Indústria da Defesa já emprega 40 mil pessoas e antevê crescimento
Quando se pensa em Defesa pensa-se em armas, veículos militares ou submarinos, mas há uma infinidade de outros setores envolvidos. São mais de 40, na verdade, e vão desde o setor primário, com as rações de combate, à construção, passando por tudo o que são serviços de apoio, designadamente na Saúde, ou o fabrico de fardas e de equipamentos de proteção individual. O leque é alargado e Portugal tem todas as condições, acredita o Governo, para” integrar grandes contratos de defesa, nomeadamente através do fornecimento de componentes essenciais aos sistemas de armas”, caso a reindustrialização europeia se faça com planos de rearmamento. Depois de cinco décadas de desinvestimento, ou adormecimento, é tempo de atalhar caminho e tirar partido do pacote de 800mil milhões de euros que Bruxelas quer mobilizar para a defesa europeia.
Mas do que falamos quando abordamos a chamada Economia da Defesa em Portugal? De um universo “muito diversificado” de empresas e de centros de investigação tecnológica e de formação que abrange 40 setores de atividade distintos. Os dados mais recentes, publicado em 2021, indicam-nos que se trata de 350 empresas e de 61 entidades de I&D e de Educação e Formação. Quase 60% são empresas de serviços e só pouco mais de 26% são entidades industriais.
Embora estes dados estejam a ser atualizados, os que existem mostram que as empresas que operam na Economia de Defesa são maiores do que as restantes, têm recursos humanos altamente qualificados e que auferem salários que são quase o dobro da média nacional. Ou seja, enquanto 99,4% das empresas portuguesas são micro ou pequenas entidades, na Economia de Defesa esse número é de apenas 65,7%. As grandes representam 11,4% deste universo, contra os 0,1% de peso que têm no tecido empresarial nacional.
Em 2020, a faturação total agregada deste universo foi de 4,75 mil milhões de euros, dos quais 40,2% foram as vendas para clientes de Defesa. No ano anterior era de 39,8%. Já o salário médio que pagam é de 1595 euros mensais, versus os 808 euros da média das empresas portuguesas. E se é verdade que um dos desafios maiores que este universo tem é o de aprofundara internacionalização da Economia de Defesa, já que o Estado português continua a ser o seu principal cliente, não é menos certo que, entre 2010 e 2019, as empresas da economia de Defesa mais do que duplicaram as vendas ao exterior, passando de 886 milhões para 1883 milhões de euros. O peso delas no total das exportações nacionais passou de 1,6% para 2% em 2019.
O presidente da IdD Portugal Defence, holding estatal que pretende “tornar a Base Tecnológica e Industrial de Defesa num player internacional relevante”, assume que estes números pecam por defeito e diz que em causa estarão, pelo menos, 380 empresas e cerca de 40 mil trabalhadores. Garantido é que esta é uma área em expansão, depois de 50 anos de quase abandono, após o fim da guerra colonial em África. “Com o 25 de Abril, e o fim da Guerra do Ultramar, houve um natural desinvestimento, mas depois o processo [de investimento] nunca foi retomado. Basicamente procurava-se substituir o que chegava ao fim de vida, mas sempre houve, quer em Portugal quer no resto da Europa, aquela lógica de que estávamos sob o guarda-chuva americano e não tínhamos que nos preocupar”, refere Ricardo Pinheiro Alves, acrescentando que, com a queda do muro de Berlim, “se entrou, nos anos 90, numa lógica de paz perpétua kantiana, e na convicção de que não haveria mais conflitos”.
O tempo veio mostrar que a guerra pode estar, apenas, a dois passos. Primeiro foram os conflitos na Geórgia, em 2007, depois a anexação da Crimeia, em 2014, e a invasão da Ucrânia, em 2022, todos envolvendo a Rússia e tornando claro, para muitos dos países à volta, que o país e o seu presidente, Vladimir Putin, podem ser um risco a qualquer momento.
“Nós estamos mais próximos da guerra do que as pessoas tendem a pensar. É verdade que estamos do outro lado da Europa, mas temos vários parceiros da NATO que fazem fronteira com a Rússia, designadamente antigas regiões soviéticas, como os estados do Báltico, ou países que estiveram sob influência soviética, como a Polónia e a antiga República Checa, que, se forem alvo de algum tipo de ataque, somos obrigados a ir defendê-los”, lembra o presidente da IdD Portugal Defence, sublinhando que a perceção do risco e da insegurança é muito superior em Varsóvia do que em Lisboa.
E, por isso, os países que mais investiram em Defesa, nos últimos anos, foram os do Leste. “Portugal, infelizmente, em 2022 e em 2023, em vez de estar a convergir em direção aos 2% do PIB em gastos anuais com a Defesa, houve um afastamento. A NATO ainda não disponibilizou estes dados, mas vão ser divulgados muito em breve, e indicam que estamos a reduzir o nosso investimento em termos de percentagem do PIB. Andaremos, provavelmente, nos 1,49%”, sustenta.
Para este responsável, são dois os desafios que Portugal: aproximar ainda mais a indústria dos vários ramos das Forças Armadas, pondo-os a dizer às empresas o que precisam, para que estas possam responder a essas necessidades; e alargar a base da indústria, aumentando o número de empresas e a sua dimensão, de modo a que consigam economias de escala.
Já o General Luís Valença Pinto, antigo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas , lembra que a Europa, durante muitos anos, “desconsiderou as questões do investimento em Segurança e Defesa, vivendo tranquilamente no conforto da proteção americana”. Agora, com as relações entre os dois blocos em crise, a Europa “tem que olhar por si, o que significa gastar mais, gastar melhor e sobretudo gastar mais em conjunto e no que é europeu”.
A grande questão, admite o atual presidente da EuroDefense Portugal, é como que se consegue que os cidadãos europeus aceitem o que se espera que seja “um aumento bastante significativo” dos gastos em Defesa. A solução passa por explicar que estas despesas, “se forem bem feitas, são um investimento, que pode gerar retorno”. E cita estudos que mostram que, por cada euro investido nesta área, o retorno esperado pode ser de três a quatro euros.
E se é verdade que o bolo que se espera que haja de dinheiro europeu para investir é grande, é preciso ter noção que “o que for para o terreno hoje só dará fruto daqui por cinco ou oito anos”, o que significa que, até lá, a Europa vai ter que arranjar maneira de poder continuar a contar com os americanos. “A Defesa tem uma característica muito curiosa. É muito rápido e muito simples destruí-la, é muito moro e complexo levantá-la”, sublinha o líder da organização não-governamental que tem como principal missão promover o estudo, a reflexão e o debate sobre a política europeia de Segurança e Defesa.
Sobre as empresas portuguesas que operam nesta área, o General Valença Pinto fala numa indústria “pequena, mas altamente sofisticada e com um elevado nível de investigação e desenvolvimento associado”. Falta-lhe escala, o que obriga a que, “com poucas exceções, terá de intervir neste processo europeu sob a forma de consórcios”.
Tal como os restantes interlocutores, também o Ministério da Defesa está convicto que o atual contexto geopolítico mostra que “o reforço do pilar europeu de defesa da NATO é uma questão estratégica, que Portugal deve saber ler como uma oportunidade”. Os investimentos na Base Tecnológica e Industrial de Defesa (BTID) “reforçam as nossas capacidades no contexto das nossas alianças e geram retorno financeiro” garante fonte oficial do gabinete de Nuno Melo.
Mais, “se a reindustrialização europeia se der com os planos de rearmamento, através das necessidades de produção e sustentação, Portugal está numa posição cimeira para integrar grandes contratos de defesa, nomeadamente através do fornecimento de componentes essenciais aos sistemas de armas”, acrescenta.
Sobre as áreas em que o país se pode diferenciar, o Ministério da Defesa diz que “Portugal possui um capital humano altamente qualificado, com cientistas e engenheiros de excelência em I&D, destacando-se nas áreas das comunicações com cifra com utilização de nós quânticos (como o Project Discretion), aeroespacial e no cluster de drones aéreos, terrestres e marítimos - de superfície e submarinos - com uso de inteligência artificial”. Mas não só.
Aponta, também, as oportunidades para o setor têxtil, o desenvolvimento de software e de diferentes sistemas (comunicações, comando e controlo, treino e simulação, etc.), a engenharia de precisão, blindagem e proteção individual, recorrendo a materiais compósitos, ou a manutenção, revisão e modernização de plataformas nos três domínios operacionais, aéreo, marítimo e terrestre. Sem esquecer o “histórico robusto” que Portugal tem no setor automóvel. “Verifica-se uma tendência, especialmente em países como a Alemanha, de conversão de unidades deste setor para a Defesa Nacional, o que poderá representar uma oportunidade para Portugal, que já desempenha um papel relevante na cadeia de valor automóvel, nomeadamente ao nível das componentes”, sublinha o Ministério.
Questionado sobre o que foi feito nos 11 meses que o Governo esteve em atividade, o gabinete de Nuno Melo diz que “promoveu um ambiente de captação de investimento em múltiplas áreas, da produção de munições à aeronáutica, passando por veículos autónomos e outros, componentes, engenharia, espaço, têxteis tecnológicos ou calçado”, sublinhando que “o próprio plano de aquisições em curso procura ter em conta o retorno para a economia nacional, o envolvimento das nossas indústrias e a captação de mais investimento nacional e internacional”. E dá exemplo da aquisição de 12 aeronaves de ataque ao solo e treino de pilotos A29 Super Tucano e simuladores, por valores próximos de 200 milhões, sendo que quase metade ficará em Portugal.