O setor financeiro português, nomeadamente o bancário, está mais bem preparado hoje do que há dez anos para enfrentar novas crises, mas atualmente já temos "sinais de alerta a não desprezar", avisou a vice-governadora do Banco de Portugal (BdP) na conferência anual do Diário de Notícias e do Dinheiro Vivo sobre banca e setor financeiro – Money Conference 2025.A abrir a conferência, que decorre esta segunda-feira, em Lisboa, Clara Raposo, do BdP, começou por dizer que "incerteza é uma expressão que nós no banco central não gostamos muito de usar", mas admitiu que hoje se vive uma nova e diferente "era da incerteza".A professora recordou que "a atual presidência dos EUA trouxe-nos uma instabilidade" de um estilo que nunca tínhamos vivido: "estamos dependentes de notícias do dia que no dia seguinte já podem ser outras", por exemplo.O atual quadro vem "acentuar de riscos" que já tinha sido detetados, como os conflitos geopolíticos na Europa (guerra da Ucrânia) ou no Médio Oriente (Gaza).. A vice-governadora alertou ainda para um novo fenómeno que deve preocupar: o facto de neste novo cenário de incerteza haver um "reflexo no dólar" e no seu "papel de moeda de refúgio internacional"."O comportamento [do dólar ] nos primeiros meses de 2025 tem dado mostras de inconstância, o que pode fazer com que o nosso euro venha a ter uma maior afirmação em termos internacionais", afirmou a responsável do banco central.Seja como for, a economia europeia e internacional está a sofrer desta vaga de incerteza e estabilidade. "Tudo isto tem implicações" e em Portugal "estamos vulneráveis a situações de maior risco".Mais: Clara Raposo contraria a visão mais otimista do ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, sobre o significado da contração da economia (PIB - Produto Interno Bruto) no primeiro trimestre deste ano, como anunciou recentemente o INE. Caiu 0,5% face ao final de 2024, a mais descida desde 2014, excluindo claro o período da pandemia.Na altura, o atual ministro das Finanças desvalorizou, disse que isso não compromete a meta de crescimento do governo para este ano (2,4%), que terá sido porque o último trimestre do ano passado foi muito forte. A vice-governador pressente que haja algo mais ameaçador por detrás.Sendo certo que "o ponto de partida para Portugal, no final de 2024, é muito positivo", "vimos de uma situação de crescimento superior a média da Zona Euro", e sabendo que a economia está menos endividada e os bancos mais robustos, "há sinais de alerta que não podemos desprezar", Clara Raposo defendeu que "há um alerta no crescimento negativo da economia portuguesa no início de 2025".Mais: a economista também referiu que temos de assumir "como alerta, as revisões recentes do Fundo Monetário Internacional e da Comissão Europeia".O FMI, em abril, previu um crescimento de 2% para Portugal, este ano. Já este mês, Bruxelas projeto apenas 1,8%. Bastante menos face aos 2,4% do governo ainda em funções.A vice-governadora recordou ainda que, nesta sequência mais fraca de projeções, "o BdP vai revelar previsões a 6 de junho", no próximo boletim económico.Para a responsável, o atual ambiente macrofinanceiro releva "riscos para a estabilidade financeira" portuguesa e não só, e mostram que "não estamos imunes ao que se passa à nossa volta", mesmo estando mais bem preparados – bancos, empresas, famílias, Estado.Taxas de juro: "Mercados dizem que haverá mais descidas"Sobre a questão quase sacramental de qual será o rumo das taxas de juro nos próximos tempos, Clara Raposo disse que "estamos em período de silêncio" até à decisão do Banco Central eEuropeu (BCE), a ser revelada na quinta-feira da próxima semana (5 de junho).No entanto, a vice-governadora ilustra com: "os mercados dizem que vai haver mais descidas de taxas de juro".Se o alívio nos juros do BCE (a taxa de referência, de depósito, está hoje em 2,25% e, segundo os "mercados", pode descer mais 0,25 pontos percentuais na semana que vem) alivia muitas famílias e empresas, sobretudo em Portugal, onde o endividamento ainda é muito elevado, apesar de estar a descer, já no caso dos bancos quando as taxas de juro caem isso penaliza os lucros."Isto pode trazer aqui uma pressão adicional sobre a margem dos bancos", aceita Clara Raposo."Antecipa-se uma redução da margem financeira, mas não tanto quanto em 2024", acrescentou a banqueira central.Em cima desta "pressão", temos um "sinal de que os bancos têm margem para fazer mais", como conceder mais crédito, tendo em conta a "liquidez abundante" de que beneficiam há anos. "Vamos ter de olhar para isto", indicou a vice-governadora..Vítor Bento: "À banca portuguesa, exige-se mais 20% de capital do que à europeia"