Portugal tinha, em 2024, cerca de 1,8 milhões de pessoas em risco de pobreza, o que corresponde a 16,6% da população. É o mesmo que dizer que uma em cada seis pessoas no país são pobres, uma condição que incide de forma mais particular sobre os idosos, os estrangeiros, as pessoas com menor escolaridade e os residentes em zonas rurais. E não se pense que ter um emprego é garante de fugir à pobreza. Uma em cada dez pessoas empregadas são pobres. Os dados são do Relatório do Balanço Social 2024, o estudo anual publicado pela Nova SBE em parceria com a Fundação ‘La Caixa’ e o BPI, que hoje é formalmente apresentado em Lisboa e ao qual o DN teve acesso. E mostra que as transferências sociais são vitais para minimizar o risco de pobreza. Indica o relatório que, sem estas prestações, a taxa de pobreza em Portugal seria 2,6 vezes maior, subindo para 41,8% e que o custo para elevar o rendimento de todos os pobres ao limiar de pobreza seria superior a 19,4 mil milhões de euros. Um valor que compara com os 3,5 mil milhões calculados com a existentes dos vários apoios sociais existentes. “É importante ressalvar que este número permite apenas ter uma ideia da falta de rendimento acumulada de todos os pobres em Portugal”, refere o relatório, sublinhando que, “há muitos fatores” que estão na origem de uma situação de pobreza, e que “organizar as políticas públicas por forma a mitigar os mecanismos que causam a pobreza custaria muito mais do que este valor”. O estudo, que vai já na sua quinta edição, tem boas e más notícias. Ou como diz ao DN Susana Peralta, uma das autoras do estudo, a par de Bruno P. Carvalho, João Fanha e Miguel Fonseca, tudo depende de como se olha para o copo e se o vemos meio cheio ou meio vazio. As boas notícias é que o país “já reverteu, por completo, o aumento da pobreza que houve durante a pandemia”. E até se comporta melhor, em alguns dos indicadores analisados, como a taxa de privação material e social severa, do que a média da União Europeia. As menos boas? A falta de inclusividade do crescimento económico dos últimos anos.“Houve aqui um crescimento económico acima da média da UE, e que ninguém conseguia prever, como era inimaginável, há cinco anos, que o salário médio português chegasse aos 1800 euros, como chegou no último trimestre de 2024. Tivemos um mercado de trabalho que se mostrou muito resiliente a uma situação de aumento das taxas de juro e da inflação, ou seja, uma série de boas notícias na nossa economia, mas, depois, vemos que a performance na pobreza não é melhor do que estávamos à espera, o que quer dizer que o nosso crescimento não é tão inclusivo como devia”, defende a investigadora.Mas como se calcula a taxa de pobreza, que é o mesmo que, na UE, se passou a designar por risco de pobreza? Refere-se a todos os que vivem abaixo do chamado limiar da pobreza, que corresponde a 60% do rendimento mediano disponível, já somadas as transferências sociais. Em 2024, o limiar da pobreza em Portugal era de 7.588 euros ao ano, corrrespondentes a 632 euros mensais. A taxa de risco de pobreza no país desceu 0,4 pontos percentuais para os tais 16,6% da população residente, mas era de 44,3% entre as pessoas desempregadas, de 31% nas famílias monoparentais, de 25% entre os estrangeiros no país e de 23,5% nas pessoas com escolaridade até ao ensino básico, apenas..Pobreza. “Quando nos dizem que com trabalho e esforço se consegue, estão a mentir-nos". No caso dos idosos, a taxa de pobreza é de 21,1%, os tais um em cada cinco, e agravou-se em quatro pontos percentuais face ao ano anterior, ao contrário dos restantes grupos populacionais. Susana Peralta admite que esta alteração possa advir da melhoria do salários, em termos reais, que se verificou em Portugal, no ano passado. “Nós medimos a pobreza de modo relativo. Se o nível de vida mediano do país está a aumentar e as pensões não estão a acompanhar isso ao mesmo ritmo, isso vai gerar pobreza, porque, de facto, as pessoas ficam mais longe do tal standard de vida que, no fundo, é traduzido pelo indicador que designamos por limiar da pobreza”, acrescenta. Mas precisamente porque a pobreza monetária só por si pode ser enganadora, na comparação com países onde o nível médio de vida é bem mais alto - uma pessoa pobre no Luxemburgo ou na Suécia está, em Portugal, muito acima do limiar de pobreza -, o estudo procura cruzar os dados do rendimento com outros, como o indicador de privação material e social.Esta é uma taxa que mostra a percentagem de pessoas que apresenta dificuldades em 13 carências definidas pelo Eurostat, e que vão desde a incapacidade para pagar uma semana anual de férias fora de casa, para manter a casa adequadamente aquecida ou para comer, pelo menos a cada dois dias, uma refeição com carne, peixe ou o equivalente vegetariano. O atraso no pagamento de contas, como a renda, a luz ou a prestação ao banco, a necessidade de recorrer a ajuda se houver uma despesa inesperada ou a incapacidade de substituir roupa usada por alguma nova ou algo tão simples como ter dois pares de sapatos de tamanho adequado são outras das carências analisadas, bem como a avaliação do bem estar material e social que tem em conta, ainda, aqueles que não têm meios para participar regularmente numa atividade de lazer, não conseguem ter internet para uso pessoal em casa ou disponibilidade financeira para se encontrarem com amigos ou familiares uma vez por mês. Quem apresenta pelo menos setes das 13 carências definidas tem aquilo que se designa por taxa de privação material e social severa que, na média europeia, atinge 6,8% da população e, em Portugal, é de 4,9%. O problema é que a média europeia, neste tema, “está muito influenciada por países com elevadíssimos níveis de privação material e social”, como a Roménia e a Bulgária, que apresentam taxas de 19,8% e de 18%, respetivamente. O estudo conclui ainda que a privação material e social é 5 vezes mais comum entre a população pobre do que quem não o é. Mas há outras privações que são analisadas, designadamente a nível de edução, saúde ou habitação. Em 2024, a pobreza afetou de forma mais acentuada as pessoas com menor nível de escolaridade: a taxa foi de 23,5% entre quem só completou o ensino básico e de 6,5% entre os diplomados do ensino superior.No que se refere a habitação, os dados disponíveis são de 2023, e mostram que 27,7% das famílias pobres viviam em alojamentos sobrelotados, 37% não tinham capacidade para manter a casa aquecida no inverno e 50% não a conseguiam refrescar devidamente no verão. A proporção da população com encargos habitacionais excessivos é também maior entre as famílias pobres, acrescenta o estudo, que mostra que 26% das famílias pobres em Portugal têm encargos com a habitação que excedem 40% do rendimento do agregado. Entre quem não é pobre, essa percentagem é de apenas 6,4%. Significativos são os dados que mostram que 1,1% dos pobres, ou seja 15 mil pessoas, admitem que já tiveram que dormir na rua ou num espaço público por dificuldades em arranjar casa.Os pobres têm níveis de privação em saúde “mais elevados”, especialmente nos cuidados de medicina dentária, que não são disponibilizados pelo Serviço Nacional de Saúde: 43,2% versus 14,9% na população não pobre. Em 2023, quase uma em cada quatro das pessoas pobres “autoavaliam a sua saúde como má ou muito má”, contra os 11,5% dos que estão acima do limiar da pobreza.Voltando ao tema dos apoios sociais, as pensões de velhice são as que têm maior peso, seguidas da pensão de sobrevivência, subsídio de desemprego e pensões de invalidez. Com exceção do subsídio de desemprego, que teve uma redução de 13%, todos os montantes médios aumentaram em comparação com 2022. Transferências como o abono de família e a garantia para a infância abrangem cerca de 2 em cada 10 famílias. Mais, “na ausência de transferências sociais além das pensões, haveria mais 430 mil pessoas em risco de pobreza” em 2023. Mesmo assim, existiam 427 mil pessoas pobres com 65 anos ou mais e 346 mil crianças.O papel das transferências na redução da pobreza é maior nas regiões autónomas: na ausência de transferências sociais exceto pensões, a taxa de pobreza seria 6,6 pontos percentuais mais alta tanto na Madeira como nos Açores. No continente, as transferências sociais reduzem a taxa de pobreza no Norte de 23,8% para 18,8%. As transferências sociais têm menor impacto na Área Metropolitana de Lisboa, onde levam a uma redução na taxa de pobreza de 3 pontos percentuais.Um indicador “fortemente relacionado” com a pobreza é a intensidade laboral, ou seja, a percentagem de tempo total do ano em que os adultos estão a trabalhar. E os dados mostram que a percentagem de pessoas em agregados pobres com intensidade laboral muito baixa, isto é, nos quais as pessoas adultas trabalham menos de 20% do tempo, era de 27,2% em2023. Para os agregados acima do limiar da pobreza, este valor diminui para 2,1%. O estudo tem, ainda, um capítulo especial centrado nas condições laborais dos trabalhadores e que mostra que só 7,7% dos trabalhadores mais pobres ocupam funções de supervisão, contra 49,4% dos mais ricos. Cerca de 72% dos trabalhadores mais pobres trabalham no setor privado, o que compara com 54,6% dos trabalhadores mais ricos. Setores como o governo ou a educação/saúde têm uma presença muito inferior no grupo dos mais pobres. Apenas 1,7% dos trabalhadores mais pobres estão ligados ao governo central/local, contrastando com 9,8% dos mais ricos. Ambos os grupos apresentam proporções semelhantes de trabalhadores por conta própria (10,7% para os mais pobres e 11,5% para os mais ricos). .Pobreza gera pobreza, trava progressos na educação e IVA agrava as desigualdades