Maria Luís recorda "tempos negros e de sofrimento" de Portugal para conseguir chegar a comissária

Ter vivido e sido governante nos "tempos negros" e de "sofrimento" que Portugal e os portugueses viveram entre 2011 e 2014, os anos do programa de ajustamento da troika e do governo PSD-CDS, em que Maria Luís Albuquerque ocupou os cargos de secretária de Estado do Tesouro e depois de ministra das Finanças, é um dos trunfos em termos de experiência profissional que está a ser usado pela comissária europeia já indigitada para tutelar a área dos Serviços Financeiros e da União da Poupança e dos Investimentos no sentido de convencer os parlamentares a dar-lhe a aprovação final que lhe falta para assumir o cargo de topo no executivo comunitário.

Na audição de confirmação que decorre no PE, esta quarta-feira, em Bruxelas, a antiga governante do governo PSD-CDS, de Pedro Passos Coelho, Albuquerque disse que "da minha formação, gostaria de destacar o meu período como ministra das Finanças, uma vez que coincidiu com a crise económica mais profunda que a União Europeia alguma vez viu".

"Como se recordarão, os impactos da Grande Crise Financeira e da subsequente crise da Zona Euro foram particularmente duros no meu país natal", recordou a antiga ministra que desta vez não acusou o PS e a governação do então primeiro-ministro, José Sócrates, como os principais responsáveis pela bancarrota e os impactos "duros" que se seguiram, como a subida em flecha do desemprego, os cortes de salários e pensões, a liberalização dos despedimentos, a redução das indemnizações por despedimento, dos dias de férias dos trabalhadores e dos valores do subsídio de desemprego, bem como a redução na disponibilidade e na qualidade de inúmeros serviços públicos essenciais.

"Lembro-me das negociações intensas e difíceis no meu país e aqui em Bruxelas - e das decisões muito difíceis que tivemos de tomar", acrescentou a eventual futura comissária para a banca e os mercados de capitais", acrescentou.

Na sala da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários (ECON) do PE, repleta com eurodeputados e jornalistas, a antiga gestora do fundo privado Arrow e até há bem pouco tempo administradora do banco global Morgan Stanley Europe insistiu nas más recordações sobre os famigerados tempos e disse estar "profundamente consciente da dimensão do sofrimento de muitas pessoas em Portugal, e em toda a UE, durante aqueles anos difíceis".

Mas isso, referiu Albuquerque, é hoje como um trunfo para poder ter a confirmação parlamentar da Europa e finalmente abraçar a tutela dos serviços financeiros. "Aprendi uma lição essencial desses tempos negros: a estabilidade financeira será sempre o pré-requisito para uma economia forte e competitiva, que sirva os seus cidadãos e a sua prosperidade"

"É por isso que, senhores deputados, a confirmar-se, a minha principal âncora será a estabilidade e a integridade do nosso sistema financeiro."

O roteiro de Albuquerque em Bruxelas

De resto, nesta audição, cuja duração prevista é de três horas, Maria Luís Albuquerque defendeu que "a carteira de serviços financeiros, como todas as outras, deve ser vista no contexto dos tempos em que vivemos" e que o contexto atual é de novas e altas "incertezas elevadas" e "ameaças".

Para a candidata, "não há dúvida de que a economia da UE está a ficar cada vez mais atrasada em termos da sua competitividade global".

"Receio que, sem uma ação decisiva, a Europa perca a capacidade de decidir o seu próprio futuro e de cumprir as promessas de crescimento, emprego e prosperidade que fizemos aos nossos cidadãos".

Mas insistiu, "se me derem o vosso apoio, senhores deputados, trabalharei convosco para definir e implementar a União de Poupança e Investimentos, tal como a Presidente von der Leyen me pediu".

"Para concretizar a União de Poupança e Investimento, temos de impulsionar a procura através de uma maior participação retalhista, melhorar a eficácia, mas ainda assim facilitar a harmonização específica das leis, remover barreiras a uma consolidação orientada para o mercado e considerar como a supervisão transfronteiriça pode ser tornada mais coerente".

Além disso, Albuquerque promete trabalhar para "um ambiente melhorado para investimentos institucionais, de retalho e transfronteiriços, aprofundando o mercado único de capitais, nomeadamente de capitais próprios, com destaque para as empresas em fase de crescimento e expansão", bem como para "melhores oportunidades para os cidadãos da UE aumentarem a sua riqueza de forma segura e sólida".

Outro aspeto relevado pela antiga ministra é que "devemos continuar a combater o crime financeiro, especialmente o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, tanto na UE como a nível internacional, nomeadamente com o lançamento da AMLA como Autoridade da UE", sublinhando que "crucial, diria eu, é a aplicação da política de sanções". "Temos de garantir que as sanções da UE são eficazes e que as vias de evasão são encerradas."

* Em Bruxelas. O jornalista viajou a convite do Parlamento Europeu.