionais ou, se elegíveis, por outros fundos da UE com um prazo mais longo, como a política de coesão". Foi o que aconteceu com as obras do Metro do Porto, por exemplo.

"Se os planos forem simplificados e revistos rapidamente, estamos confiantes de que o PRR alcançará os objetivos dentro dos prazos estabelecidos", diz o responsável da CE.

Portugal já está a deixar cair investimentos do PRR

Por cá, a Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR (CNA-PRR), presidida por Pedro Dominguinhos, notou muito recentemente que, no âmbito da reprogramação do Plano (algo que acontece em muitos países da União Europeia) Portugal (o governo) optou pela a "retirada de vários investimentos ou sub-investimentos cuja execução se revelava impossível de concretizar".

São eles, "o Empreendimento de Fins Múltiplos do Crato, a Linha Violeta (Loures-Odivelas) do Metropolitano de Lisboa, a Tomada de Água do Pomarão, a Dessalinizadora do Algarve, bem como [a ampliação] do edifício do Centro Científico e Tecnológico da Madeira (CITMA) e o investimento em navios de transporte de passageiros e veículos na Região Autónoma dos Açores", elenca a CNA.

Além disso, refere uma "redução de ambição em alguns investimentos, como o projeto da Habitação a Custos Acessíveis, a linha BRT Braga, os Vouchers para Startups, o projeto Coaching 4.0, a Rede Nacional de Test Beds e os Digital Innovation Hubs (entre outros)", acrescentam os avaliadores.

A desistência ou a redenominação das fontes de financiamento (veja-se o caso da Linha Violeta, no Porto, obra que continua a andar, mas que fora tirada do PRR, passando a ser financiada por fundos europeus clássicos por serem mais fáceis de aceder e executar no tempo) reflete-se, claro está, numa série de indicadores e sinais que mostram claramente que o PRR português continua bastante atrasado e muitos investimentos em risco, alguns até em estado "crítico".

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