China corta juros até mínimos históricos para evitar derrapagem económica
A China, que disputa com os Estados Unidos, à vez e consoante as métricas, o título de maior economia do mundo, anunciou esta terça-feira um enorme pacote de alívio monetário (corte histórico numa das suas taxas de juro de referência, combinado com um plano de ampla injeção de dinheiro barato no setor bancário), naquela que pode ser considerada já a quinta fase de um programa gigantesco de redução dos custos de crédito suportados pelas empresas e famílias (via banca).
Este plano tem vindo a ser revelado paulatinamente, nos últimos meses, pelas autoridades do país, mas ontem, o banco central, o Banco Popular da China (BPC), anunciou o pináculo do referido programa que vai tentar reanimar de vez a economia, que tem vindo a abrandar de forma notória e rara para os seus padrões históricos recentes, arrastada por uma crise imobiliária sem precedentes e por um ambiente muito mais hostil da parte do mundo ocidental ao nível do comércio internacional.
Para debelar as adversidades, o BPC anunciou ontem que irá descer a taxa de juro de referência relativa a operações de recompra de ativos aos bancos (para libertar fundos dos seus balanços e promover a liquidez de crédito), de 1,7% para 1,5%.
De acordo com analistas consultados, o valor 1,5% é o mais baixo de sempre, não sendo, contudo, comparável com as taxas de juro diretoras do BCE (Zona Euro) e da Fed (Estados Unidos). Mas o sinal de alívio é claro e foi bem recebido pelos “mercados”, dizem esses especialistas.
O banco central chinês anunciou ainda que vai exigir aos bancos da região yuan (a moeda da China) uma parcela menor em reservas obrigatórias, que pode libertar até 140 mil milhões de euros (um bilião de yuans) em concessão de crédito a preços mais vantajosos.
Além do grande motor da procura doméstica (consumo e investimento), a potência da economia chinesa assenta muito nas exportações e no investimento externo.
Portugal é disso exemplo: a China é o sétimo maior fornecedor nacional de mercadorias e um investidor de calibre em setores estratégicos (energia, imobiliário, banca) há muitos anos.
Desde a adesão plena à Organização Mundial do Comércio (OMC), em meados dos anos 2000, a China cresceu como economia e líder em vários setores de ponta e tecnológicos, conseguindo crescer em termos reais (descontando a inflação) a ritmos anuais de 10% ou mais. No entanto, nos últimos anos, o ímpeto arrefeceu bastante. Hoje, o BPC e o Governo de Pequim estão a dar tudo para agarrar a expansão da economia aos 5%. Várias previsões apontam já para menos que isso (abaixo de 4,9%).
Lynn Song, economista-chefe para a economia chinesa do grupo financeiro holandês ING, observa que “os dados económicos fracos nos últimos meses, denotam que o tempo está a esgotar-se para atingir a meta de crescimento deste ano sem um apoio de políticas agressivas”.
“Após o corte de 50 pontos base [0,5 pontos percentuais na taxa de juro Fed Funds] da semana passada por parte da Reserva Federal (Fed) e o subsequente fortalecimento do yuan, consideramos que o BPC já não tem as mãos atadas, tendo agora uma janela para a flexibilização da política monetária”.
Ontem, “em vez de se alongar em múltiplas e pequenas medidas de flexibilização”, o BPC avançou naquele que é considerado, no seu global, como o maior pacote de estímulos desde a pandemia de covid-19, em 2020.
O economista diz ainda que “o movimento mais importante foi um corte de 20 pontos base [0,2 pontos percentuais] na taxa de referência de recompra inversa a sete dias, com um corte de 1,7% para 1,5%”.
“Tendo em conta os padrões anteriores, os mercados esperavam múltiplos cortes nas taxas de 10 pontos base, pelo que um corte de 20 pontos base representa um movimento ligeiramente mais forte do que o esperado”, diz Lynn Song. Em todo o caso, “o impacto líquido dependerá se haverá mais cortes no futuro ou se o BPC adotará uma mentalidade de esperar para ver após o pacote de políticas de hoje [ontem]”.
A segunda medida “bem sinalizada” pelo governador do banco central, Pan Gongsheng, foi um corte de 50 pontos base (0,5% pontos percentuais) no tal rácio de reservas obrigatórias dos bancos nacionais (RRR), reduzindo o RRR dos principais bancos de 10% para 9,5%.
“Esta medida destina-se principalmente a impulsionar o sentimento económico, uma vez que a questão atual que se coloca não é falta de fundos para emprestar aos bancos, mas sim a falta de procura de empréstimos de alta qualidade num contexto de sentimento pessimista.”
Donde, diz o analista do ING, “é pouco provável que esta decisão tenha um grande impacto na atividade de crédito por si só, mas em conjunto com o corte das taxas poderá ajudar a apoiar a atividade de crédito”.
Na extensa conferência de imprensa, o governador sinalizou também que poderão cortar 0,2% a 0,25% na taxa de juro de referência dos empréstimos ao setor privado (famílias e empresas).