Aumento permanente dos custos da energia provocará corte definitivo de empregos em toda a Europa
O aumento agudo e permanente dos custos da energia nos últimos três anos, sobretudo desde o início da guerra da Rússia contra a Ucrânia, no início de 2022, está a exercer uma pressão enorme sobre as empresas em toda a Europa, mas com especial grau de severidade as de setores muito intensivos em energia, como as indústrias químicas, cimenteiras ou metalúrgicas, indica um estudo publicado pelo Banco Central Europeu (BCE), esta semana.
O trabalho, assinado pelos economistas Gert Bijnens, John Hutchinson e Arthur Saint Guilhem, refere que “os preços elevados e persistentes da energia estão a exercer pressão sobre as indústrias em toda a Europa”, mas aponta que “algumas regiões, como sul da Alemanha, Ruhr e norte de Itália, estão a ser mais afetadas do que outras” e que isto terá implicações negativas para o emprego no futuro. Podemos estar a falar em centenas de milhares de empregos em perigo.
O estudo com a chancela do BCE não versa sobre Portugal, mas os dados mais recentes do Eurostat mostram que a economia portuguesa sofreu um agravamento de 14,7% no custo da eletricidade (sem impostos) sobre consumidores “não particulares, não familiares” no segundo semestre de 2024 face a igual período de 2023. É o maior a nível europeu.
Logo a seguir, os consumidores empresariais mais penalizados são os da República Checa (11,8%), Dinamarca (9,8%), Grécia (9,4%), Alemanha (8,5%) e Lituânia (1,3%), indica o gabinete europeu de estatísticas.
Alguns países e a Europa como um todo têm beneficiado de um alívio recente no custo da energia elétrica, mas nada que compense os aumentos brutais que se verificaram quando deflagrou a guerra na Ucrânia. Ou seja, há um aumento que veio para ficar. Pode ser “permanente”.
O preço da eletricidade em euros por kWh (quilowatt/hora) duplicou entre o início de 2022 e o final de 2023, depois aliviou, mas, no fim do ano passado, estava 55% acima dos níveis pré-guerra da Ucrânia.
O estudo do BCE é perentório. Aumentos permanentes destes custos energéticos colocam uma pressão tal sobre as empresas europeus e a sua competitividade (e mais agora, num contexto de guerra tarifária) que haverá consequências negativas na produção vendida, nos investimentos e, inevitavelmente, no emprego.
“Os elevados custos da energia ameaçam a competitividade das empresas europeias e afetam o emprego”, afirmam os autores do estudo divulgado pela autoridade de Christine Lagarde.
“Com base em dados a nível empresarial, estimamos que um aumento permanente de 10% nos preços da eletricidade pode reduzir até 2% o emprego nos setores intensivos em energia”.
Pior. Segundo os economistas, “os danos podem ser ainda maiores: por cada emprego perdido na indústria transformadora de alta tecnologia, podem seguir-se vários outros nos serviços locais”.
Portanto, o problema em certas indústrias transformadoras, sobretudo em grandes operações, facilmente contaminará os seus fornecedores na cadeia de valor.
O estudo conclui ainda que “estes efeitos são ainda mais significativos em regiões com grupos de indústrias de elevada intensidade energética, incluindo sul da Alemanha, Ruhr, norte de Itália e, ainda que em menor grau, o norte da Bélgica”.
Não há fórmulas mágicas para derrotar o fenómeno se este for estrutural e permanente, mas “uma energia mais barata e mais limpa, políticas de retenção dos trabalhadores e flexibilidade do mercado de trabalho poderão ajudar a enfrentar estes desafios”, defendem os autores.
Como referido, e isso é reconhecido no estudo do BCE, “apesar de terem descido em relação aos picos registados em 2022, os preços da energia na Zona Euro ainda estão muito acima das médias de longo prazo e poderão manter-se elevados no futuro”.
“Os preços elevados são uma pressão financeira tanto para as famílias como para as empresas. Tal é especialmente verdade no caso da eletricidade, que representa uma parte considerável e crescente do consumo de energia na Zona Euro”.
Mas há uma diferença entre o impacto nas famílias e nas empresas. “Enquanto os preços para as famílias são determinados em grande medida pelas taxas de distribuição, impostos e regulação, os grandes utilizadores industriais estão diretamente expostos às tendências do mercado grossista”, com “alguns países” a enfrentarem atualmente “preços que são o dobro face à realidade anterior à crise energética”.
“Estes aumentos podem ser atribuídos a tensões geopolíticas, ao aumento dos preços das licenças de emissão e ao investimento insuficiente em energias renováveis para compensar a utilização de combustíveis fósseis”, explicam os economistas.
Quo vadis emprego?
Neste quadro “desafiante”, a questão que se levanta qual será o rumo do emprego, claro.
“Então, qual é o impacto de uma energia mais cara no emprego? Para responder a esta questão, analisámos dados retirados das demonstrações financeiras de cerca de 200 mil empresas industriais na Bélgica, França, Alemanha, Itália, Países Baixos e Reino Unido” e “concluímos que um aumento permanente de 10% nos preços da eletricidade pode reduzir o emprego nas indústrias mais intensivas em energia em 1% a 2%”.
Como referido, “as consequências económicas seriam substanciais e concentradas em áreas específicas, como sul da Alemanha, Ruhr e norte de Itália”.
Problema alastra à hotelaria e ao comércio na vizinhança
Depois, “além dos efeitos diretos estimados, temos também de considerar a perda de empregos em setores indiretamente afetados, como os serviços”.
“Os dados empíricos sugerem que os empregos na indústria transformadora de alta tecnologia criam uma maior procura de serviços locais não transacionáveis, como hotelaria e comércio a retalho nas proximidades”.
Aqui, o efeito de propagação do problema é avassalador. Segundo o estudo, por cada posto de trabalho numa empresa de alta tecnologia que se perde, “podem desaparecer cinco empregos adicionais” nas empresas da vizinhança industrial.
Em Portugal, também já dói
No final do ano passado, perante o avanço persistente dos preços da energia, alguns representantes empresariais pediram apoio ao governo português para travar o aumento enorme dos custos e suavizar o agravamento que já de si é permanente.
Segundo o Jornal Económico, “a Associação Portuguesa dos Industriais Grandes Consumidores de Energia Elétrica (APIGCEE) pede a intervenção imediata do Governo de forma a reduzir-se alguns dos custos suportados por estas empresas”.
Em comunicado, a APIGCEE, onde estão representados gigantes como a Air Liquide, Altri, BA Glass, Bondalti, Cimpor, Megasa - Siderurgia Nacional, Secil, Somincor ou Navigator, diz que “tem sido confrontada com uma enorme volatilidade e um aumento significativo do preço da eletricidade nos mercados grossistas, o que tem causado enormes constrangimentos operacionais e financeiros aos nossos associados”.
“Esta situação levou já ao encerramento temporário da atividade de algumas instalações”, como a Siderurgia Nacional.
Segundo o mesmo comunicado, o “custo total em que as empresas eletrointensivas em Portugal têm de incorrer com a eletricidade – incluindo a compensação pelos custos indiretos do CO2 [dióxido de carbono] e outros custos ou encargos diretos e indiretos – é superior (muitas vezes bastante superior) ao custo que os nossos concorrentes suportam na União Europeia”.
O estudo do BCE toca justamente neste ponto, também.
“A persistência de preços elevados da energia afecta a competitividade das indústrias” e, “naturalmente, isto é particularmente verdadeiro para os setores de energia intensiva, como produtos químicos, metais e cimento”, indicam os três investigadores.
“As empresas podem não ser capazes de repercutir estes aumentos nos clientes sem perderem vendas” nos mercados internacionais, por exemplo, num quadro de forte quebra na competitividade.
E com o tempo, se os custos mais elevados da energia persistirem, “o declínio das vendas pode acabar por conduzir à perda de postos de trabalho”.
“A desvantagem competitiva é ilustrada em números: os preços da eletricidade na União Europeia são atualmente 2,5 vezes superiores aos dos Estados Unidos e os preços do gás quase cinco vezes superiores”, sublinha o estudo do BCE.
Bruxelas receia deslocalizações e apoia Portugal
Perante o agravamento do problema, há meses que a Comissão Europeia tem vindo a delinear um plano de apoios para tentar minimizar o impacto da inflação nas empresas europeias que mais precisam de consumir energia para produzir e manter-se à tona. Portugal foi incluído, claro.
No final de abril, a Comissão aprovou “um regime de auxílios estatais no montante de 612 milhões de euros a favor das empresas portuguesas com utilização intensiva de energia”. Muitos outros Estados-Membros foram contemplados.
Segundo Bruxelas, este apoio anunciado a Portugal destina-se “a reduzir as taxas de imposto sobre a eletricidade cobradas” às referidas empresas que usam intensivamente energia, bem como “a diminuir o risco de estas empresas deslocalizarem as atividades para países terceiros com políticas climáticas menos ambiciosas”.
Ou seja, para tentar aplacar o risco de destruição de empregos em massa e a perda de investimentos avultados.