Economistas admitem mexida nas reformas antecipadas, mas sem mudanças drásticas
O Governo criou um grupo de trabalho para estudar medidas para garantir a sustentabilidade da Segurança Social no futuro, e a reavaliação do atual regime da reforma antecipada está entre as suas atribuições. Os economistas ouvidos pela agência Lusa, sem descartarem a necessidade de ajustes ao regime, consideram que devem ser evitadas alterações drásticas.
Pedro Mota Soares, ex-ministro da Segurança Social, diz que se deve ir "introduzindo as reformas que sejam necessárias", mas que o sistema deve prever "cláusulas de salvaguarda" para certos grupos populacionais como, por exemplo, os desempregados de longa duração. Neste caso, diz o antigo governante, deve manter-se o acesso à reforma antecipada, por ser muitas vezes a única saída para os trabalhadores mais velhos que terão dificuldade em voltar ao mercado de trabalho.
De acordo com dados de 2023 citados pela Lusa, a Segurança Social atribuiu nesse ano 102.435 novas pensões de velhice, 21.769 das quais eram pensões antecipadas e destas, 40%, ou seja, cerca de 9039, foram atribuídas após desemprego de longa duração.
Para não sobrecarregar o sistema de pensões e garantir a sua sustentabilidade, Pedro Mota Soares admite, por exemplo, que "possa fazer sentido" que a idade de acesso à reforma antecipada avance também em função da esperança média de vida, como acontece na idade normal de reforma. Mas alerta que qualquer alteração deve ser feita em diálogo, para que haja estabilidade.
"É preciso ter capacidade de olhar para a frente e de ir introduzindo as reformas que sejam necessárias, tentando fazer estas reformas com o maior consenso possível", sublinha.
Também ouvido pela Lusa, o economista e professor da Universidade Católica, João César da Neves alerta que um travão generalizado às reformas antecipadas "pode ser demasiado drástico".
O economista considera que "bastava que o desconto na pensão de quem se quiser reformar mais cedo refletisse a perda que o país tem ao faltar o contributo dessa pessoa".
César das Neves ressalva que não há justificação para "pessoas perfeitamente válidas deixarem de contribuir para o país e viverem à custa de um sistema que está com fortes dificuldades financeiras".
Maria Teresa Garcia, professora no ISEG, sublinha, no entanto, que as penalizações atuais são pesadas e não incentivam a retirada precoce do mercado de trabalho. Por exemplo, quem se reformar aos 60 anos com uma carreira contributiva de 36 anos sofrerá um corte na pensão de quase 50%.
Estatísticas da Pordata apontam para 2.117.487 pensões de velhice em pagamento em 2023, 112.523 das quais antecipadas. Um ano antes, o total das pensões de velhice era de 2.081.795 e as antecipadas 130.187, tendo-se verificado um decréscimo significativo.
Em abril do ano passado, a Comissão para a Sustentabilidade da Segurança Social entregou ao Governo um Livro Verde, em que considera que "o aumento das taxas de participação no mercado de trabalho, nomeadamente no grupo de pessoas com mais de 45 anos, é essencial para garantir a sustentabilidade financeira do Sistema Previdencial".
A Comissão, constituída em 2022 e que integrou Ana Fernandes, Amílcar Moreira, Armindo Silva, Manuel Caldeira Cabral, Susana Peralta e Vítor Junqueira, recomendou "a eliminação da possibilidade de acesso [à reforma antecipada] a partir dos 57 anos para quem ficou no desemprego aos 52 anos ou mais", com um período de transição de cinco anos.
"A transição para o novo regime seria feita ao longo de um período de cinco anos, ao longo do qual a idade mínima de acesso à reforma antecipada por desemprego de longa duração seria aumentada um ano, mantendo-se a diferença de cinco anos em relação à idade de desemprego", detalha o Livro Verde.
Quanto às restantes modalidades de reforma antecipada, ou seja, que não seja motivada pelo desemprego de longa duração, o Livro Verde - que também foi entregue à ministra Maria do Rosário Palma Ramalho - recomenda que "a evolução da idade mínima de reforma antecipada seja indexada à idade normal de reforma", tal como sugerem os economistas ouvidos pela Lusa.