Fisco, imigração e habitação. Turismo quer apoios no Orçamento, mas especialistas pedem cautela
O país está já em contagem decrescente para conhecer o Orçamento do Estado para 2025 (OE2025). A pouco mais de uma semana de o documento preparado pelo Executivo de Luís Montenegro vir a público, os principais representantes do turismo afinam um conjunto de propostas. Ao Governo, relembram a importância da atividade como motor das contas do país e pedem medidas em conformidade. A Confederação do Turismo de Portugal (CTP) relembra que “muito do crescimento da economia portuguesa em 2023 se deveu ao contributo do turismo, que tem um peso no PIB próximo dos 15%, mais do que a média europeia” e considera fundamental que o Governo se foque na economia e nas empresas. “É imperativa a redução dos custos sobre os rendimentos do trabalho, nomeadamente da TSU e do IRS, assim como uma redução do IRC e que o PRR seja executado dentro dos prazos previstos”, defende o líder da CTP, Francisco Calheiros.
O dossier fiscal é o que assume maior protagonismo para as associações do setor e é também este capítulo que soma o maior número de propostas. Para a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) os impostos não devem ser “um entrave à sustentabilidade dos negócios” nem “um desincentivo ao emprego, pela excessiva carga que impende sobre as empresas e trabalhadores”. Por isso mesmo, insiste numa redução de impostos e contribuições sobre os rendimentos do trabalho (TSU e IRS), por “considerar que é uma das medidas que mais poderá impactar positivamente as empresas”.
Também os escalões de tributação em IRS e as taxas de retenção na fonte devem ser revistos em baixa, defende, “perante a perda sucessiva do poder de compra”, de forma a aumentar o rendimento líquido disponível das famílias e assim impulsionar o dinamismo da economia. A AHRESP sugere ainda a isenção, de forma temporária, da cobrança de IRS e TSU no trabalho extraordinário, nos subsídios de férias e de Natal e nos novos contratos de trabalho sem termo para jovens em situação de primeiro emprego, durante os primeiros cinco anos de vigência.
Já a Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) propõe que a isenção de IRS e Segurança Social para trabalho suplementar contemple um teto anual de 200 horas e reitera a isenção total de tributação sobre gorjetas até um determinado limite. Para as empresas, insiste em mexidas no IRC com o aumento das deduções fiscais para investimentos em renovação e modernização das unidades hoteleiras. “É essencial que as empresas portuguesas ganhem escala, e somos arrojados ao sugerir um estímulo muito interessante, com a criação de um novo incentivo específico para a internacionalização das empresas com a dedução à matéria coletável da compra de participações sociais e nos aumentos de capital que garantam o controlo das operações em mercados estrangeiros e nos permitam internacionalizar”, expõe a vice-presidente executiva da AHP, Cristina Siza Vieira.
O fiscalista e cofundador da consultora Ilya, Luís Leon, acredita que estas propostas “fazem sentido” uma vez que permitem aliviar os encargos das empresas do setor e “colocar mais rendimento disponível no bolso dos clientes”, mas deixa um alerta: “Não há margem para tudo, a austeridade vai ter de continuar independentemente da vontade do país. Os orçamentos do Estado sempre foram e serão, cada vez mais, instrumentos de opções”.
O especialista acredita que Montenegro terá em mãos um difícil desafio no equilíbrio das contas nacionais e que, por isso mesmo, há cautela a ter em matéria fiscal. “A dificuldade que o governo anterior teve, que este tem e que o próximo terá é a de continuar a trajetória de consolidação de contas públicas com défice controlado e manter a redução do peso da dívida no PIB. Com a pressão de aumentos de despesa, o Governo terá de ter muitas cautelas na redução das receitas fiscais, sobretudo quando já anunciou o objetivo de redução do IRC e o IRS jovem”, indica.
A mesma opinião é partilhada pela economista Vera Gouveia Barros: “Tenho simpatia pela ideia de todos, cidadãos e empresas, pagarem menos impostos, mas não descuro a importância de mantermos um percurso de consolidação orçamental, em particular, de reduzirmos o enorme peso da dívida pública. Por isso, embora até possa concordar, por princípio, com reduções da TSU, do IRC e do IRS, sou muito cautelosa e faço notar que isto é o problema do cobertor: ele não chega para nos tapar dos pés à cabeça, vamos ter de decidir o que é que vai ficar destapado”.
IVA na restauração
No capítulo do IVA, a AHRESP debate-se pela alteração da taxa intermédia atualmente em vigor, de 13%, para 10%. A secretária-geral da associação, Ana Jacinto, considera que a medida teria, não só, ”um impacto muito positivo nas tesourarias das empresas” mas seria ainda refletida ao nível competitivo, colocando Portugal “equiparado aos seus principais concorrentes internacionais, como é o caso de Espanha, França e Itália”.
A economista Vera Gouveia Barros crítica a proposta e relembra que aquando da descida da taxa do IVA da restauração (de 23% para os atuais 13%) “os preços não baixaram”, traduzindo-se, por outra via, “num aumento das margens destas empresas”. O peso dos consumidores estrangeiros no país é outro aspeto que, na visão da investigadora na área da Economia do Turismo, deve ser relevado.
“O IVA do alojamento e restauração é um imposto que, numa parte relevante, é pago por não residentes. Ter gente de fora de Portugal a contribuir para o orçamento do Estado português é uma coisa a aproveitar. Portanto, não subscrevo esta proposta. Defendo que o aumento da competitividade do destino Portugal se deve fazer, não por descidas de preço, pelo contrário, mas através de outros aspetos que se identificam bem olhando para o ranking do World Economic Forum”, sugere.
Recorde-se que no ano passado, o anterior Governo socialista, no âmbito da revisão do Acordo de Médio Prazo de Melhoria dos Rendimentos com patrões e sindicatos, definiu uma harmonização do IVA, aplicando a taxa intermédia de 13% a sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias. De fora ficaram os refrigerantes e as bebidas alcoólicas. A AHRESP insiste que estas bebidas possam também beneficiar, já a partir do próximo ano, de um imposto intermédio, sendo que são atualmente abrangidas pela taxa máxima de 23%.
A economista Vera Gouveia Barros discorda, sustenta que “as taxas de IVA são determinadas também numa lógica de consumos que se quer desincentivar”. “Refrigerantes e bebidas alcoólicas fazem parte da lista de produtos que se quer que as pessoas consumam menos, numa ótica de vida saudável. Seria incoerente colocá-las no patamar da taxa intermédia”, aponta.
Imigração
Os recursos humanos no setor somam-se à lista dos desafios apontados em uníssono pelos representantes do turismo. Francisco Calheiros é perentório ao afirmar que “o recurso à imigração é a única solução” para a falta de trabalhadores na atividade. “Quando forem regularizados os 400 mil migrantes que ainda falta resolverem os seus processos, penso que a falta de mão de obra deixará de ser um problema”, estima.
O presidente da CTP alerta que, além de ser necessário facilitar a desburocratização dos processos, é urgente criar “condições dignas” para esta franja de trabalhadores, que passem por “habitação digna e contratos de trabalho”.
Se antes da pandemia os porta-vozes dos empresários do turismo reclamavam a escassez de 40 mil trabalhadores, os dados revelam que, em 2023, foi registado o maior nível de empregabilidade desde a era covid, com o canal HORECA (que integra alojamento, restauração e similares) a empregar perto de 329 mil trabalhadores, correspondendo a um crescimento de 2,5% face a 2019 e de 12,4% em comparação com 2022, indica o Instituto Nacional de Estatística (INE).
A ajudar as contas, refere o Banco de Portugal, estiveram 93 mil trabalhadores imigrantes, que assumem já um terço do peso da mão-de-obra no setor. Mas já no segundo trimestre deste ano, o canal HORECA perdeu mais de 31 mil postos de trabalho relativamente ao mesmo período de 2023.
“Estamos a chegar a uma fase em que não temos trabalhadores, com especial incidência para o serviço de sala e para a copa. O turismo é um dos maiores empregadores nacionais, também ao nível de trabalhadores estrangeiros, pelo que, a haver setor que justifique medidas excecionais nesta matéria, é este”, alerta Ana Jacinto. Do lado da hotelaria, Cristina Siza Viera evidencia que “o mais importante, neste momento, é ter um canal aberto para a imigração”. A vice-presidente executiva da AHP admite que existam “regras e fiscalização” mas defende a necessidade de Portugal estar preparado para acolher “um fluxo contínuo de imigrantes”.
Recentemente, o Governo anunciou, através do programa Acelerar a Economia, que irá desembolsar 2,5 milhões de euros para formar cerca de mil migrantes e refugiados, através das escolas do Turismo de Portugal. A AHRESP considera “a iniciativa muito relevante” mas não “suficiente” relembrando que estão em falta “dezenas de milhares de trabalhadores”.
Habitação
Apontado como um dos principais entraves à mobilidade dos trabalhadores, a falta de casas e o aumento dos preços das rendas surgem como travões na hora de contratar. Neste sentido, a AHP propõe a criação de um subsídio de apoio à habitação, pago pelas empresas aos trabalhadores, até ao teto máximo definido no apoio às rendas (200 euros), com um regime fiscal semelhante ao do subsídio de alimentação e, por isso, isento de impostos.
O Orçamento do Estado para 2024 previa já uma isenção fiscal, até 2026, das rendas pagas pela entidade patronal aos trabalhadores, mas os representantes dos hoteleiros dizem ser necessário ir mais longe. “O que sugerimos é que mesmo quando as empresas não têm possibilidade de dar casas aos trabalhadores, possam dar um subsídio de apoio à habitação. É uma medida interessante para o trabalhador e para o empregador”, acredita Cristina Siza Vieira.
Taxas Turísticas
As polémicas taxas turísticas, cobradas atualmente por mais de duas dezenas municípios aos hóspedes que pernoitem numa unidade de alojamento turístico, encerram a lista de propostas da AHP. Os hoteleiros defendem que apenas os turistas estrangeiros devem ser taxados “não penalizando os residentes em Portugal” que queiram deslocar-se pelo país em trabalho ou lazer. A associação, que tem sido uma das vozes críticas deste imposto, apela à transparência e sugere que sejam inscritos na Lei das Finanças Locais ou no Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, os critérios para a criação, aplicação e destino das taxas turísticas pelos municípios.
A economista Vera Gouveia Barros aplaude a proposta. “Iria mais longe e determinaria que as receitas da taxa só podem ser usadas em bens e serviços que facilitem a vida dos habitantes, compensando-os por algumas externalidades negativas que o turismo possa ter. Por exemplo, deve ser aplicada no reforço dos serviços de limpeza - se há mais gente a usar as cidades, há mais lixo. Elevadores na ponte 25 de Abril não me parecem um bom destino a dar a essas verbas”, explana. "Também ainda em relação à taxa turística, gostava de a ver diferenciada, por exemplo, em função de critérios ambientais, beneficiando quem faz escolhas mais sustentáveis; em função da época do ano, contribuindo para a redução da sazonalidade; em função da densidade turística, promovendo a desconcentração", conclui.