Americanos garantem vistos ‘gold’ com ‘doações’ a projetos culturais
Os norte-americanos estão a apostar em doações para projetos de recuperação ou manutenção do património cultural português, e também de produção artística, por forma a obterem vistos gold em Portugal. A Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI), designação oficial deste regime, prevê a atribuição do ‘passaporte dourado’ por transferências de montante igual ou superior a 250 mil euros para o setor cultural. São aplicações de capital em que o único retorno é mesmo o documento de autorização de residência. Este critério captou até à data um investimento superior a 25,6 milhões de euros e originou a emissão de 109 vistos gold, segundo informações prestadas pelo Ministério da Cultura (MC). Os investidores norte-americanos lideram a atribuição de ARI por esta via, com um total de 49 vistos aprovados.
Estes números não têm a exuberância do investimento captado em bens imobiliários que, desde o início deste programa, em 2012, e até setembro de 2023, totalizou 6451 milhões de euros e originou a atribuição de 11.383 vistos gold. No entanto, é de sublinhar que o regulamento para transferências de capital para o setor da cultura só entrou em vigor em 2017 e em outubro de 2023 o então primeiro-ministro António Costa pôs fim à possibilidade de obter uma ARI por aquisição de imóveis, com o objetivo de mitigar a crise habitacional do país.
De acordo com os dados fornecidos pelo MC, verifica-se que é no ano em que o PS lança o programa Mais Habitação que este critério ganha força.
Em 2023, são atribuídos 15 vistos gold ao abrigo de apoios a projetos culturais, quase tantos como nos três anos anteriores - em 2020, é emitida a primeira e única ARI com este critério, sete no ano seguinte, e oito em 2022. No ano passado, este número subiu para 52 e até março do atual exercício já foram aprovadas 27 ARI.
O valor do investimento acompanhou este interesse. Em 2023, foram canalizados 4,5 milhões de euros por cidadãos estrangeiros interessados em obter o visto dourado por esta via. Em 2024, contabilizou-se 14,1 milhões e este ano, para já, entraram cerca de 2,1 milhões.
Sublinhe-se que para obter a ARI é necessário efetuar antecipadamente o investimento, ou seja, as aprovações podem referir-se a transferências realizadas em anos anteriores. Como sublinha o gabinete liderado por Dalila Rodrigues, “compete à AIMA [Agência para a Integração, Migrações e Asilo, que veio substituir o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras] a decisão final sobre a autorização de residência por investimento, o que quer dizer que o facto de o investimento estar efetivado não determina, só por si, o deferimento positivo daquele pedido”.
Como referido, os norte-americanos são de longe a nacionalidade que mais tem recorrido a este requisito para obter um visto gold. Seguem-se os chineses, que garantiram até ao momento 17 ARI, os indianos (11), britânicos (5) e iranianos (3). No ranking das 10 nacionalidades mais ativas neste programa encontram-se também investidores do Bangladesh, Vietname, Austrália, Paquistão e Arábia Saudita, todos com dois vistos atribuídos até à data.
Fundações em destaque
As atividades culturais elegíveis para obtenção de vistos gold são publicitadas pelo Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais. Segundo o MC, que tutela este organismo, “constata-se um aumento significativo do número de interessados no regime de ARI, não só por parte das entidades elegíveis beneficiárias, como também por parte dos investidores”.
Entre 2020 e 2024, foram declaradas elegíveis 36 atividades, sendo que 18 já se encontram com o financiamento concluído.
A Fundação de Serralves, no Porto, é, destacadamente, a entidade que mais projetos apresentou a financiamento por via das ARI. De acordo com o MC, a instituição elegeu 18 ações.
Na lista de instituições culturais com atividades elegíveis, constam também as fundações Côa Parque, Batalha de Aljubarrota, Ricardo do Espírito Santo Silva, Abel e João de Lacerda, Culturgest e instituições como a Cinemateca, entre outras.
Como refere o ministério, “92% das atividades culturais elegíveis foram de âmbito nacional, e tiveram lugar, maioritariamente, na região do Norte (58%), no distrito e concelho do Porto”.
O maior número de declarações de elegibilidade atribuídas na área da produção artística e/ou na recuperação do património cultural nacional foi registado no ano passado, num total de 15.
Depois de várias revisitações ao regime das ARI, é hoje possível obter um visto gold através de investimentos que criem, pelo menos, 10 postos de trabalho e por transferências de capital.
Dentro deste último requisito, enquadram-se transferências de montante igual ou superior a 500 mil euros para aplicar em atividades de investigação científica; de 500 mil euros para aquisição de partes de organismos de investimento coletivo não-imobiliário; e 500 mil euros para constituição de uma sociedade comercial, conjugada com a criação de cinco postos de trabalho permanentes; a que acrescem as transferências de 250 mil para apoio à produção artística, recuperação ou manutenção do património cultural.
Os dados estatísticos disponíveis dos vistos gold revelam que, desde o início do regime e até setembro de 2023, foram concedidas 12.718 autorizações de residência, que geraram mais de 7318 milhões de euros. Estes são valores disponibilizados pelo SEF antes da sua extinção.
Desde então, a AIMA só revelou que no total de 2023 foram atribuídas 2901 ARI, não disponibilizando valores de investimento, nem as nacionalidades dos investidores.
Recorde-se que, no início deste ano e face aos atrasos na apreciação dos processos de atribuição do ‘passaporte dourado’ - há cerca de 50 mil processos pendentes -, a AIMA procedeu à atualização da plataforma digital onde se efetuam as submissões dos pedidos, tendo alterado os procedimentos para agilizar os processos.