Casa e alimentação levaram 15 mil famílias sobre-endividadas a pedir ajuda no primeiro semestre
Leonardo Negrão

Casa e alimentação levaram 15 mil famílias sobre-endividadas a pedir ajuda no primeiro semestre

Portugueses recorrem cada vez mais a empréstimos pessoais e aos cartões de crédito para pagar as despesas básicas, alerta a Deco. Endividamento jovem cresce à boleia da garantia pública.
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Pagar as contas no final do mês é um desafio que se agiganta para um número cada vez maior de portugueses. Entre janeiro e junho chegaram à Deco mais de 15 mil pedidos de ajuda de famílias sobre-endividadas. O quadro está ligeiramente acima do primeiro semestre do ano passado, embora se mantenha estável, sinaliza a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, que explica que estes dados têm sido já “bastante elevados” nos últimos anos.

A fatura com as despesas relativas à habitação e à alimentação são as que mais pressionam o orçamento familiar. Sem margem para cumprir as obrigações mensais, a maioria dos agregados acaba por recorrer ao endividamento para conseguir colocar comida na mesa ou ter um teto para viver.

Notamos, este ano, uma maior pressão nas famílias que estão a trabalhar a tempo inteiro e que chegam ao final do mês sem dinheiro suficiente para pagar os encargos com a habitação e com a alimentação. São as parcelas que absorvem mais dinheiro às famílias e que, nos últimos tempos, têm assumido um maior peso”, explica ao DN Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira (GAF) da Deco.

O aumento do custo de vida é o principal responsável pelo declínio da saúde financeira. “Há uns anos, os problemas de endividamento surgiam devido a causas externas como são exemplos uma situação de desemprego, doença ou divórcio. Neste momento, aquilo que verificamos é que é o aumento do custo de vida o principal responsável por estas situações”, indica. Com a corda ao pescoço, estas famílias acabam por contrair empréstimos pessoais ou recorrer a cartões de crédito adensando uma espiral de endividamento. O crédito à habitação era, no passado, o principal mote das dívidas, mas os preços do arrendamento no país têm espoletado uma corrida aos créditos pessoais.

“Este é um dos principais desafios a apontar este ano. Estávamos habituados a ajudar as famílias a reorganizar os créditos da casa, mas agora há um número significativo de pedidos de ajuda relativos a arrendamento”, prossegue.

A coordenadora do GAF detalha que estes mecanismos são utilizados para liquidar a prestação mensal da renda ou, por exemplo, para cobrir as cauções em caso de mudança de habitação. Natália Nunes assume-se “preocupada” com o panorama do endividamento dos portugueses: em média, cada uma destas famílias tem seis créditos contraídos. Olhando para o perfil, a maioria dos sobre-endividados que batem à porta da Deco têm entre 40 a 50 anos e 27% são reformados.

Endividamento jovem cresce à boleia da garantia pública

A garantia pública no crédito à habitação, destinada aos mutuários até aos 35 anos, tem originado “um aumento significativo” de pedidos de aconselhamento desta faixa etária à Deco, o que não era habitual. “As medidas para a habitação jovem, como garantia pública, a isenção do IMT e o Imposto Selo, acabaram por promover a entrada no mercado do crédito de muitos jovens”, refere.

A especialista elogia, contudo, o sentido de responsabilidade demonstrado neste processo. “O que temos visto é que estes jovens são cada vez mais responsáveis no momento de contratar um crédito de habitação, uma vez que é uma decisão de longo prazo. Muitos equacionam se devem ou não avançar e é nesse sentido que nos procuram”, detalha. Para já, ainda não existe “um reflexo negativo” destes empréstimos, ou seja, a associação não tem conhecimento de casos de incumprimento referentes aos créditos contraídos por via da garantia pública.

“Mas não nos podemos esquecer que são essencialmente os jovens com rendimentos mais elevados que estão a beneficiar deste mecanismo. Há uma outra realidade, com a qual nos temos deparado, de jovens que até pretendiam sair da casa dos pais ou deixar de partilhar casa, mas não conseguem porque não têm rendimentos que lhes permitam aceder ao crédito”, frisa.

O Banco de Portugal confirmou, esta semana, que a procura de empréstimos por parte de particulares aumentou no segundo trimestre à boleia do crédito à habitação. No Inquérito aos Bancos sobre o Mercado de Crédito, o regulador destaca que o “regime regulamentar e fiscal do mercado da habitação”, ou seja, a garantia pública, tem instigado a procura. O BdP justifica ainda o incremento desta fileira do endividamento com as taxas de juro mais baixas e com um maior nível de confiança.

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Cartões de crédito antigos com juros acima do máximo do Banco de Portugal agravam endividamento

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