Em julho, Trump quer fixar tarifas definitivas de 10% sobre maior parte das exportações dos países da UE
Qual será a ideia final de Donald Trump neste negócio ou leilão das tarifas comerciais?” O DN/Dinheiro Vivo tem feito esta questão a várias pessoas ligadas a instituições europeias que estão, de certo modo, envolvidas ou que têm acesso a informação e a canais diplomáticos, algumas com contacto regular com responsáveis intermédios do governo dos Estados Unidos e a tutela do Comércio. A resposta: “é complicado”.
No entanto, no meio de conversas e trocas de mensagens, parece que começa a ganhar força uma ideia - isto após semanas de choque e pavor provocados por Trump, do seu caminho errático e altamente imprevisível, dos anúncios de punição severa para certos países (o caso da China é o mais evidente) e, esta semana, uma aparente “trégua” no caso da tarifa universal (recíproca) de 20% sobre quase todos os países do mundo (que não retaliaram contra os EUA), que abrange os 27 países da União Europeia (UE) e tantos outros na mira do republicano.
A ideia é que, no fim disto tudo, dentro de três meses, lá para julho, quando acabar a moratória de Trump, o governo da maior economia do mundo vai querer fixar a tarifa definitiva sobre a maior parte das exportações da maior parte dos países em 10%. Ponto final.
O racional, que ainda não se vê de forma clara, é que Trump, que adora jogar e negociar duramente, precisa de resultados, precisa que as receitas das suas “lindas” tarifas comecem a entrar nos cofres do Tesouro.
As tarifas, já em vigor, de 25% sobre as importações americanas de aço e alumínio, mais as de 25% sobre os carros importados (ainda que difiram consoante as marcas, os construtores), são o sinal mais claro de qual é a prioridade do Presidente Trump: fazer renascer a indústria automóvel, um dos pilares do sonho e da afirmação económica dos EUA modernos. Geradores de lucros e de centenas de milhares, senão milhões, de empregos.
Agora é preciso arrecadar receita
Mas não chega, a receita das tarifas ativadas até agora não é suficiente, para mais com a sombra da recessão a agigantar-se sobre os EUA por causa da incerteza e ausência de referências que reina entre os investidores. Donde, é preciso avançar com as outras tarifas. E um imposto de 10% parece ser o ponto de chegada mais óbvio, a pedra basilar que marca o começo destas nova era protecionista.
Fonte oficial da Casa Branca recorda que “o Presidente Trump decidiu impor uma tarifa de 10% a todos os países”, que está em vigor desde 5 de abril e continua.
E que também deliberou “a aplicação de uma tarifa recíproca individualizada mais elevada aos países com os quais os Estados Unidos têm os maiores défices comerciais. Todos os outros países continuarão a estar sujeitos à base tarifária original de 10%”. No caso da UE, Portugal incluído, a penalidade anunciada era (é) 20%.
“Esta medida [20% no caso da Europa] entraria em vigor a 9 de abril de 2025 e é para permanecer em vigor até que o Presidente Trump determine que a ameaça colocada pelo défice comercial e pelo tratamento não recíproco subjacente é satisfeita, resolvida ou atenuada”, refere a mesma fonte oficial de Washington.
Mas na quarta-feira, nova reviravolta. Trump foi à sua rede social Truth dizer que “mais de 75 países chamaram representantes dos Estados Unidos, incluindo os Departamentos do Comércio, do Tesouro e o USTR [Escritório do Representante de Comércio dos EUA], para negociar uma solução para os assuntos que estão a ser discutidos em relação ao comércio, barreiras comerciais, tarifas, manipulação de moeda, e tarifas não monetárias”.
Estes países, que, sob “forte recomendação” do Presidente norte-americano, são os que, a seu ver, não retaliaram “de qualquer forma ou feitio contra os Estados Unidos”.
Assim, Trump decidiu suspender por 90 dias a aplicação das tarifas, mantendo “a tarifa recíproca substancialmente reduzida durante este período, nos 10%”, o valor que foi sempre o ponto de partida. Trump nunca recuou aqui e a convicção é de que aqui ficará.
A resposta a par e passo de Bruxelas
Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia (CE), que tem sido o pivô deste lado nesta guerra comercial, quer “um bom acordo” e até propôs tarifas “zero por zero” aos EUA, mas aqui levou logo com um não. Assim, avançou para a primeira fase da retaliação e já tinha tudo preparado para responder às tarifas americanas sobre aço e alumínio, mais aos 20% da tarifa recíproca sobre tudo o resto.
Segundo o Público, a resposta votada e aprovada pela UE (todos os países menos a Hungria), neste primeiro pacote de retaliação, consiste em “replicar a tarifa de 25% para a exportação de aço e alumínio (e produtos derivados, como vigas, grades, latas, peças de maquinaria, pregos, parafusos e até agulhas de costura) dos Estados Unidos”, mais uma taxa igual sobre “produtos agrícolas e alimentares como milho-doce, amêndoa, lentilhas, sumo de laranja ou de arando, carne de vaca e aves ou manteiga de amendoim”, mais “soja, madeiras, mobiliário, tintas, produtos de higiene e maquilhagem, maquinaria e electrodomésticos, bicicletas, motos e barcos de recreio”.
Para Portugal, produtos como soja, amêndoa e milho são relevantes. Os EUA são um fornecedor importante.
De fora do pacote da CE ficou, por exemplo, o bourbon, bebida estimada por Trump ao ponto de, quando Bruxelas aventou taxar este whisky, o Presidente dos EUA ter brandido com uma tarifa de 200% sobre todas as bebidas alcóolicas europeias, onde pontuam as valiosas exportações de vinho (França, Itália e Espanha), de champanhe, de whisky irlandês, por exemplo. Em Portugal, também se respirou de alívio, temporariamente.
“Tomamos nota do anúncio feito pelo Presidente Trump” e também “queremos dar uma oportunidade às negociações”, declarou ontem Von der Leyen.
Assim, “enquanto finalizamos a adoção das contramedidas da UE, que receberam um forte apoio dos nossos Estados-Membros, vamos suspendê-las durante 90 dias”, mas “se as negociações não forem satisfatórias, as contramedidas entrarão em vigor”. Além destas, “prosseguem os trabalhos preparatórios sobre novas contramedidas”, no caso mais importante: as que versam sobre o setor automóvel e de componentes.
A líder do executivo europeu repetiu que “todas as opções permanecem em cima da mesa” e exigiu a Trump que comunique “condições claras e previsíveis”, que “são essenciais para o funcionamento do comércio e das cadeias de abastecimento”.
“As tarifas são impostos que só prejudicam as empresas e os consumidores. É por isso que tenho defendido sistematicamente um acordo pautal zero-por-zero entre a União Europeia e os Estados Unidos”, disse a líder de origem alemã.
Economistas avaliam a crise
O departamento de estudos económicos do grupo BPI analisou a situação, recordando também a importância do nível 10%. “No dia 2 de abril, no chamado dia da libertação, o Presidente Trump revelou os pormenores da nova política comercial dos EUA. Para além das tarifas já em vigor, é imposta uma tarifa mínima de 10% sobre as importações de todos os parceiros comerciais (em vigor a partir de 5 de abril) ou tarifas “recíprocas” sobre uma lista de 57 países a partir de 9 de abril que se basearam nos défices comerciais bilaterais dos países em relação aos EUA”.
Segundo estes economistas, “a tarifa mínima de 10% para outros países foi implementada para evitar batota por parte dos parceiros comerciais que tentam redirecionar as suas exportações através de países terceiros para evitar tarifas”, mas até agora, fica claro que “a região mais penalizada é a Ásia”.
Aperto máximo à China
Que o diga a China, o alvo eleito de Trump. Ontem, o Presidente dos Estados Unidos disse que a União Europeia (UE) foi “muito inteligente” ao suspender a resposta às tarifas dos EUA durante 90 dias, mas em relação à China decidiu apertar ainda mais o cerco tarifário.
Recorde-se que a trégua parcial de 90 dias sobre as tarifas anunciadas a 2 de abril foi para todos os parceiros comerciais dos EUA, exceto para a China, que já ia com uma tarifa de 54%. A penalidade foi entretanto agravada para para 125%, Pequim respondeu com uma retaliação na tarifa sobre os EUA, que subiu para 84%, e ontem, Trump atacou novamente “elevando a tarifa total do país para 145%”.
Já no caso da Europa, está tudo em aberto até julho, portanto.
As importações europeias (UE - União Europeia) de produtos procedentes dos Estados Unidos da América (EUA) ainda podem ser carregadas com novas tarifas comerciais, sobre um valor que ascenderá a 26 mil milhões de euros, segundo disse Von der Leyen.
De acordo com cálculos do DN, este volume de impostos alfandegários, que responde de modo equivalente e “proporcional” ao imposto implícito com que o governo norte-americano, de Donald Trump, quer penalizar as compras com origem na Europa, equivale a cerca de 8% do total importado atualmente pelos EUA, perto de 330 mil milhões de euros, segundo os dados do Eurostat relativos a 2024.
Os produtos americanos na mira da Europa
O rol de produtos americanos que pode ser afetado é extenso e diverso. Pelo nosso levantamento não exaustivo, alguns dos bens visados pela resposta da CE podem ser, como já referido, aço, alumínio, bourbon, motas, máquinas de lavar roupa e loiça, aspiradores, cortadores de relva, barcos a motor, cerveja, cereais, roupa de marca (calças, camisas), papel higiénico, fio dental, carne, produtos lácteos, soja, pastilhas elásticas, óleos vegetais e até vinho ou sumo de laranja concentrado.
De acordo com a Reuters, alguns dos produtores baseados nos EUA que podem ser diretamente afetados são bastante conhecidos dos europeus: “Whirlpool, Stanley Black & Decker, Mohawk Industries, Harley-Davidson, Ralph Lauren, Tyson Foods, Archer-Daniels-Midland”.
De acordo com dados novos do Eurostat e cálculos do DN, o desequilíbrio duplicou nos últimos dez anos. As exportações europeias duplicaram para o valor mais elevado de emprego, mais de 531 mil milhões de euros em 2024 face a 2014, fazendo o mesmo ao défice comercial, que hoje é altamente desfavorável para as empresas norte-americanas: fixou-se em mais de 198 mil milhões de euros no final do ano passado, mais do dobro face aos 97 mil milhões de 2024.
Portugal aproveitou bem a onda, como se sabe. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), as exportações de mercadorias portuguesas mais do que duplicaram nestes dez anos que terminam em 2024, para mais de 5,3 mil milhões de euros. O défice dos EUA com Portugal deteriorou-se na mesma proporção, para um excedente favorável ao nosso País que supera os 2,9 mil milhões de euros.
Segundo o Eurostat, as exportações da Europa (UE) para o resto do mundo em 2024 face a 2023 cresceram apenas 1%, mas para os Estados Unidos avançaram muito mais, o aumento foi superior a 5%.
Considerando toda a relação comercial com os EUA, a Comissão Europeia explica que os principais parceiros comerciais da economia norte-americana são, por esta ordem, Alemanha, Países Baixos, Itália, França e Irlanda.