Mário Frota, mandatário da Denária e presidente emérito da Associação Portuguesa de Direito do Consumo.
Mário Frota, mandatário da Denária e presidente emérito da Associação Portuguesa de Direito do Consumo.DR

“Estamos apavorados com a absolutização do dinheiro digital”

Associação quer assegurar a liberdade de os consumidores utilizarem notas e moedas como meio de pagamento preferencial. Digitalização do numerário tem vários riscos, defende.
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A Denária Portugal está a travar um combate contra a massificação do dinheiro digital. A associação sem fins lucrativos, constituída em 2023, quer salvaguardar o direito de os consumidores escolherem notas e moedas como meio preferencial de pagamento. A ação da Denária visa impedir um movimento que começa a ganhar expressão no comércio e nos serviços: a recusa de dinheiro físico no ato de pagar. “Estamos apavorados com a absolutização do dinheiro digital”, diz Mário Frota, mandatário da Denária e presidente emérito da Associação Portuguesa de Direito do Consumo.

Para Mário Frota, esta tendência assume vários riscos e é um coartar de um direito dos consumidores. Como frisa, “é absolutamente ilegal a recusa do dinheiro com curso legal”, ou seja, do papel-moeda, e restringir “esse direito vai afetar sobretudo os excluídos, que não têm acesso a serviços bancários”.

Segundo revela, há já “uma rede de padarias no país que recusa formal e frontalmente notas e moedas”. Só aceita pagamentos por cartões de débito ou crédito. “Isto causa problemas a alguns cidadãos”, sublinha.

Questões de segurança estão também em cima da mesa. Em 2023, a Europol teve conhecimento de “fraudes em plataformas de comércio eletrónico que envolveram 1530 milhões de euros, mais os que não se queixaram”, aponta.

No mesmo ano, “as fraudes digitais subiram 60% em Portugal, o que só reforça a ideia de que o euro físico é menos atreito” a estes crimes. Mário Frota lembra ainda que, em caso de disrupção dos sistemas (provocada por sismos, ciberataques...), pode instalar-se “o pânico no momento em que as pessoas deixam de ter acesso a recursos materiais para garantirem bens essenciais”.

Recomendações da UE

A travagem deste movimento implica o estabelecimento de uma moldura sancionatória, que não foi prevista pelo legislador, eventualmente, “porque nunca imaginou que o dinheiro físico pudesse ser posto em causa”, diz. A Denária quer sensibilizar o poder político para suprir essa lacuna.
Mário Frota admite que o Banco de Portugal pode também emitir uma recomendação às empresas que recusam o papel-moeda para adequar a sua conduta às leis em vigor. Caso contrário, incorrem em desobediência.

Em 2010, a Comissão Europeia emitiu uma recomendação em que sublinha que os comerciantes não podem recusar pagamentos em numerário, a menos que as partes tenham acordado entre si outros meios de pagamento. Também considera, no mesmo documento, que as entidades públicas que prestam serviços essenciais aos cidadãos não podem aplicar restrições ou negar totalmente pagamentos em numerário sem razão válida. Como sublinha o representante da Denária, isso “prejudicaria o curso legal das notas e moedas de euro protegido pela legislação da União Europeia”.

Aliás, a introdução de uma moeda digital na União Europeia (tema que está em cima da mesa de Bruxelas) é para servir “como mero complemento do euro físico”, diz Mário Frota.

“A Europa tem estado dependente de empresas majestáticas dos EUA que operam no digital e quer precaver-se. Ter a sua moeda digital sempre na perspetiva  de que funcionará como complemento”, defende.

Segundo sublinha, a UE “entende que, em termos de educação financeira, o dinheiro físico constitui a consciência do seu valor”. Como diz, “a dor de pagar só se sente com o dinheiro que se tem na mão, impedindo a compra de bens de que não se precisa. O excessivo endividamento vem muitas vezes do dinheiro invisível”.

A Denária, que pretende obter uma audição com o ministro da Economia para abordar a matéria, está a trabalhar com a Associação Nacional de Freguesias para assegurar que em todo o país, com destaque para os locais mais recônditos, haja pontos de acesso e de distribuição de dinheiro. Na sua página na internet, onde publicita uma petição a favor do numerário a que se associou, os consumidores podem expor as suas reclamações.

“Não somos contra a sociedade digital, somos contra a digitalização do dinheiro”, salienta. Na Europa, há países com regulamentação sobre a acessibilidade ao dinheiro. Na Suécia, por exemplo, desde 2020, os bancos são obrigados a fornecer serviços em dinheiro e a serem geograficamente acessíveis a todos os cidadãos.

sonia.s.pereira@dinheirovivo.pt

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