Ministro da Economia, Pedro Reis, e ministro das Finanças, Miranda Sarmento, na apresentação do pacote de 60 medidas para a economia, ontem, em Oliveira de Azeméis.
Ministro da Economia, Pedro Reis, e ministro das Finanças, Miranda Sarmento, na apresentação do pacote de 60 medidas para a economia, ontem, em Oliveira de Azeméis.José Coelho / Lusa

Corte anunciado do IRC até 15% pode ficar no papel

Medidas fiscais do Programa Acelerar a Economia têm que ir a votos na Assembleia da República. Atual xadrez político não auspicia votação favorável.
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A descida progressiva do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) até aos 15% em 2027 foi uma das promessas eleitorais do Governo de Luís Montenegro e ontem foi aprovada em Conselho de Ministros, dentro de um pacote de 60 medidas para “Acelerar a Economia”. É considerada uma das mais relevantes deste programa, mas também a que gera mais dúvidas quanto à sua transposição para lei. Fiscalistas contactados pelo DN/Dinheiro Vivo admitem ser difícil obter o necessário consenso parlamentar, à semelhança do que sucedeu com o IRS.

A proposta da redução do IRC dos atuais 21% para 15% tem que ser vertida em lei, o que é uma competência exclusiva da Assembleia da República, lembra Luís Marques, partner de Tax na consultora EY. Para tornar efetiva esta medida, o Governo de Montenegro tem de garantir na votação uma maioria parlamentar. Aliás, a questão estende-se a todas as propostas fiscais ontem anunciadas, com exceção da que se refere à criação de um mecanismo de tributação mínima de 15% para grupos multinacionais e nacionais, já que é uma transposição de uma diretiva comunitária. “Não vejo, neste momento, como será possível reunir consenso político”, diz Diogo Bernardo Monteiro, fiscalista da Eversheds Sutherland. Na sua perspetiva, “é muito difícil o PS aprovar genericamente” estas medidas.

No Programa Acelerar a Economia, o Executivo prevê a redução gradual da taxa de IRC em dois pontos percentuais por ano até 15% no final da legislatura - em 2025, a taxa prevista é já de 19% -, para impulsionar o crescimento económico e o investimento, estimular a capacidade das empresas em investir e melhorar salários. Para as pequenas ou médias empresas e empresas de pequena-média capitalização, está prevista uma redução gradual da taxa em três anos, e 17% para 12,5%, sendo aplicada aos primeiros 50 mil euros de matéria coletável.

Luís Marques recorda que o PS já se opôs a estas mexidas no imposto às empresas. “Atendendo ao xadrez político, ou o Governo se entende com algum partido ou a proposta não vai passar. Sozinho não vai conseguir.” Este contexto pode levar à repetição do ocorrido com o IRS. A proposta do Governo foi chumbada e foi a do PS que acabou por vingar. No atual quadro político-partidário, “pode repetir-se a última experiência e a oposição avançar com um segundo programa”, diz.

Para o fiscalista da Ilya, Luís Leon, o Governo fez “uma opção de não se sentar com nenhum partido, escolheu fazer uma navegação à vista”. Resolver este impasse, “só com o Chega”, aponta.

Já a proposta de introdução, no início do próximo ano, do conceito dos grupos de IVA, para melhorar a tesouraria das empresas, não deverá enfrentar dificuldades no Parlamento. Como defende Diogo Bernardo Monteiro, “é neutra do ponto de vista ideológico”. Apesar destes potenciais entraves, o Programa Acelerar a Economia foi bem recebido pelos fiscalistas. “Regra geral, as medidas fiscais que estão previstas são razoáveis e importantes para as empresas”, embora não constituam nenhuma inovação, diz o especialista da Eversheds Sutherland. Luís Leon também advoga que “vão no sentido certo, de haver uma menor apropriação da riqueza por parte do Estado, deixando mais riqueza em quem a cria para gerar mais riqueza”.

Patrões querem mais

A CIP - Confederação Empresarial de Portugal saudou o anúncio das medidas integradas no Programa Acelerar a Economia, considerando que “traduz um esforço evidente no sentido de colocar Portugal na rota do crescimento sustentado”. Em comunicado, a cúpula associativa liderada por Armindo Monteiro, realça que “a redução gradual do IRC, tal como a baixa dos impostos sobre o trabalho, são decisões absolutamente fundamentais para a economia portuguesa”.

Mas não só. A CIP destaca um conjunto de propostas, que vão ao encontro do já defendido pela confederação, como a redução dos prazos de pagamento do Estado a fornecedores, a revisão do regime de dedutibilidade fiscal do goodwill, alargando o âmbito da sua aplicação à ação de participações sociais, o reforço de programas de incentivo à integração de doutorados nas empresas, a agilização da análise de candidaturas aos sistemas de incentivos, entre outras.

Na nota, a CIP não deixa de destacar “a necessidade de ser cumprida a intenção expressa no Programa do Governo de eliminar, de forma gradual, a progressividade da derrama estadual e da derrama municipal em sede de IRC”. Sobre esta matéria, Diogo Bernardo Monteiro, defende que estas taxas desincentivam mais o investimento estrangeiro em Portugal, e principalmente de grande dimensão, do que o IRC. “Essas taxas combinadas é que assustam os investidores”, diz. A CIP pede ainda ao Governo políticas públicas que incentivem a produtividade, alterações na área do trabalho que aproximem Portugal do enquadramento legal que vigora nos países mais desenvolvidos da UE e a desburocratização do Estado, “processo absolutamente imprescindível”.

A Confederação do Turismo de Portugal (CTP), representante de um setor que tem 16 medidas inscritas no Acelerar a Economia, lembra faltar ainda ao pacote “a devida programação e calendarização das medidas”. Mas não tem dúvidas de que é “muito positivo para o Turismo”, lê-se no comunicado enviado às redações. A CTP realça a decisão do Governo de avançar com propostas da confederação, de que são exemplo o lançamento de uma nova estratégia para o turismo, o reforço da digitalização, um plano de sustentabilidade ambiental e climática, a reestruturação do modelo de formação do setor ou o programa de integração de migrantes nesta atividade.

Francisco Calheiros, presidente da CTP, lembra, no entanto, que “agora, tal como se tem passado com o novo aeroporto, para além do anúncio das medidas falta a sua concretização”. E aproveita para lembrar que faltam aprovar outras medidas, “como o apoio à fusão e consolidação de empresas com vista a ganharem escala internacional ou um Simplex administrativo, fiscal e laboral para o turismo”.

Já a Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas considera este programa um “travão” para as suas representadas. “Uma vez mais são anunciadas medidas e mais medidas, a sua maioria faseadas (...), mas não dando resposta às necessidades prementes das MPME, como sejam o fundo de tesouraria, linhas de crédito, Segurança Social, arrendamento não-habitacional próprio, entre outras”. Em comunicado, defende que o Governo “segue a estratégia das 42 grandes empresas/grupos que constituem a ABRP [Associação Business Roundtable Portugal]”. Na sua análise, “das 60 medidas, mais de dez serão, em teoria, umas ‘vitaminas’ às micro e pequenas empresas”. 

MEDIDAS

IRC de 15%
O imposto vai ser cortado, de forma gradual, em dois pontos percentuais ao ano, de modo a chegar aos 15% em 2027. Ou seja, em 2025 baixa de 21% para 19%. No caso das PME, a redução gradual da taxa em três anos será de 17% para 12,5%, aplicável aos primeiros 50 mil euros de matéria coletável. Multinacionais e grandes empresas nacionais terão mecanismo harmonizado de tributação mínima de 15%, por diretiva da UE.

IVA de caixa
Vai ser flexibilizado de modo a tornar elegíveis para este regime as empresas que, no ano anterior, tenham atingido um volume de negócios até dois milhões de euros. É quatro vezes mais do que os 500 mil euros que estão em vigor atualmente.

30

Dias
é o prazo máximo de pagamento a fornecedores que o Estado quer implementar até ao final da legislatura, contribuindo para ajudar a capitalizar as empresas.

Inovação
Será lançado um fundo de investimento em startups de deep tech, com especial foco em tecnologias que contribuam para a descarbonização. Haverá, ainda, o reforço dos programas de incentivo à integração de doutorandos nas empresas.

Integração de migrantes
O Governo quer ter as empresas como fator integrador de migrantes e refugiados, pelo que vai criar um programa de formação e sua integração no Setor do Turismo. Prevê-se uma dotação de 2,5 milhões de euros proveniente do orçamento do Turismo de Portugal.

60

Dias
de prazo máximo do IAPMEI para análise de candidaturas a financiamento de projetos. 

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