O rumo imprevisível, mas agressivo, do governo dos Estados Unidos na ameaça e na imposição de tarifas alfandegárias elevadíssimas, espoletou já uma guerra comercial (com a China a ser o alvo principal) e esta deve alastrar a outros países e territórios, agigantando a sombra de uma crise financeira global e grave, que depois, como se sabe, contagiará a economia real, o consumo, o investimento e o emprego, alertam vários observadores e responsáveis, como economistas, políticos, empresários e gestores bilionários, coro a que se juntou o Fundo Monetário Internacional (FMI), esta segunda-feira.“Os riscos geopolíticos globais estão elevados, o que suscita preocupação quanto ao potencial impacto na estabilidade económica e financeira”, avisam Salih Fendoglu, Mahvash Qureshi e Felix Suntheim, três economistas do FMI que assinam um novo estudo pré-publicado, ontem (segunda-feira), que integrará o Relatório sobre a Estabilidade Financeira Global, a divulgar na próxima semana, em Washington, nas reuniões da primavera da instituição liderada por Kristalina Georgieva.Os autores afirmam que choques desta grande magnitude, “como guerras, tensões diplomáticas ou terrorismo perturbam o comércio e o investimento transfronteiriços”, tendem a “prejudicar os preços dos ativos, as instituições financeiras e a reduzir empréstimos ao setor privado”, algo que “pesa sobre a atividade económica e constitui uma ameaça para a estabilidade financeira”.Segundo esta equipa do Fundo, neste ambiente, “os investidores têm dificuldade em avaliar riscos devido à sua natureza única, à sua ocorrência rara e à duração e ao âmbito incertos”. “Pode levar a reações acentuadas do mercado quando os choques geopolíticos se materializam”.Recorde-se que Donald Trump, o Presidente dos Estados Unidos, ameaçou ao longo das últimas semanas com tarifas pesadas sobre quase todos os países do globo.Sobre a China, a carga é brutal. A tarifa global sobre os exportadores chineses para os EUA já vai em 145%.Sobre a União Europeia (UE), o plano é subir a barreira até 20%, sendo que o aço e o alumínio já não escapam a uma taxa de 25% decretada e ativada em março. Entretanto, Trump entrou em compasso de espera de três meses para concretizar o ataque prometido aos exportadores da Europa.Vários analistas dizem que Trump se terá assustado com a reação muito negativa das bolsas e de muitos potenciais investidores no seu próprio país, a que se juntou um agravamento significativo do custo da dívida norte-americana (taxa de juro das obrigações).Os EUA são um país extremamente endividado. Por exemplo, o peso da dívida pública supera 120% do PIB, um nível que seria ilegal e proibitivo na zona euro.Assim, dizem, Trump optou por fazer uma pausa no avanço das “tarifas recíprocas”, por 90 dias (até julho), prometendo até exceções às compras de computadores e semicondutores feitos na China.A moratória também se estendeu à UE que, em resposta, decidiu esperar até meados de julho e, entretanto, tentar negociar um “bom acordo” com os EUA, o seu maior parceiro comercial. Não avançou com 20%, mas a tarifa de base de 10%, o valor mínimo onde Trump pode querer estacionar depois das negociações, já está em vigor."À beira do colapso em larga escala"Mas o quadro global está mau porque, apesar de muitas das tarifas brandidas por Trump ainda não serem efetivas, a ameaça é dominante e “o mal está feito”, por isso mesmo. Há imensos relatos de suspensão de encomendas por parte dos americanos aos europeus. A incerteza grassa.Jesper Rangvid, professor de Finanças na Copenhagen Business School, está bastante pessimista. “Os EUA podem estar à beira de um colapso financeiro em larga escala”, defende no seu blog.Para o economista, “assistimos a um colapso do mercado acionista, mas a turbulência estendeu-se muito para além das ações” pois “todos os ativos de risco caíram a pique - os spreads de crédito aumentaram, o índice VIX disparou e as medidas de incerteza económica e política aumentaram”.Pior: Rangvid repara que “o dólar enfraqueceu”. Para o professor, “tipicamente, em tempos de crise, os investidores procuram refúgios seguros, como os títulos do Tesouro dos EUA, aumentando a procura de dólares para comprar esses títulos e, consequentemente, fortalecendo a moeda”.Desta vez, foi o contrário. “O dólar caiu a pique. Uma perda de confiança dos investidores durante uma crise é a última coisa que se quer - e, no entanto, foi precisamente isso que aconteceu”, avisa o economista dinamarquês.Pior: as taxas de juro soberanas dos EUA “registaram, em três dias, a maior subida desde 2001, ou seja, pior ainda do que durante a Crise Financeira Global, o que é um sinal muito preocupante da falta de confiança nos EUA, e visto em conjunto, estes movimentos de mercado indicam que os EUA podem estar à beira de um colapso financeiro em larga escala”.Paul Krugman, o conhecido professor de Economia nos EUA, partilha exatamente da mesma opinião.Ontem (segunda-feira), na sua conta no Substack, o Nobel da Economia, referiu que “a semana passada foi assustadora nos mercados financeiros dos Estados Unidos, mas o perigo pode não ter passado”.“Não estou a falar dos mercados acionistas, cujas flutuações muitas vezes não nos dizem nada. O que me deixou a mim e a outros inquietos foi a evolução dos mercados de obrigações e de divisas. As taxas de juro da dívida pública de longo prazo subiram acentuadamente, mesmo quando a perceção do risco de uma recessão, que normalmente faz baixar as taxas, aumentou. E o dólar desceu em relação a outras moedas, apesar de as taxas de juro terem subido”, explicou o professor.Para Krugman, estes movimentos “não são normais para um país avançado como os Estados Unidos”. “Eu e muitos outros perguntamo-nos agora se não estaremos na primeira fase de uma crise financeira nos EUA”, acenou o economista.Alguns dos maiores falam: o hedge fund e a Alemanha“Neste momento, estamos num ponto de decisão e muito perto de uma recessão”, lamentou Ray Dalio, bilionário e fundador do Bridgewater, um dos maiores fundos de investimento de alto risco (hedge fund), em entrevista à NBC, no domingo. “E estou preocupado com algo pior do que uma recessão se isto não for bem gerido”.O chanceler eleito da Alemanha, Friedrich Merz, está no mesmo barco. “A próxima crise financeira está a chegar, só não sabemos quando e porquê”, declarou em entrevista ao jornal Handelsblatt..Guerra das tarifas: pressão sobre iPhones aliviada, e um futuro que continua incerto.Exportações ainda crescem e será nos números de março que se esperam os efeitos das tarifas