Os Estados Unidos da América (EUA) e a China assinaram na segunda-feira, em Genebra, uma trégua temporária, de três meses, na agressão mútua com tarifas alfandegárias que, na prática, praticamente paralisou as relações comerciais entre as duas maiores economia do mundo, assumindo a forma de "um embargo" bilateral, admitiu o governo de Donald Trump.Mas a incerteza reina e continua ao rubro. É tanta a indefinição sobre o quadro que voltará a vigorar no verão (a 10 de agosto, quando a trégua acabar) que vários gigantes retalhistas norte-americanos resolveram acelerar a fundo nas compras à China das mercadorias essenciais e típicas que se vendem (nos EUA) no próximo regresso às aulas (depois do verão) e Natal. Material escolar, brinquedos, uma panóplia quase infinita de artigos que a China fornece barato como nenhuma outra economia do mundo.Os mercados receberam bem a pausa, como seria de esperar após semanas a cair de forma dramática. Esta segunda-feira, os mercados corrigiram com alguma força: as bolsas subiram, o petróleo também, o ouro (ativo de refúgio quando tudo está a ir pelo ralo) recuou.Mas a incerteza, que pesa sobre a atividade económica e alimenta a inflação, adensa-se porque, para responder a esta vaga iminente de importações, nesta janela de apenas três meses, vários operadores da logística questionam se os transportadores típicos (navios cargueiros, aviões) vão conseguir responder.Há sérias dúvidas se haverá fretes para tudo e, pior, a que preço esse comércio se fará. Teme-se mais inflação, o preço a pagar para "salvar" o regresso às aulas, a Ação de Graças e o Natal dos americanos, e só este ano.Na corrida que costuma acontecer quando há boas notícias de muito curto prazo, as ações de empresas como Amazon, Target, Best Buy ou Wayfair subiram.Mas, segundo o The Wall Street Journal, o próximo modelo de iphone da Apple poderá, quem sabe, vir a ser mais caro do que se previa, mas por enquanto, sendo possível o agravamento, os analistas e as fontes ouvidas pelo diário financeiro dizem que não está ainda relacionado com a guerra comercial.Um grupo de grandes companhias de proa europeias, que estão de pedra e cal na China há décadas, comoveu-se pouco com a iniciativa bilateral assinada na Suíça, na vizinhança da hoje muito enfraquecida Organização Mundial do Comércio (OMC).Para a Câmara de Comércio da União Europeia na China, depois da devastação e da imprevisibilidade quase total que reinaram nas últimas cinco semanas (desde o famoso dia da libertação, 2 de abril, quando Trump abriu as hostilidades a sério), sinaliza que um acordo temporário é melhor que nada, mas significa acima de tudo que "a incerteza mantém-se"."Isto deve-se ao facto de certas tarifas terem sido suspensas apenas por 90 dias e, em parte, à natureza errática com que foram implementadas", aponta a estrutura que representa centenas de gigantes europeus e outros tantos chineses e asiáticos (por via das participações cruzadas e interesses partilhados com os seus parceiros da UE).Alguns dos membros da guilda comercial europeia na China são Maersk (a líder do trânsito global de contentores), Volkswagen, BNP Paribas, Nokia, só para citar alguns com assento no conselho de administração)..Governo espera que UE consiga “chegar a entendimento” com Estados Unidos sobre tarifas. Fonte oficial da Câmara de Comércio avisa que "as empresas precisam de previsibilidade para manter as suas operações normais e tomar decisões de investimento".Assim, "esperamos que ambas as partes continuem a dialogar para resolver as diferenças e evitem tomar medidas que perturbem o comércio global e resultem em danos colaterais para os que forem apanhados no fogo cruzado".Cessar-fogo até ao calor de agostoNuma declaração conjunta, EUA e China anunciaram o tal cessar-fogo temporário e prometeram continuar a negociar o melhor que sabem e podem até ao início de agosto.As partes vão suspender as tarifas alfandegárias suplementares e bilaterais, que escalaram desde início de abril em 115 pontos percentuais.Isto é, para já, as tarifas voltam ao ponto onde estavam antes de Trump virar o jogo no dia da libertação (2 de abril).Os EUA voltam a aplicar às compras procedentes da República Popular da China uma tarifa geral de 30% (até aqui, o imposto já ia nuns proibitivos 145%); os chineses regressam à tarifa de 10% (face aos 125% atuais), explicou o representante para o comércio externo norte-americano, Jamieson Greer, sem dar mais detalhes. O novo quadro alfandegário entra em vigor esta quarta-feira e, se correr mal, volta o "embargo" a 10 de agosto.A seu lado estava o secretário de Estado do Comércio do EUA, Scott Bessent, que admitiu que, "na prática, as barreiras alfandegárias introduzidas nos últimos meses criaram de facto um embargo ao comércio entre os dois países". "Nós não queremos isso, queremos comércio, mas mais equilibrado", acrescentou, na conferência de imprensa.O Presidente Donald Trump disse que ainda irá falar esta semana com o homólogo chinês Xi Jinping sobre tudo isto.Tanta incerteza pede mais cautelaApesar do otimismo desta segunda-feira, há demasiadas razões para manter a cautela, o nível de alerta em máximos.Segundo Ewa Manthey, economista do departamento de matérias primas do grande grupo financeiro ING (sediado na Holanda), "as conversações entre os EUA e a China estão apenas no início e ainda há muita incerteza"."As tarifas anunciadas, embora inferiores ao esperado, ainda são significativas e, mesmo que o impacto no crescimento do comércio global possa ser menor do que os mercados esperavam anteriormente, o nível referido pode afetar, na mesma, o consumo de matérias-primas", diz a analista.Com um grau de incerteza ainda tão alto, "é provável que a volatilidade se mantenha elevada nos mercados de matérias-primas", acrescenta a mesma economista.Paul Krugman, professor e Nobel da Economia, resume como ninguém a perspetiva do copo meio vazio, a caminhar para se desfazer em cacos. Está pessimista.Na sua conta no Substack, Krugman argumenta que "não se tratou de um caso de recuo de ambas as partes", "a China só impôs as tarifas como resposta à jogada de Trump, e só as reduziu porque ele recuou. E recuou. Isto foi basicamente Trump a fugir do coelho assassino"."A tarifa proibitiva foi suspensa, mas não cancelada", continua o decano dos economistas dos EUA."Ninguém sabe o que vai acontecer dentro de 90 dias. Há muito que defendo que a incerteza criada pelas tarifas arbitrárias e em constante mudança de Trump é pelo menos tão importante como o nível dessas tarifas" e, seguramente, que "o nível de incerteza aumentou em vez de diminuir".Mais: Krugman recorda que "este recuo provavelmente não chegou suficientemente cedo para evitar preços elevados e prateleiras vazias. Mesmo que os envios de Xangai para Los Angeles – que tinham sido praticamente interrompidos – fossem retomados amanhã, as mercadorias não chegariam a tempo de evitar o esgotamento das existências que hoje se verifica".Custo dos fretes devem dispararDe acordo com o Freight Waves, um site especializado em logística comercial por mar, "a suspensão temporária das hostilidades terá efeitos imediatos nos mercados mundiais de transporte marítimo"."Prevemos que as taxas de frete aumentem acentuadamente nas próximas semanas, à medida que os importadores se apressam a capitalizar esta janela de oportunidade" e que "os aumentos comecem com as taxas de frete marítimo a curto prazo, seguidas pelas taxas de camionagem doméstica em julho e agosto. Este aumento deve-se ao facto de os importadores estarem a tentar resolver os atrasos acumulados existentes e a acelerar novas encomendas antes de eventuais alterações nas políticas no final deste período de 90 dias"..Bruxelas responde aos EUA com 95 mil milhões em tarifas e processo na OMC