“A mexida no IRC é um sinal importante para a atividade económica", considera o fiscalista, acrescentado: "É importante que o seja com o voto do Partido Socialista. Já aconteceu, já tivemos um acordo.&amp
“A mexida no IRC é um sinal importante para a atividade económica", considera o fiscalista, acrescentado: "É importante que o seja com o voto do Partido Socialista. Já aconteceu, já tivemos um acordo.&FOTO: Leonardo Negrão

Luís Leon: “Sucessão de regimes fiscais transitórios está a emperrar a máquina fiscal” 

Fiscalista critica falta de entendimento político em áreas estruturantes para o país. Em matéria fiscal, considera que o IRS Jovem do Governo poderá atrair mais jovens do estrangeiro para Portugal do que fixar talentos em território nacional.
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Especialista em fiscalidade e cofundador da consultora Ilya diz que tem declarações de IRS que foram submetidas em junho à Autoridade Tributária, e que nesta altura ainda estão por validar. 

O que é que gostaria de ver no Orçamento do Estado para 2025?
Primeiro gostaria de ver um Orçamento do Estado aprovado. Era importante para o país. Era importante os dois principais partidos políticos portugueses deixarem-se de politiquices e se porem, de facto, a tratar de gerir os temas do país. E os temas do país passam por uma expressão atribuída a Vítor Gaspar na altura da troika, que é o “não há dinheiro”. E a única forma de o país ter dinheiro é através da atração de investimento. Ponto. Capitalização de investimento português em Portugal e atração de investimento estrangeiro, de grandes negócios em Portugal, que é uma coisa que não conseguimos criar. Isto implica acordos à séria em matéria de justiça, e não estou a falar do regime das buscas, estou a falar de eficiência dos tribunais, celeridade do processo de decisão e de execução de sentenças, que é aquilo que interessa ao cidadão comum e ao empresário que quer receber o dinheiro da encomenda que entregou e que o cliente não lhe pagou. Esse é crítico do ponto de vista de uma cultura  de criação de riqueza, que é uma coisa que o país só tem no que diz respeito ao futebol. No futebol, o país é liberal. No futebol, o país acha que o jogador melhor tem de ser muito bem pago. Ninguém discute se o ponta-de-lança do Benfica, do Sporting ou do Porto ganha 20 vezes ou 30 vezes mais do que o senhor que corta a relva. Mas se for o CEO da Jerónimo Martins, já toda a gente gosta de discutir. É preciso mudar isto no país, acabar com a cultura do pobre, mas honrado. Porque pobreza e honra não têm nada a ver uma coisa com a outra.

Numa perspetiva de mais curto prazo, para o próximo ano, e voltando ao Orçamento, há alguma coisa específica em matéria fiscal? 
Em matéria fiscal, olhando para o tema do IRS - há coisas que não passam pelo Orçamento - é a implementação, finalmente, do regime que está em vigor desde o dia 1 de janeiro deste ano, do incentivo fiscal para quem vem para Portugal para trabalhar nas áreas de inovação e desenvolvimento, que veio substituir o do residente não habitual e, portanto, neste momento, não temos nenhum. Temos o RNH no regime transitório de quem já tinha iniciado o processo no ano passado, e que só o concretiza este ano, mas para tudo o que não é a União Europeia, os processos na Agência das Migrações estão um caos. Portanto, pessoas que até gostariam de vir para Portugal este ano não vão conseguir, porque não vão ter os processos fechados. Seria interessante o Orçamento do Estado ter, por exemplo, uma prorrogação disto para o próximo ano. Aliás, diria que não era para o próximo ano, era ter uma prorrogação sem tempo a dizer que as pessoas que iniciaram o seu processo em 2023 poderão vir ao abrigo do regime do residente não habitual quando tiverem a sua autorização de residência emitida, seja isso quando for. Seria importante, não só do ponto de vista de ser justo para as pessoas que começaram em 2023, e algumas que começaram os processos em 2022 e 2021, que não têm autorizações de residência ainda emitidas, principalmente os processos por investimento, e da imagem que o país dá de ser um país  que oferece o regime por um lado e depois, por incompetência dos serviços, lhe retira por outro. Também acho que o Governo devia fazer um mea culpa no tema da poupança e repensar a sua estratégia, porque aquilo que foi criado não é estimular a poupança.

O que está mal?
Com este regime que o PSD criou agora, que já está em vigor, perco dinheiro e pago impostos. Porque invisto, por exemplo, em ações de uma determinada empresa. Sob os dividendos que recebo dessa empresa, pago 28%. Se a empresa descer em termos de valor de mercado, ou abaixo do valor dos lucros que recebi, meti 100, tirei 98 e paguei imposto sobre dividendos. Perdi dinheiro e o Estado ganhou dinheiro, apesar de eu ter perdido. E depois dizemos que isto é incentivo à poupança. Não é. Portanto, gostava muito que fosse introduzido, de facto, na lei fiscal, um verdadeiro instrumento de poupança.

E uma descida do IRC, deve estar no Orçamento? 
É importante o sinal para a atividade económica, a mexida no IRC. É importante que o seja com o voto do Partido Socialista, valendo o que vale. Já aconteceu, já tivemos um acordo, e um acordo estrutural. Aliás, na altura, a comissão foi presidida por António Lobo Xavier, e fez uma reforma do IRC alargada, discutida, técnica, com apoio do CDS, do PSD e do Partido Socialista. Isto já existiu. E rasgámos o acordo dois anos depois. E, portanto, dizemos agora que vamos fazê-lo. Pois, mas vamos fazê-lo e não vai ser eficaz em 2025. Não vai. Porquê? Porque os empresários vão esperar para ver. É um ver para crer. E o ver para crer não é seis meses, é uma década.

Qual é a melhor abordagem? É a do Governo, de baixar o IRC de forma transversal, ou do PS, que quer benefícios fiscais seletivos?
Não sinto que os dois principais partidos sejam tão diferentes na substância. A vantagem de haver benefícios fiscais é, apenas e só, a de haver certos setores da sociedade, nomeadamente a classe política, que podem condicionar a quem dão os benefícios. Enquanto eliminando benefícios fiscais setoriais, reduzindo as taxas, deixamos uma maior liberdade aos agentes económicos para decidir o que querem fazer, como querem fazer e quando querem fazer. Temos a taxa marginal de IRC das mais elevadas da OCDE. Dir-me-ão: está bem, mas é só para as grandes empresas. Quais são as que quero em Portugal? Quais são as empresas capazes de pagar salários de dois, três, quatro, cinco, seis mil euros brutos por mês? É a Dona Maria Isabel cabeleireira da esquina, ou é conseguir trazer a Google para Portugal? Quando olhamos para a lista dos países com critérios, quem está sentado em Nova Iorque a tomar uma decisão, uma das coisas para que olha é a taxa marginal, e Portugal tem 31,5%.

A descida do imposto para as empresas é fundamental para atrair investimento?
A descida do IRC é importante para ficarmos na lista dos países para investimento. E apelo à memória coletiva: em 2014, vários colegas seus perguntaram-me qual era a minha opinião sobre a reforma do IRC que estava a ser desenhada durante a troika. E a minha resposta foi sempre: “Pergunte-me daqui a 10 anos." Durou dois anos, depois de um acordo de regime entre o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata. Hoje para o Partido Socialista parece que é tabu mexer no IRC. E em 2014 o contexto histórico era pior, porque estávamos num período de ajustamento. Tínhamos tido um colossal aumento de impostos, segundo o próprio ministro das Finanças, Vítor Gaspar, que tirou um mês de ordenado líquido aos que pagam o imposto. Com 3,5 pontos de aumento nas taxas de IRS e uma sobretaxa acima, mais ou menos, dos 17 mil euros.

Luís Léon, que além de fiscalista é cofundador da consultora Ilya, entende que as jogadas políticas devem passar para segundo plano face à aprovação do Orçamento e que medidas como o IRS Jovem poderão atrair jovens talentos ao país, mas não impedirão os portugueses de ir ganhar melhor lá para fora. FOTO: Leonardo Negrão

Já recuperámos esse mês perdido no IRS?
Depende dos portugueses a quem se está a referir. Alguns portugueses recuperaram metade desse mês perdido, outros recuperaram um pouco mais de metade. Nenhum recuperou a totalidade ainda. Porquê? Porque congelámos a dedução específica aplicável aos rendimentos de trabalho e de pensões em 2009 e agora atualizámo-la por um valor irrisório. Quem são os portugueses que estão a aguentar o IRS desde a troika? Quem são? São os que têm rendimentos acima da média nacional, sendo que a classe média em Portugal começa com 1500 euros brutos e estes são os que estão a pagar a austeridade que não se foi embora. Criámos durante a troika a taxa adicional de solidariedade a partir dos 80 mil euros, já lá vão praticamente 12 anos, e esse limite nunca foi ajustado para cima em função das taxas de inflação. E estamos a falar de quem? Estamos a falar da mão-de-obra mais qualificada do país. Dos neurocirurgiões, dos engenheiros, dos arquitetos. Então, mas não queremos que as pessoas mais qualificadas do país, que maior valor acrescentam à economia, sintam algum alívio daquilo que já lá vem desde há 12 anos? Então vamos aliviar quem? E isso tem sido a estratégia muito adotada desde 2016, que é aliviar o imposto a quem não o paga.

Nem a proposta de descida do IRS do PS, que vingou, nem a do Governo chegam para repor a situação pré-troika?
Como fiscalista considero que é lamentável, profundamente lamentável, que os dois principais partidos portugueses não se tenham entendido por causa de 50 cêntimos. Para alguns dos escalões mais baixos, estávamos a discutir um café por mês. E depende do sítio do café. O que assistimos entre o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata a propósito das tabelas finais do IRS foi política no seu pior, que foi o resultado das eleições de março e cada um a tentar puxar para si a aprovação da redução do IRS, querendo o PS poder dizer que foram eles que reduziram os 1,5 mil milhões de euros, porque já tinham sido os 1,2 mil milhões que vinham de António Costa, mais os 300 que reduziram agora. Porque, na verdade, as diferenças não eram extraordinárias, não eram colossais.

E o IRS Jovem deste Governo impediria os jovens qualificados de emigrar?
Tenho sérias dúvidas de que o IRS Jovem deste Governo seja constitucional. Tenho sérias dúvidas que possa haver uma progressividade de imposto diferente com base na idade do contribuinte. Tenho dúvidas, não tenho certezas, tenho dúvidas. Gostaria de ouvir constitucionalistas sobre o tema.

É possível haver uma “modulação” da medida que satisfaça ambos os partidos nesta questão? Que forma poderia assumir?
Na teoria tudo é possível. Não me parece é que seja desejável. O PSD está a pegar numa ideia original do Partido Socialista e a querer alargá-la para ser um benefício maior. Acho que tem maior potencial de atração de jovens do estrangeiro para Portugal, sobretudo depois do fim do nosso regime de residente não habitual, do que propriamente de fixação dos jovens em Portugal. Porquê? Porque para os jovens que estão em Portugal, o maior desafio que têm, para um aluno que sai do Técnico é ir trabalhar como engenheiro civil e conseguir descolar dos mil euros brutos por mês. Esse é o maior problema que ele tem. Não é tanto sair do Técnico, ganha cinco mil euros brutos e o IRS sobre esses cinco mil é muito grande.

Quando diz que não lhe parece desejável, está a aludir ao problema da complexidade e estabilidade fiscal em Portugal? 
Vou dar um exemplo muito simples. A comunicação social daqui a menos de um mês vai-nos pedir simulações de IRS para 2025 e provavelmente os consultores fiscais todos vão dizer que não as conseguem fazer. Não temos tabelas, porque este ano alguém resolveu fazer uma atualização automática de escalões com base em indicadores macroeconómicos do país, que não vão estar disponíveis em outubro. E, portanto, não vou saber quais são os escalões para 2025. Mexemos no regime das mais-valias, certo? Em que era preciso ter a casa durante 24 meses e agora é só preciso ter a casa durante 12 meses para poder reinvestir em habitação própria permanente. Pois, mas só o fizemos para as vendas a partir da entrada em vigor da lei. Portanto, vamos ter dois regimes a vigorar em 2024.

O que também dificulta o trabalho da Autoridade Tributária?
Cada vez que se colocam com regimes transitórios e mais regimes transitórios, ninguém sabe e, portanto, como ninguém sabe, a utilidade da regra perdeu-se, porque as pessoas não tomam decisões com base em regras que não sabem. O sistema de liquidação da AT não funciona. Estamos quase em outubro e tenho declarações de IRS que não foram sequer validadas pela Autoridade Tributária. Não é liquidadas, não foram validadas. Foram submetidas em junho e estão lá a aguardar validação. Porquê? Porque em 2023 lembraram-se do englobamento das mais-valias em mercado de capitais de curta duração, lembraram-se de criar o regime das criptomoedas, lembraram-se de ter não um, mas dois regimes sobre os rendimentos prediais, lembraram-se de mudar regras em outubro que tinham impacto nas liquidações que vêm desde 2019 por causa do reinvestimento das mais-valias imobiliárias, e a máquina emperrou. Ao mesmo tempo que o Governo anterior colocou a direção de serviços do IRS a fazer ação social, nomeadamente através do controle dos subsídios de renda, que estava na direção de serviços do IRS, que em vez de estar a olhar para as declarações do IRS e para o sistema de liquidação, teve de fazer apoios sociais, porque era quem tinha a informação para dar ao Governo para poder pagar as rendas. E o país é isto. E, portanto, quando me dizem que vão criar um regime que se vai somar ao outro, não. Depois não serve a ninguém, porque ninguém consegue perceber e aplicar.

O salário mínimo vai subir no próximo ano para pelo menos 855 euros, possivelmente para um valor superior. Isso significa que o mínimo de existência vai aumentar também para que o salário mínimo continue a não pagar imposto? 
Não sei, vamos ver. Sobre o mínimo de existência, só passou a ser um problema porque a classe política resolveu mexer no motor do IRS. E quando se mexe no motor do IRS, o motor gripa. E porque é que digo isto? A redução específica dos rendimentos do trabalho e das pensões correspondia a 72% de 12 vezes o salário mínimo nacional. E a lógica era esta. Convém lembrar que, quando criaram o mínimo de existência, queriam cristalizá-lo no salário mínimo nacional de 2023. Não era suposto ter aumentado para o salário mínimo nacional de 2024. E o objetivo era mesmo esse, era descolar o mínimo de existência do salário mínimo. Quando se começou a discutir o Orçamento do Estado para 2024, de repente o país acordou para a existência da regra e, então, o Governo anterior foi forçado a alterar o mínimo de existência para que estivesse ligado ao salário mínimo. Na lei está um valor fixo, ou seja, se o Governo quiser mudar, vai ter de mudar o valor que está na lei.

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