O grande apagão elétrico da passada segunda-feira provocou ondas de choque em toda a economia portuguesa, mas os setores de atividade sentiram de forma bastante diferenciada as dificuldades e os constrangimentos do “blackout” total ibérico.Segundo apurou o DN, a Volkswagen Autoeuropa, a segunda maior empresa exportadora do país (a seguir à Petrogal), esteve em “paragem técnica” desde quinta-feira da semana passada. A produção será retomada na manhã desta sexta-feira (hoje).Ou seja, pode dizer-se que a gigante do grupo VW como que contornou o black out, não tendo de recorrer aos seus poderosos geradores elétricos de apoio e emergência para manter a produção..Rede europeia que gere redes elétricas cria comité para investigar apagão . Pelo contrário, as companhias aéreas e os aeroportos viveram uma segunda-feira negra e parcialmente às escuras, e menos bonança tiveram os cerca de 36 mil passageiros que ficaram apeados, de voltas trocadas, muitos sem saber do paradeiro das suas bagagens, empilhadas nos corredores dos aeroportos de Lisboa e Porto.Mesmo com geradores, a falta de eletricidade fez colapsar os sistemas de recolha e entrega de bagagem. A partir das 11h30, nenhum avião saiu, nem aterrou em solo português. Em Espanha, o caos foi semelhante mais muito maior, claro.Autoeuropa, uma história felizMas comecemos pela história mais feliz, a da Autoeuropa. Várias fontes da empresa contactadas explicaram que se as linhas de montagem estivessem a andar, as operações dificilmente seriam interrompidas pelo apagão porque o gigantesco complexo de Palmela tem ampla autonomia energética, como referido.Mas, mesmo sem estar a laborar, o DN apurou que a fábrica não esteve, como nunca está, totalmente vazia, havendo testemunhos de perturbações na energia, tendo inclusivamente faltado a luz, mas foi por muito pouco tempo, disseram..Governo dá 20 dias a reguladores de comunicações, transportes e aviação para apurar causas e impacto do apagão. Segundo as mesmas fontes da VW Autoeuropa, esta “paragem técnica”, uma de várias que estão agendadas para este ano, aconteceu por um motivo maior: adaptar as linhas de montagem à produção do novo modelo T-Roc híbrido. Para tal, a empresa decidiu aproveitar os feriados do 25 de Abril e do 1º de Maio para fazer as referidas obras de adaptação.Segundo apurou o DN, a adaptação envolve a integração de novas máquinas e robótica que, ato contínuo, deve servir para acolher mais tarde, em 2026, a produção do VW ID.EVERY1, veículo que verá a luz do dia no ano seguinte.Este último será um elétrico a 100%, de "baixo custo" (fala-se em 20 mil euros por carro). Segundo o atual governo, é a nova jóia da coroa."De uma assentada, a economia portuguesa conquista a garantia de produção de um novo veículo elétrico, que assegura o futuro da unidade de Setúbal de uma fábrica de nova geração da Volkswagen, e de uma enorme cadeia de valor de fornecedores nacionais, por muitos anos", afirmou, há dois meses, o ministro da Economia, Pedro Reis.O apagão não foi negativo para o valor acrescentado da Autoeuropa porque os trabalhos em curso nesta paragem técnica são novo investimento.E certo é também que o apagão podia ter afetado e perturbado severamente algumas empresas mais pequenas daquele cluster automóvel, com autonomia energética reduzida, mas como muitas no perímetro são fornecedoras exclusivas da fábrica da VW também estiveram paradas na fatídica segunda-feira, não tendo de enfrentar as 11 horas de falta de energia total na rede da REN.A fábrica de Palmela tem cerca de 4.800 trabalhadores e nestes oitos dias foram dispensados do trabalho, estando a gozar os chamados “down days”, dias de pausa remunerados.Segundo a AICEP, a agência para o investimento e o comércio externo, do Ministério da Economia, a Autoeuropa tem um volume de negócios anual “de cerca de 3,8 mil milhões de euros”, “produziu 236.100 unidades [veículos] no ano passado”, “responde por 4% das exportações e 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB)”.Supermercados: aconteceu de tudoNo setor do comércio, da distribuição e da restauração houve situações para todos os gostos, como constatou o DN no dia do apagão, no centro de Lisboa.Uns fecharam, outros ficaram abertos, às escuras, a apontarem a faturação numa máquina calculadora com rolo de papel, ou mesmo à mão.Algumas lojas de grande dimensão optaram por se manter abertas porque pressentiram que, tendo em conta o momento disruptivo, haveria corrida aos bens essenciais (como comida enlatada, pão, água) e a outros não tão essenciais como o sempre desejado papel higiénico. Lembrou o início da pandemia. E assim foi.Muitas e enormes filas formaram-se ao longo do dia nos hipers e supers que conseguiram ficar abertos.Fonte oficial da rede de supermercados Continente, uma das maiores do país, explica em comunicado que “a larga maioria das suas lojas se manteve aberta e em funcionamento”, havendo apenas “interrupções pontuais para reabastecimento dos geradores”..Apagão. MAC teve ventiladores em risco, consultas e cirurgias adiadas e receitas voltaram ao papel.Nesse dia 28 de abril, “registou-se um pico de afluência às lojas, com um aumento significativo da procura por algumas categorias de produtos – água engarrafada, enlatados, pão industrial, carvão, pilhas e lanternas –, no entanto, a operação funcionou sem incidentes a registar”, diz a mesma fonte do grupo Sonae.Olhando apenas para este setor com uma forte componente alimentar e de bens perecíveis (frescos e refrigerados), o impacto na economia é misto. Se por um lado houve a corrida dos consumidores, por outro, terá ocorrido quebras por causa de produtos que se degradaram sem a devida refrigeração.“Sabemos que há prejuízos, não temos nenhuma queixa que quantifique”, afirmou João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), numa conferência organizada pelo Eco. O problema está sobretudo na área alimentar “devido ao corte das cadeias de frio”.No mesmo encontro, Armindo Monteiro, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), também confirmou o caso delicado da indústria agroalimentar, onde “contabilizamos prejuízos que não são recuperáveis” de maior valor. As perdas foram estimadas em “15 milhões de euros”. Em causa estão produtos lácteos, como iogurtes, queijos frescos, requeijão, por exemplo).Nesse dia houve também uma corrida às bombas de gasolina, o que pode ter impulsionado as vendas diárias, mas em contrapartida, o consumo de uma forma geral terá baixado porque, por exemplo, não foi possível pagar com cartões bancários, usar aplicações financeiras dos telemóveis (a partir da hora de almoço as telecomunicações, voz e dados, também caíram quase todas), nem tão pouco levantar dinheiro nos ATM. Embora as redes estivessem a funcionar, as máquinas (terminais de pagamento, caixas multibanco, etc.) desligaram-se todas.Sem dinheiro na carteira, muita gente ficou impedida de consumir.Aeroportos. 15 mil passageiros ficaram em terra na PortelaO dia também não correu de feição a quem tinha malas aviadas e viagem marcada. O caos nos vários aeroportos do país intensificou-se a partir do final da manhã, mas foi o Humberto Delgado, em Lisboa, o mais castigado. Na maior infraestrutura aeroportuária nacional, 36 mil passageiros foram afetados com perturbações nos voos. Além dos atrasos, os cancelamentos multiplicaram-se sem freio impactando 15 mil viajantes que não conseguiram embarcar no avião rumo ao destino planeado.Olhando apenas para o tráfego a partir da Portela, foram registados 520 voos e 65 mil passageiros, de acordo com os dados cedidos ao DN pela AirHelp.As contas revelam que mais de metade dos voos (56,6%) foram alvo de disrupções, sendo que 22,7% não tiveram luz verde para descolar, acabando por ser suprimidos..Restaurantes pedem apoios mas não quantificam perdas. Executivo ainda está a avaliar danos do apagão . No total, 55,8% dos passageiros sofreram com alterações na viagem. “O apagão teve um impacto irreparável nos aeroportos, com o pessoal a ter de operar em sistemas manuais e os passageiros a enfrentarem tempos de espera mais longos e perturbações”, explica a empresa que atua nos direitos dos passageiros.A AirHelp alerta que não há direito a qualquer compensação financeira uma vez que os motivos que originaram os transtornos são alheios tanto às companhias aéreas como aos aeroportos. Foram “circunstâncias extraordinárias” que não poderiam ter sido evitadas “mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis”.Os números absolutos referentes aos impactos no conjunto dos 10 aeroportos portugueses ainda não são conhecidos. O DN questionou a ANA Aeroportos, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição.Certo é que nas próximas semanas será rebobinado o filme do apagão e o Executivo já exigiu respostas.O Governo pediu uma auditoria com carácter “prioritário e urgente” aos reguladores da aviação, das telecomunicações e dos transportes. Cada uma das entidades terá agora de apresentar os respetivos relatórios num prazo de 20 dias.Nos documentos devem constar “conclusões claras e recomendações concretas”, pede o Ministério das Infraestruturas e Habitação.A tutela liderada por Miguel Pinto Luz emitiu, na passada quinta-feira, 30, três despachos que determinam à Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), à Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM) e ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) a realização desta avaliação.Economistas estimamOs economistas, na tentativa de medir o impacto geral do apagão na economia portuguesa, têm estimativas grosseiras e números para todos os gostos, mas os valores de que se falam são relativamente reduzidos face ao valor da economia (do PIB anual).Também não será de esperar impactos no emprego por causa de 11 horas sem luz. O efeito negativo do apagão pode variar entre 50 milhões de euros e mil milhões. Ou seja, é muito difícil de estimar.Uma primeira estimativa mais segura e completa do que aconteceu à economia deverá ser dada pelo Banco de Portugal, na publicação do indicador diário de atividade que vai ser divulgada dentro de uma semana, cobrindo já o período de sete dias que começa na segunda-feira 28 de abril e que termina no domingo 4 de maio.Mario De Cicco e Marcos Alvarez, dois economistas da agência de ratings Morningstar DBRS baseados em Espanha fizeram umas contas e concluíram, em todo o caso, que embora o impacto imediato deva ser “gerível”, com o tempo pode agravar-se, à medida que as seguradoras forem recebendo cada vez mais queixas e pedidos de indemnizações.“As perdas financeiras relacionadas com o pagamento de indemnizações por parte companhias de seguros serão geríveis”, dizem.“Embora continue a ser difícil fazer uma estimativa dos prejuízos, a nossa expectativa é que as perdas seguradas se situem entre 100 e 300 milhões de euros no caso de Espanha e uma fração desses valores em Portugal”.Mas, claro, “as perdas económicas totais serão várias vezes superiores a estes valores”.“Devido à natureza excecional do acontecimento e ao efeito generalizado do corte de energia, acreditamos que as seguradoras espanholas e portuguesas terão de enfrentar um volume extremamente elevado de sinistros”.Esse pico deverá acontecer sobretudo no domínio dos “seguros de habitação, comerciais, de viagens”, referem.E, claro, “colocará sob pressão as capacidades operacionais das próprias seguradoras”, sendo que falhas e falta “de respostas atempadas também podem causar danos à reputação das próprias companhias”, avisam.Quase todas as empresas - grandes, médias ou pequenas - foram afetadas, mas Mario De Cicco e Marcos Alvarez alertam que “nas pequenas e médias empresas (PME) prevemos que os segmentos mais afetados sejam retalho e hotelaria”.“A maioria das empresas foi forçada a fechar durante grande parte do dia e a ausência de refrigeração afetou sobretudo bares, restaurantes e mercearias”. “As grandes empresas também foram afetadas, o que levou à paragem da produção industrial”, concluem os economistas. *Notícia atualizada a 2 de maio, para acrescentar a informação sobre a adaptação das linhas, que se destina, nesta fase, ao novo modelo T-Roc.