Desde 2022 que os estrangeiros que investiram em Portugal para obterem um visto gold aguardam aprovação dos pedidos submetidos à Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA). “Temos clientes que fizeram os seus investimentos em 2021 e ainda aguardam pré-aprovações, outros que vieram a Portugal para realizarem a entrevista para os dados biométricos e ainda hoje aguardam a notificação da aprovação final”, revela Raquel Galinha Roque, sócia da CRS Advogados. O prazo legal do processo são 90 dias.Este atraso nos processos das Autorizações de Residência para Investimento (ARI), a designação oficial dos vistos gold, começou ainda no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que, em outubro de 2023, foi extinto para dar lugar à AIMA. Já sob tutela da agência, o número continuou a aumentar. “Não tenho conhecimento de terem sido aprovados pedidos dos anos de 2022, 2023, 2024 e 2025”, diz Raquel Cuba Martins, sócia responsável pelo Departamento de Imigração, Golden Visa e Nacionalidade da SRS Legal. Como adianta, “na presente data aguardamos que sejam analisados pedidos submetidos no portal ARI durante o ano de 2022 e em data posterior”. E realça: “A situação é bastante complicada”.A Abreu Advogados tem “cerca de 500 pedidos em espera, onde se incluem investidores e familiares, alguns desde 2022”, conta Raquel Brito, associada sénior deste escritório. Os requerentes são oriundos de países como os Estados Unidos da América, Brasil, Turquia, Índia, entre outras nacionalidades. A CRS contabiliza “perto de quatro centenas de processos” em atraso de investidores com origens tão distintas como Turquia, África do Sul, Índia, China- Hong Kong e China-Taiwan, Estados Unidos da América, Vietname, Canadá, Brasil, Chile ou Argentina.De acordo com Raquel Galinha Roque, os processos que avançaram foram de “clientes que optaram pela via judicial, mediante uma ação intentada contra a AIMA e que conduziu a que esta entidade fosse condenada e procedesse ao agendamento e emissão dos cartões de residência”. Segundo revela, “esta opção tornou-se bastante ‘popular’ como forma de pressionar a AIMA a agir, tendo inclusive o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa passado quase em exclusivo a lidar com uma sobrecarga anormal destes processos”.David Moura-George, diretor geral da Athena Advisers (consultora imobiliária focada em clientes estrangeiros), conta que vendeu uma casa nos Açores a uma investidora norte-americana com vista à atribuição de um visto gold, que acabou por desistir do processo devido ao longo tempo de espera pela aprovação. A cliente chegou a pensar em processar o Estado, mas acabou por optar por vender o imóvel. Na África do Sul, já ninguém quer ouvir deste programa português. “Está completamente descredibilizado”, afirma.Novos procedimentosEntretanto, em janeiro, a AIMA promoveu reuniões com advogados para explicar que procedeu à atualização da plataforma onde se efetuam as submissões dos pedidos de vistos gold, tendo alterado os procedimentos. Foi, nessa altura, que o organismo presidido por Pedro Gaspar deu conhecimento que existiam cerca de 50 mil processos pendentes. Segundo Raquel Galinha Roque, a AIMA solicitou aos advogados que contactassem os seus clientes no sentido de submeterem online todos os documentos que a lei exige. Isso implicou que “tivéssemos de contactar cerca de 350 clientes para cada um deles nos enviar novos documentos atualizados”, realça.No entanto, a plataforma apresenta algumas falhas que carecem de correção, defende Raquel Cuba Martins. A advogada revela que alguns requerentes não conseguem “fazer a submissão dos documentos e reenvio para a AIMA, pois o portal não o permite” e, quando a submissão é possível, “deparam-se com a impossibilidade de submeter os documentos relativos aos familiares e não existe qualquer orientação da AIMA quanto ao que fazer nesta situação”. Há também dificuldades em contactar a AIMA por email. Como indica, “nem sempre é possível dado que a caixa de correio não permite a receção dos mesmos”.À data, “apenas um número muito reduzido de requerentes recebeu uma comunicação/aprovação posterior à submissão dos documentos” e “não foi divulgada também qualquer informação sobre como se processará o agendamento dos requerentes e familiares, após a análise/aprovação da candidatura”, diz a advogada da SRS Legal. Desde a semana passada, este escritório não consegue emitir o documento para pagamento das taxas de análise dos novos pedidos submetidos. “O constrangimento que esta situação causa é enorme. O requerente fez o investimento, submeteu os documentos e não consegue finalizar o seu pedido nem ter qualquer resposta”, sublinha Raquel Cuba Martins.Segundo Raquel Brito, “a AIMA passou para os investidores/representantes legais, o ónus da ressubmissão online dos documentos válidos a esta data, para avançar com o agendamento da recolha dos dados biométricos e dar, assim, andamento aos processos”. Com isto, reduziu as pendências, mas exigiu “um trabalho acrescido aos investidores que têm de obter documentação atualizada, acarretando custos e tempo”. A Abreu Advogados já efetuou a ressubmissão dos documentos, mas até agora não foi notificada para qualquer agendamento de recolha de dados biométricos.Em suma, os especialistas ainda não conseguiram avaliar a eficácia destes novos procedimentos para processar e responder às solicitações. “Se a ferramenta não for acompanhada de um reforço dos recursos humanos e da otimização dos procedimentos internos, o problema dos atrasos permanecerá”, vaticina Raquel Brito. Já Raquel Galinha Roque considera que a agência “mostrou, finalmente, que se encontra a dar atenção ao tema”. Mas “nesta fase, não conseguimos saber se estas medidas vão efetivamente permitir, de uma vez por todas, acelerar a análise dos processos e atribuir as autorizações de residência mais rapidamente”, afirma.Doações à arteApesar de muito se falar no fim dos vistos gold, na verdade, o programa continua ativo e a despertar interesse. Atualmente, é possível obter um visto gold através de investimentos que criem, pelo menos, 10 postos de trabalho e por transferências de capital. Dentro deste último critério, enquadram-se transferências de montante igual ou superior a 500 mil para aplicar em atividades de investigação científica; de 250 mil para apoio à produção artística e recuperação ou manutenção do património cultural; de 500 mil euros para aquisição de partes de organismos de investimento coletivo não imobiliário; e 500 mil euros para constituição de uma sociedade comercial, conjugada com a criação de cinco postos de trabalho permanentes.A maioria dos interessados tem optado por investimentos em fundos não imobiliários e em produção artística e recuperação ou manutenção do património, dizem as especialistas. Os investidores estrangeiros que recorrem à CRS Advogados têm especial preferência por fundos e aplicam os seus capitais em energias renováveis, economia circular e projetos agrícolas. Este escritório tem “também vários clientes que optam pela doação de 250 mil euros a projetos culturais”. Raquel Galinha Roque sublinha que “são uma verdadeira doação sem qualquer expectativa de retorno”, dinheiro que é alocado a projetos pré-aprovados pelo Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais (GEPAC). Este ano, o GEPAC já definiu as atividades elegíveis para o corrente exercício, sendo que estão contempladas propostas para as fundações de Serralves, do Oriente, Caixa Geral de Depósitos - Culturgest, Casa da Música, entre outras. As nacionalidades mais ativas na obtenção de vistos gold continuam a ser a norte-americana, brasileira, turca, canadiana, indiana, chinesa e britânica.Os dados estatísticos disponíveis dos vistos gold revelam que, entre 2012 e setembro de 2023, foram concedidas 12 718 autorizações de residência, que geraram mais de 7 318 milhões de euros. Estes são valores disponibilizados pelo SEF antes da sua extinção. Desde então, a AIMA só revelou que no total de 2023 foram atribuídas 2901 ARI. O DN contactou a AIMA para esclarecer os atrasos nos processos e atualizar os números relativos à concessão destes vistos. A agência limitou-se a avançar que relativamente aos “dados de 2024, os mesmos ainda não estão totalmente apurados, sendo que serão divulgados assim que estiverem estabilizados”.