Comissão Europeia visa Google e Apple no meio da guerra das taxas aduaneiras com os EUA
A Comissão Europeia decidiu esta quarta-feira que tanto a Alphabet, dona da Google, como a Apple estão em violação da Lei dos Mercados Digitais (DMA). Era uma deliberação que se esperava, mas apenas na próxima semana, surgindo antecipadamente num ambiente de guerra de taxas aduaneiras entre a União Europeia e os Estados Unidos.
No caso da Google, a principal acusação prende-se com o facto de esta empresa continuar a impedir que os criadores de aplicações móveis ofereçam (pelo menos de forma simples) os seus serviços a utilizadores fora da Play Store.
Já quanto à Apple, foi-lhe imposto um conjunto de medidas para garantir a interoperabilidade do seu sistema operativo móvel, o iOS, que é usado no iPhone e no iPad, com dispositivos de terceiros.
As empresas têm agora um período para apresentar os seus argumentos ao executivo comunitário. No entanto, ambas arriscam coimas cujo valor poderá ascender até 10% do total do seu volume de negócios anual, se for considerado que a lei da União Europeia continua a ser violada.
“Permitam-me que seja clara: o nosso principal objetivo é criar uma cultura de cumprimento da lei nos mercados digitais (...) mas, como sempre, aplicamos as nossas regras de uma forma justa e não discriminatória e no pleno respeito do direito das partes a defenderem-se”, afirmou a vice-presidente da Comissão Europeia responsável pela política de concorrência, Teresa Ribera, em comunicado citado pela Lusa.
Segundo o referido comunicado, no caso da Alphabet (Google), a UE pretende que os criadores de aplicações móveis possam contactar gratuitamente os utilizadores para publicitarem ofertas nos seus próprios ‘sites’, de forma a que estes as possam contratar sem a intermediação das plataformas.
O objetivo é evitar de forma simples a Play Store, a loja de apps da Google, e assim a comissão de 10% aplicada aos programadores por cada transação que os utilizadores fazem nas apps.
A Google reagiu de imediato, afirmando que esta decisão expõe "os europeus a malware e às fraudes de aplicações maliciosas".
"As conclusões da Comissão sobre o Android e a Play Store criam uma falsa escolha entre abertura e segurança", escreveu Oliver Bethell, diretor superior para a Concorrência da Google. "Ao contrário do iOS, onde a Apple exige rever primeiro as aplicações [antes de as colocar na loja], no Android os programadores podem distribuir as apps livremente. Isto cria mais opções do que qualquer outra plataforma: os utilizadores podem aceder a 50 vezes mais aplicações no Android do que no iOS. Mas se não conseguirmos proteger os nossos utilizadores de ligações fraudulentas ou maliciosas que os levem para fora do ambiente seguro da Play Store, a Comissão estará efetivamente a forçar-nos a escolher entre um modelo fechado e um inseguro", descreve.
Quanto ao valor das comissões cobradas, este responsável defende que este valor apoia "o desenvolvimento contínuo do Android e dos serviços Play". É este rendimento, garante, que permite manter este sistema operativo como "uma plataforma aberta que alimenta milhares de milhões de telefones em todo o mundo", para chegar às mãos "não só daqueles que podem gastar 1000 euros no mais recente modelo".
O fim do "made for iPhone"?
Já relativamente à Apple, o que está essencialmente em causa é a dificuldade de aparelhos terceiros, como smartwatches ou fones, ligarem-se aos telemóveis ou tablets da marca da maçã. O fabricante de Cupertino utiliza alguns protocolos de Bluetooth ou Wifi proprietários e quem cria acessórios para os seus aparelhos necessita de os cumprir -- daí surgir nas embalagens a designação "Made for iPhone" ou "Works with Apple".
A Comissão Europeia justifica a medida agora tomada com a defesa do consumidor -- que passará a ter mais opções de compra -- e defende ainda que também será benéfica para a Apple, pois irá aumentar a sua quota de mercado.
A própria empresa de Cupertino, no entanto, discorda. Um porta-voz reagiu: “Estas decisões envolvem-nos em burocracia, diminuindo a capacidade de a Apple de inovar para os utilizadores na Europa, obrigando-nos a oferecer os nossos novos recursos, gratuitamente, a empresas que não precisam de seguir as mesmas regras a que estamos obrigados.”
Atualmente, a Apple oferece já serviços distintos nos EUA e na UE, a nível de Inteligência Artificial, precisamente por as suas ferramentas recentes -- que correm maioritariamente na nuvem -- não serem compatíveis com os restritivos regulamentos de proteção de dados europeus.
Comissão critica pesquisas da Google
Na decisão desta quarta-feira, a Comissão Europeia salientou ainda que a Google, na sua página do motor de busca, dá prioridade aos seus próprios serviços, como o Google Shopping ou a pesquisa de hotéis e voos, beneficiando da sua posição dominante -- mais de 90% das pesquisas na Internet na UE são feitas através desta plataforma.
Este é um processo complexo e já antigo, que tem obrigado a Google a fazer alterações sucessivas na forma como apresenta os resultados das buscas para os utilizadores europeus.
Um dos sinais mais visíveis foi, em novembro, a redução de resultados de estabelecimentos comerciais no serviço Google Maps na página de pesquisa -- que antes surgia imediatamente numa janela lateral e agora surge apenas em baixo e as funcionalidades deste mapa é mais reduzida do que era anteriormente (pode ler mais detalhes AQUI).
Também relativamente aos voos e resultados de hotéis o número de resultados foi reduzido, pois a Comissão Europeia acusava o motor de busca de dar prioridade ao serviço Google Flights.
As alterações não foram, no entanto, suficientes, na ótica do Executivo comunitário.
Já Oliver Bethell argumentou, no referido blog oficial da Google, que ao serem impedidos de "mostrar resultados de viagens que levem as pessoas diretamente aos sites das companhias aéreas, estas acabam normalmente por comprar um bilhete mais caro, porque as companhias aéreas têm de pagar comissões aos sites intermediários. Estas alterações, e muitas outras que tivemos de fazer na Europa, já estão a fazer com que as empresas europeias percam até 30% do tráfego. Os utilizadores estão tão frustrados que muitos estão a recorrer a soluções alternativas desajeitadas para chegar às empresas e à informação que desejam".
Bethell referir-se-á a uma notícia de 5 de março do Telegraph dando conta que tanto a EasyJet como a British Airways vieram publicamente acusar as alterações impostas pela DMA à Google estarem a fazer com que os potenciais clientes não consigam encontrar os preços mais baixos -- e as companhias estão a perder negócio.
Meta (Facebook) também na mira
O Executivo da UE também abriu investigação contra a Meta, em março de 2024 por suspeita de violação da DMA, mas ainda não comunicou qualquer decisão.
A empresa-mãe do Facebook está a ser investigada por causa da política de privacidade de dados do Instagram.
Estas decisões da Comissão Europeia arriscam-se a irritar a administração norte-americana, uma vez que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já ameaçou a UE com mais taxas aduaneiras caso surjam medidas restritivas contra as empresas tecnológicas norte-americanas.