A ferrovia continua a padecer de falta de velocidade e de boas ligações transfronteiriças, bem como de subinvestimento, apesar de ser o meio de transporte mais eficiente e ecológico, conclui um relatório da Transport & Environment, que faz um ponto de situação sobre o estado da ferrovia na União Europeia. O estudo, publicado esta terça-feira, refere que o comboio é usado por 7% da população europeia, mas só pesa 0,4% na pegada carbónica do setor. O relatório aponta ainda um atraso na eletrificação da infraestrutura, que ainda está a 50%, e estima a necessidade de um investimento de 515 mil milhões de euros para construir a rede europeia até 2030, que deverá assumir os 160 km/h como referencial médio de velocidade.A falta de conexões de qualidade entre Portugal, Espanha e França está mesmo a atrasar a transição energética que muitas empresas querem fazer, trocando as suas viagens de negócios e os fretes de avião pelo comboio. Por isso, um grupo de associações empresariais lançou há dias uma carta a apelar aos governos de Portugal, Espanha e França para melhorarem as suas ligações, visto que o comboio pode poupar em mais de 90% as emissões de gases com efeito de estufa em alguns percursos. À dianteira da iniciativa estão entidades como a IBTA _Associação Ibérica de Viagens de Negócio ou a GBTA _ Global Bussiness Travel Association e a Transfesa Logistics, que pedem aos governos um reforço do investimento na interconetividade ferroviária. “A falta de competitividade nas ligações internacionais entre França, Espanha e Portugal dificulta os esforços que as empresas que operam nesses países estão e querem fazer para voarem menos e usarem meios de transporte menos poluentes como o comboio”, alegam aquelas associações. Consideram que uma melhoria nas ligações “vai reduzir custos e tempos de viagem, aumentar a confiança e a competitividade das nossas indústrias e reduzir a pegada carbónica”. Esse é aliás o espírito do Clean Industrial Deal, sendo que o famoso relatório Draghi defendia a aposta na ferrovia e nas viagens nocturnas entre a UE como parte da visão estratégica para a Europa, no campo da mobilidade e sustentabilidade.O apelo surge numa altura em que sucedem vários atrasos, sabendo-se, por exemplo, que Portugal “não vai ter seções-chave da ligação Madrid- Lisboa antes de 2030, como a de Lisboa-Évora”. No corredor do Mediterrâneo, “a ligação Madrid-Lisbon no troço entre Talayuela e Toledo ainda está dependente de estudos, sendo a sua conclusão inviável antes de 2030”. O governo da AD manteve a intenção de fazer as suas ligações em bitola ibérica. Recentemente foi também cancelada a reabertura da rota Barcelona-Toulouse, enquanto novos serviços da Renfe na França estão em risco, devido a atrasos na aprovação da ligação a Paris.“Pedimos concretamente que avancem na implementação dos corredores TEN-T e acelerem as conexões internacionais para ajudar as empresas a trocar o avião pelo comboio”.Bruxelas quer avançar para um sistema único de regulação de reservas e de bilhética transfronteiriça e multi-operador. Mas, apesar do regulamento TEN-T (Trans-European Transport Network) estipular que até 2030 os principais troços dos corredores atlântico e mediterrânico devem estar concluídos, verificam-se atrasos significativos nos três países. Por outro lado, “todos os serviços noturnos entre os três países foram eliminados, incluindo as únicas ligações diretas entre Madrid e Paris e Madrid-Lisboa, ao passo que as ligações diurnas permanecem escassas”, lamentam ainda os signatários da carta.Se uma das razões para os atrasos são as barreiras de interoperabilidade, como as diferentes bitolas e incompatibilidades de sinalética, hoje há passos que já podiam ser dados para melhorar os serviços. “Um exemplo é o facto de um bilhete do Porto para Vigo não poder ser comprado no website da CP, apesar da ligação ser conjuntamente operada com a Renfe, forçando os utentes a usar um site que não está disponível em português. Não deveria ser necessário esperar até à regulação do single digital booking and ticketing para resolver isto”, consideram aquelas organizações.Velocidade média baixaSegundo as conclusões do relatório, apenas menos de 20% dos corredores TEN- T estão equipados com o sistema europeu de controle ferroviário (ETCS), o que “é essencial para permitir que os comboios atravessem as fronteiras com maior segurança, capacidade e fiabilidade”.Outra conclusão relevante é que a velocidade média continua baixa, com seis países, entre os quais Portugal, com uma velocidade média de apenas 80 km/h na maioria das suas linhas, muito abaixo da meta de 160 km/h para as linhas TEN-T. O relatório indica ainda que apenas metade da rede ferroviária europeia se encontra eletrificada, apesar de esta modalidade ser a mais fiável e menos poluente em termos de emissões e de ruído e apesar de anualmente se gastarem cerca de 40 mil milhões no setor a nível europeu.O relatório da T&E recomenda que, tendo em conta os elevados milhões que Bruxelas pretende disponibilizar para as ligações transfronteiriças e a rede de alta velocidade, devem priorizar-se os investimentos na modernização da infraestrutura existente em vez de optar por novos megaprojetos. O investimento na ferrovia manteve-se praticamente na mesma entre 2015 e 2020, se descontada a inflação, nos 41,8 mil milhões de euros e daquele valor só 20% foi alocado a novas infraestruturas. A Comissão Europeia estima que completar a rede custe 515 mil milhões até 2030, sendo que para 2040 esse valor subirá para 850 mil milhões de euros. .Ferrovia. Dilema sobre bitola arrisca atrasar alta velocidade.Carlos Vasconcelos: “Numa terceira travessia sobre o Tejo, seria um crime se não tivesse ferrovia”