Christine Lagarde, presidente do BCE.
Christine Lagarde, presidente do BCE. EPA/RONALD WITTEK

Lagarde espera que salários caiam mais para terminar alívio nas taxas de juro este ano

"Todos os indicadores confirmam a nossa confiança de que os salários em 2025 vão baixar”, especialmente no “setor dos serviços”, que é mais “intensivo” em empregos, congratulou-se Christine Lagarde, a presidente do BCE.
Publicado a
Atualizado a

Os salários devem e vão cair mais nos próximos meses, sobretudo “no setor dos serviços”, onde está o turismo, e isso ajudará a descer o que falta na inflação deste ano, permitindo, finalmente, que o Banco Central Europeu (BCE) dê por concluída a atual fase de descida de taxas de juro, afirmou ontem, quinta-feira, Christine Lagarde, a presidente da autoridade monetária europeia.

"Todos os indicadores que temos neste momento estão a descer e estão a confirmar a nossa confiança de que os salários em 2025 vão baixar. Se olharmos para a remuneração por empregado, que é um indicador bastante útil e relevante, se olharmos para o salário o monitor que temos, seja olhando para as proporções de vagas em relação ao desemprego, todos esses indicadores estão a ir no mesmo sentido", a cair, “sobretudo no setor dos serviços”, o qual ainda deve ajustar em baixa ao nível das remunerações praticadas, declarou a líder do BCE, na conferência de imprensa que se seguiu à reunião de taxas de juro, em Frankfurt.

Ontem (quinta-feira, 30 de janeiro), o conselho de governadores do BCE decidiu reduzir a taxa de juro principal da Zona Euro em mais 0,25 pontos percentuais, para 2,75%, sendo portanto, a quinta descida de 0,25 pontos desde o máximo de 4% atingido em setembro de 2023.

O BCE sinalizou que vai continuar a reduzir taxas um pouco mais, mas já diz que a inflação está quase dominada e que o custo do crédito já está a aliviar, onerando assim menos as famílias e empresas, o que dá alento à atividade económica, sobretudo ao consumo e ao investimento.

Além da taxa de referência da facilidade de depósito ter descido para 2,75%, também a das operações principais de refinanciamento aliviou um quarto de ponto percentual, para 2,9%, e a facilidade permanente de cedência de liquidez caiu para 3,15%. Os efeitos desta decisão começam a vigorar “a partir de 5 de fevereiro de 2025".

A decisão do BCE não apanhou ninguém de surpresa e foi relativamente bem recebida pelos analistas e investidores. Christian Dustmann, economista e diretor da Fundação Rockwool, em Berlim, classifica as mexidas anunciadas em Frankfurt como uma "decisão boa e importante".

“Isto irá aliviar a indústria da construção, permitir mais investimentos, incentivar os consumidores e ajudar o mercado de trabalho na Europa. O corte da taxa de juro ajudará a melhorar a situação económica”, sendo que mais cortes nas taxas de juro este ano seriam bem-vindos e certamente ajudariam a impulsionar o crescimento e a ultrapassar a crise, acenou o economista alemão.

Poucas horas antes, na conferência de imprensa, Lagarde e o BCE explicaram que está quase a terminar este ciclo de redução de juros, que dura há quase ano e meio (desde setembro de 2023), devendo a autoridade estacionar as taxas de juro, de forma mais permanente, dentro de poucos meses.

Assim é porque "o processo desinflacionista está bem encaminhado" e porque "a inflação continuou a evoluir globalmente em consonância com as projeções dos especialistas do Eurossistema e deverá regressar ao objetivo de médio prazo de 2% no decurso deste ano", sinaliza o banco central.

Além disso, "a maioria das medidas da inflação subjacente sugere que a inflação estabilizará, numa base sustentada, em torno do objetivo", acrescenta a instituição.

Frankfurt refere, no entanto, que "a inflação interna permanece elevada, sobretudo porque os salários e os preços em determinados setores ainda estão a ajustar-se, com um desfasamento substancial, à anterior subida acentuada da inflação". É o caso dos “serviços”, relevou a banqueira central.

Por isso, com estes níveis de juros (e incluíndo já a descida desta quinta-feira), Lagarde defende que "ainda estamos em terreno restritivo" nas condições de financiamento bancário à economia.

Seja como for, os aumentos salariais já estão a enfraquecer, preocupando menos quando se pensa em inflação. "O crescimento dos salários apresenta, como esperado, uma moderação e os lucros estão a amortecer, em parte, o impacto na inflação", disse a chefe máxima do BCE.

Para Carsten Brzeski, economista-chefe global no grupo financeiro holandês ING diz que Lagarde “sinalizou a intenção clara de reduzir ainda mais as taxas”, disse “que estas ainda estão em território restritivo, e que chegar ao ponto morto parece ser a próxima paragem – mas não necessariamente a final”.

Segundo o economista, “acreditamos que a posição de Lagarde em relação à evolução económica pode muito bem transformar-se numa corrida a toda a velocidade” quando o ciclo de descidas de juros estiver quase a terminar, com a taxa diretor já perto de 2%, o nível considerado “neutral” por este economista.

Ou seja, de acordo com Carsten Brzeski, “olhando para o futuro, os dados mais recentes confirmaram mais uma vez que o BCE está a observar uma versão mais branda de tendências estagflacionistas: um abrandamento contínuo da economia e da inflação”.

Mas, continua o responsável do ING, “ainda assim, o BCE parece estar a ignorar esta aceleração temporária da inflação e parece determinado a continuar a cortar as taxas de juro”.

“Este desejo de permanecer antes da curva – também à luz de eventuais preocupações económicas para a Zona Euro decorrentes da nova administração norte-americana – continua a ser um motivo convincente para fazer regressar as taxas de juro a um nível neutro.”

Assim, “de acordo com a lógica do BCE, este terá de levar as taxas de juro para onde estavam as expectativas do mercado em dezembro passado de modo a concretizar os resultados das previsões anunciados nesse mesmo mês de dezembro”.

Para Brzeski, “isto significa cortar as taxas num total de outros 75 pontos base [0,75 pontos percentuais]”, “caso contrário, a inflação ficaria além do desejado e o crescimento teria um desempenho inferior”. “Para nós, isto significa que outro corte de 25 pontos base na taxa de juro na reunião de março é um acordo praticamente fechado.”

Empréstimos novos continuam caros, reflexo das subidas passadas

Do lado dos negócios bancários, Lagarde observa que "as recentes reduções das taxas de juro [...] estão a tornar gradualmente a contração de novos empréstimos menos onerosa para as empresas e famílias".

Mas, ao mesmo tempo, "as condições de financiamento mantêm-se restritivas, também porque a política monetária continua a ser restritiva e os passados aumentos das taxas de juro ainda estão a ser transmitidos ao stock de crédito, com alguns empréstimos vincendos a ser renovados a taxas mais elevadas".

"A economia continua a enfrentar fatores adversos, mas o aumento dos rendimentos reais e o desvanecimento gradual dos efeitos da política monetária restritiva deverão apoiar uma subida da procura com o tempo", espera o BCE.

Prestação do banco alivia um pouco

Como noticiou o DN esta semana, a descida preconizada pelo BCE, de 0,25 pontos na taxa de referência, traduz-se num alívio na taxa de juro final efetiva que pode ser aplicada pelos bancos a milhares de clientes com empréstimos contratados.

Portanto, esta decisão do BCE traduz-se em menos peso no orçamento de muitas famílias e empresas por essa Zona Euro fora, e sobretudo em Portugal, onde a pressão relativa do endividamento privado e público continua a ser dos mais elevados da região, apesar da tendência gradual de descida desde o tempo da crise do euro.

Assumindo, como exemplo, uma família que tenha pedido um empréstimo para comprar casa e que ainda lhe falte pagar uma boa parte, digamos, cerca de 160 mil euros, num contrato de 30 anos com o banco (portanto, 360 prestações mensais), a decisão do BCE pode vir a descer a taxa anual de juro e encargos efetiva global (TAEG) -- a taxa que reflete juro final que os clientes têm de pagar ao banco, tudo incluído, inclusivamente o spread cobrado pelo banco – dos atuais 5,2% para 5,05% ou 5%.

Assim será se a descida na próxima atualização/revisão das Euribor chegar a 0,15 ou 0,2 pontos percentuais, respetivamente, os valores aproximados das reduções da TAEG que se têm verificado na sequência dos cortes de 0,25 pontos do lado do BCE, segundo um levantamento mais exaustivo feito pelo DN.

Para um empréstimo onde falte amortizar 160 mil euros (a 30 anos), a prestação atual com TAEG a 5,2% é de quase 880 euros.

O alívio prometido para 5,05% descerá o referido encargo para 865 euros (menos 15 euros por mês); se for melhor que isso e a TAEG aliviar para 5%, o devedor fica a pagar 860 euros, menos 20 euros mensais, segundo cálculos do DN.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt